26 Abril 2025
"O que sabemos é que o legado de Francisco ainda deve ser escrito", afirma Pierre Haski, em artigo publicado por Internazionale, 23-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desde os tempos de Stalin e sua famosa frase “Quantas divisões tem o papa?”, sabemos que a influência da Igreja Católica não é medida em termos de tanques e mísseis. A União Soviética experimentou isso na pele com João Paulo II e seu papel no fim do bloco comunista na Europa Central.
Como o primeiro papa vindo de um país do sul global (Argentina), Francisco tentou ter um peso, à sua maneira, em muitas das crises que caracterizaram e caracterizam a nossa época. Seu impacto não pode ser medido imediatamente, como acontece com outros estadistas, mas surgirá do crescimento das sementes que ele plantou nas consciências. Na ampla gama de suas posições, há três imagens fortes que caracterizam sua visão.
A primeira ficou oculta por muito tempo: todas as noites, Francisco ligava para a pequena comunidade católica em Gaza, devastada pela guerra, para pedir notícias e expressar sua compaixão.
O fato de o pároco de Gaza, Gabriel Romanelli, ser argentino criou um vínculo entre os dois, mas o papa permaneceu constante em seu apoio. A força moral que demonstrou em favor dos palestinos não mudou a realidade do calvário dos habitantes da Faixa de Gaza, mas para os católicos desse território martirizado, a presença amigável e cotidiana do pontífice foi um conforto, como pode ser visto em alguns dos vídeos que estão circulando na web.
A segunda imagem encarna a principal mensagem lançada por Francisco durante seu pontificado, ou seja, aquela da compaixão para com os migrantes. No domingo de Páscoa, às vésperas de sua morte, o papa dedicou suas últimas energias a este tema: “Quanto desprezo às vezes se sente em relação aos mais fracos, aos marginalizados, aos migrantes”, declarou em sua mensagem urbi et orbi, acrescentando: “Neste dia, gostaria que voltássemos a ter esperança e a confiar nos outros, mesmo naqueles que não estão próximos de nós ou que vêm de terras distantes com costumes, modos de vida, ideias diferentes daqueles que nos são mais familiares, porque somos todos filhos de Deus”. Memorável, nesse sentido, é a foto tirada em 2016 que mostra o papa retornando da ilha grega de Lesbos junto com uma dúzia de refugiados sírios.
Francisco se opôs à política hostil do governo Trump em relação aos migrantes, e é significativo que seu último convidado estrangeiro (poucas horas antes de sua morte) tenha sido JD Vance, vice-presidente dos EUA convertido ao catolicismo, com uma visão ultraconservadora e aos antípodas da sua.
A terceira imagem, muito forte em nível espiritual, captura o encontro de 2021 em Najaf, no Iraque, entre o papa e o Grande Aiatolá Ali al Sistani, líder espiritual da maioria xiita do Iraque. Na fotografia, os dois homens estão sentados um de frente para o outro, um vestido de branco e o outro de preto, ambos com as mãos no colo enquanto se observam em silêncio.
Papa Francisco e Al-Sistani (Foto: Vatican Media)
O evento em Najaf foi sem precedentes. A partir daquele diálogo inter-religioso, Francisco obteve uma promessa pública do aiatolá de garantir “paz para os cristãos no Iraque”. Um empenho que contrasta com a ameaça que paira sobre os fiéis católicos da região, há tempo abalada por tensões político-religiosas.
Como em outras circunstâncias, o papa se apresentou no Iraque com a força exclusiva de sua presença. “A mensagem é o encontro”, declarou em outra ocasião, dirigindo-se a um dignitário muçulmano.
Isso é suficiente para mudar o mundo? Não existe uma resposta simples para essa pergunta. O que sabemos é que o legado de Francisco ainda deve ser escrito.