24 Abril 2025
Bergoglio chegou ao ponto de se questionar publicamente se estava ocorrendo um genocídio em Gaza, uma frase que atraiu muitas críticas, mas também atestados de estima. Mas seu apoio à causa tem raízes mais distantes.
A reportagem é de Youssef Hassan Holgado, publicada por Domani de 23-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um chefe de Estado justo, um homem honesto e humilde, um líder religioso aliado e não inimigo, apesar das diferenças. É assim que o Papa Francisco era percebido pelos líderes do mundo árabe muçulmano, muitos dos quais foram recebidos no Vaticano nos últimos doze anos. As declarações institucionais que têm circulado da África ao Oriente Médio nestas últimas horas e as mensagens de condolências, não são circunstanciais. Elas são a culminação de uma jornada iniciada por Francisco nos primeiros anos de seu pontificado, que o levou a realizar a primeira visita da história a um país do Golfo. Em 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, foi lançada a pedra fundamental do diálogo inter-religioso contemporâneo: o documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum. As assinaturas ao pé do documento são as de Bergoglio e do Grande Imã da mesquita de Al Azhar, Ahmad al Tayyib.
O texto promove o respeito mútuo, a tolerância e a rejeição da violência em nome da religião. Aquela passagem histórica levou a ONU a reconhecer o dia 4 de fevereiro como o Dia Internacional da Fraternidade Humana.
Sua primeira viagem ao pequeno estado dos Emirados - na metade de seu pontificado - terminou com outro evento memorável: a celebração da missa no estádio Zayed Sports City, em Abu Dhabi. Mas Bergoglio voltaria ao Golfo três anos depois, durante sua visita ao Bahrein, onde participou do Fórum para o Diálogo Oriente-Ocidente. Essa visita também é lembrada como uma das etapas com que tentou consertar as divisões internas no mundo muçulmano entre xiitas e sunitas.
Um desejo que também nasceu de seu encontro no Iraque em 2021 com o aiatolá Ali al-Sistani em Najaf, com quem tinha boas relações. Em 2016, ele também havia recebido o ex-presidente iraniano Hassan Rouhani no Vaticano.
No mundo árabe, os apertos de mão e as palavras de Bergoglio entraram para a história, assim como sua amizade com o grande imã da mesquita de Al Azhar, a mais alta cúpula do pensamento teológico islâmico sunita. “O Papa Francisco encarnou um compromisso incansável na defesa dos marginalizados, no apoio aos direitos humanos e na promoção da paz mundial. Suas posições sempre eram inspiradas por valores morais e espirituais profundos compartilhados entre as religiões”, disse o Grande Imã Ahmad al Tayyib em suas condolências.
De acordo com al Tayyib, as relações entre Al Azhar e a Santa Sé atingiram níveis de cooperação sem precedentes. A distensão institucional começou com sua viagem ao Egito em 2017, onde ele participou da Conferência Internacional pela Paz. De fato, o Grande Imã anunciou que Al Azhar enviaria uma delegação de alto nível para o funeral de Francisco.
Em sua agenda política, o pontífice se concentrou muito em denunciar o fundamentalismo religioso em todas as religiões, encontrando um terreno comum onde agir. Ele foi uma figura de grande confiança devido à sua abordagem desconstruída de lógicas neocoloniais de que os líderes ocidentais costumam ser portadores. Nesse aspecto, suas origens jogaram a seu favor. “Ele mesmo reconheceu aquele processo de desumanização que houve por parte do mundo ocidental em relação a determinados países árabo-islâmicos ou certas áreas do mundo”, explica Yassine Lafram, presidente da Ucoii - União das Comunidades Islâmicas da Itália.
Além disso, suas palavras sobre Gaza e sobre o sofrimento do povo palestino não passaram despercebidas.
Bergoglio chegou ao ponto de se questionar publicamente se estava ocorrendo um genocídio em Gaza, uma frase que atraiu muitas críticas, mas também atestados de estima. Mas seu apoio à causa tem raízes mais distantes.
Em histórico encontro com Abu Mazen em 2015, o Vaticano havia reconhecido o estado da Palestina.
“Tivemos uma boa relação desde o início. Reconhecemos sua coragem em se expor. Não é fácil falar de paz e repacificação como ele fez”, acrescenta Lafram, que em algumas audiências com o pontífice acompanhou delegações do mundo islâmico fascinadas por sua “abertura à escuta”.
Francisco reconhecia no interlocutor “um portador de valores e princípios, uma pessoa digna de ser ouvida. E ele teve a coragem de usar palavras que, na minha opinião, foram eloquentes, indo além do que é politicamente correto e reconhecendo aqueles que são os grandes problemas entre o mundo ocidental e o mundo árabe-islâmico”. Independentemente de quem será seu sucessor, o objetivo dos líderes religiosos não é dispersar o legado de Bergoglio. “Ele deixou uma marca indelével na história da igreja, mas também de toda a humanidade. Portanto, é importante manter fé àquelas que foram as suas posições fortes, apesar dos ataques que ele continuamente sofreu”.