15 Abril 2025
Ao longo da última semana, durante o Acampamento Terra Livre (ATL), organizações indígenas criticaram a tentativa de exploração de petróleo na Amazônia, a falta de demarcação de territórios e a manutenção da Câmara de Conciliação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem é de Jullie Pereira e Fábio Bispo, publicada por InfoAmazônia, 14-04-2025.
Para o mundo, o governo Lula se apresenta como uma liderança climática e defensora da transição energética. Internamente, mantém planos para ampliar a exploração de petróleo e gás na Amazônia e convive com a interminável disputa judicial em torno do marco temporal de terras indígenas, além de tentativas de liberar a mineração nos territórios.
Essas e outras contradições da terceira gestão de Lula (PT) foram debatidas durante o 21º Acampamento Terra Livre (ATL), que reuniu cerca de 7 mil indígenas em Brasília, entre 7 e 11 de abril. O evento é uma iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização que reúne representantes indígenas de todos os estados do país.
Lula não visitou o acampamento, não recebeu lideranças indígenas no Palácio do Planalto e tampouco anunciou novas demarcações — ao contrário do que ocorreu no evento nos anos anteriores. A ausência do presidente em 2025 foi interpretada pela Apib como um sinal do impasse entre os diferentes partidos que compõem a coalizão do governo — que abriga tanto setores comprometidos com a agenda socioambiental quanto forças políticas abertamente contrárias à pauta.
“Sabemos quem está do nosso lado e quem não está neste espectro de composição que o governo está composto”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador da organização. Ele afirma que o Congresso é “na sua grande maioria formado por parlamentares contrários à causa indígena”.
A InfoAmazonia entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Presidência para falar sobre as reivindicações dos povos indígenas e a ausência de Lula no ATL. Até a publicação desta reportagem, o órgão não havia se posicionado.
A participação indígena efetiva durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) foi um dos temas centrais do ATL de 2025. O evento será em Belém, no Pará, em novembro deste ano.
“Queremos estar nas negociações. Não aceitamos mais decisões tomadas a portas fechadas sobre nossas vidas, territórios e saberes. A ciência já reconheceu que somos parte da solução para a crise climática — por isso, queremos participar das decisões e apontar caminhos concretos”, afirmou Dinaman Tuxá, também coordenador da Apib.
Considerando que as terras indígenas protegem cerca de 20% das florestas brasileiras, uma das principais reivindicações dos povos é a inclusão da demarcação dos seus territórios na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), a meta climática criada pelos países que assinaram o Acordo de Paris para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no mundo.
As NDCs de cada um dos países signatários serão discutidas na conferência em Belém. O Brasil se comprometeu a reduzir as emissões líquidas de gases-estufa no país de 59% a 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. No entanto, a proteção dos territórios indígenas não consta explícita no documento como parte desta estratégia.
Para defender a demarcação de terras como uma política climática, os indígenas criaram a campanha “A resposta somos nós”, que tem a adesão de organizações de outros países — também estiveram presentes no acampamento representantes de povos da Colômbia, Peru, Suriname, Guiana Francesa, Bolívia, Equador, Oceania e Austrália.
À InfoAmazonia, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, explicou que será necessário um grande esforço para uma possível inclusão da demarcação de territórios na NDC brasileira, já que as metas são “uma metodologia das Nações Unidas”, mas que isso “não impede que internamente os países façam seus arranjos nacionais”.
“Agora, qualquer coisa que mude essa metodologia, do ponto de vista global, é uma negociação que envolve 195 países, mas cada país é livre para ter o seu próprio processo. Nada impede que a gente busque um caminho, porque de fato os povos indígenas são responsáveis pela redução de emissão de CO2”, disse a ministra.
No caso do Brasil, Silva disse que vai levar a demanda para o Comitê Interministerial de Mudança do Clima, que envolve 26 ministérios e é coordenado pela Casa Civil, com a coordenação-executiva do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Na quinta-feira (10), Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, anunciou a criação da Comissão Internacional Indígena para a COP30. O órgão será responsável por desenvolver o credenciamento dos povos indígenas, que deve servir de modelo para as conferências futuras. Também serão realizadas reuniões com países-membros e outras agências da ONU para apresentar as demandas dos povos.
A comissão faz parte do Círculo de Liderança Indígena, anunciado pelo presidente da COP30, André Lago, em março deste ano, e será presidida pela ministra Guajajara, com participação de organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Apib e o G9 da Amazônia Indígena, que reúne representações dos nove países da Amazônia Internacional.
As ministras Marina Silva e Sonia Guajajara se posicionaram contra a exploração de petróleo na Amazônia.
Marchando em direção ao Congresso junto com os indígenas, Silva disse à InfoAmazonia que o governo está comprometido com a transição energética e o fim dos combustíveis fósseis.
“Mesmo que a gente consiga alcançar o desmatamento zero, as emissões geradas pelas florestas são 10% das emissões globais. Mais de 80% [das emissões globais] vêm de carvão, petróleo e gás. Por isso, a COP28 estabeleceu a transição para o fim dos combustíveis fósseis com países desenvolvidos. Países em desenvolvimento vêm em seguida. O Brasil está comprometido com a agenda da transição energética de forma justa e planejada”, disse.
No entanto, a ministra não confirmou se haverá a liberação da exploração de petróleo na Foz Amazonas, indicando que a decisão depende de grupo mais amplo dentro do governo, do qual o MMA faz parte: “Quem decide sobre a matriz energética é o Conselho Nacional de Política Energéticas”, afirmou.
A exploração de petróleo na Foz do Amazonas aguarda análise do pedido de licenciamento ambiental, que já foi negado três vezes pela área técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Além disso, um leilão para outros 47 blocos na região está marcado para 17 de junho.
“É contraditório o governo dizer que precisamos fazer uma transição energética justa e ao mesmo tempo leiloar novos blocos na Foz do Amazonas. Essa é uma preocupação grande, porque quem é de fato impactado somos nós”, defendeu Luene Karipuna, da Terra Indígena (TI) Uaçá, uma das que podem ser impactadas com a exploração de petróleo na região.
Presente no ATL, o cacique Raoni Metuktire — líder do povo Kayapó de 93 anos, que subiu a rampa do Planalto com Lula em janeiro de 2023 — disse que “as pessoas não indígenas” estão atacando os povos “por causa dos recursos naturais” existentes nos territórios.
No início deste mês, ele se encontrou com Lula e pediu que o presidente não avance com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. “Se isso acontecer [a exploração do petróleo], eu sou pajé também, eu já tive contato com espíritos que sabem do risco que a gente tem de continuar trabalhando dessa forma: de destruir, destruir e destruir, com consequências muito grandes, que não conseguiremos parar”, alertou o líder ao presidente.
Na sexta-feira (11), último dia do evento, a Apib divulgou o documento final do ATL. A carta elenca as principais reivindicações dos povos indígenas que, apesar de terem conquistado protagonismo em cargos estratégicos no governo federal — como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) —, ainda enfrentam a falta de orçamento e de autonomia.
“Representação sem estrutura não transforma realidades. Reivindicamos orçamento, pessoal e autonomia para políticas públicas feitas de parente para parente, respeitando a diversidade de nossos povos e territórios”, diz trecho do documento.
Outro ponto destacado é, mais uma vez, o marco temporal, em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma Câmara de Conciliação, criada pelo ministro Gilmar Mendes. A mesa discute as alterações legislativas aprovadas pela Lei 14.701/2023, que promove a abertura dos territórios para a exploração econômica e altera os processos de demarcações.
“A terra é nossa por direito – não invadimos território de ninguém. Confiamos no Supremo Tribunal Federal, que já declarou a inconstitucionalidade do marco temporal e agora tem o dever de proteger novamente nossos direitos”, defendem os indígenas na carta.
A Apib se retirou da câmara em agosto do ano passado denunciando “condições inaceitáveis” para o diálogo. O movimento pede o fim da conciliação e classifica a negociação como “maior retrocesso desde a Constituição de 1988 para os povos indígenas”, segundo declarou Kleber Karipuna.
No entanto, a conciliação segue mantida por Mendes mesmo sem a principal organização indígena do país. Em fevereiro deste ano, o ministro chegou a incluir a mineração nos territórios como uma das propostas da mesa.
À InfoAmazonia, Sonia Guajajara sinalizou que o MPI também poderá se retirar da conciliação. Segundo a ministra, o órgão se manteve na mesa para “fazer a defesa dos povos indígenas”.
“No momento que a gente percebe que não é possível continuar e estabelecer nenhum consenso, a gente também vai fazer essa avaliação e dar um passo atrás”, afirmou Guajajara.
Os indígenas denunciam que a conciliação sofre pressão do Congresso, que, por meio de seus participantes na mesa, estaria fazendo lobby para beneficiar mineradoras e garimpeiros.
“Tanto é que o advogado da Potássio do Brasil, mineradora que está tentando explorar potássio no território do povo Mura, no Amazonas, esteve a todo momento incidindo na conciliação. Na nossa avaliação, a proposta de mineração que veio de Gilmar Mendes tem total contribuição do advogado da Potássio do Brasil”, afirmou Karipuna em coletiva aos jornalistas durante o acampamento.
Nesta terça-feira (15), o ministro Gilmar Mendes receberá uma comitiva do povo Munduruku. A líder Alessandra Munduruku afirmou à InfoAmazonia que “o ministro está do lado do agronegócio e das mineradoras” e que os povos indígenas não vão desistir da sua luta contra a Câmara de Conciliação.
“A gente sabe que ele é uma cascadura. Sabemos que ele defende o agronegócio. Nós vamos dizer pra ele parar com a mesa de conciliação, porque nós sabemos por onde passa o agronegócio e a gente vai pra luta. Não podemos ter medo do ministro Gilmar”, declarou Alessandra Munduruku.
Além disso, também na quinta-feira, após marcharem até o Congresso, um grupo de indígenas que acessou o gramado foi recebido com bombas de gás. Pelo menos 20 pessoas ficaram feridas, entre elas a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Um dia antes, durante reunião preparatória para o ato, um servidor do Itamaraty, identificado como Aldegundes Batista Miranda, teria estimulado as agressões. Durante a reunião, Miranda afirmou que era para deixar os indígenas descerem para o gramado: “Deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”.
O Itamaraty informou que o servidor foi afastado para “apuração de responsabilidade”. O órgão também disse “deplorar o ocorrido” e esclareceu que Aldegundes “não foi instruído a manifestar-se nos termos noticiados”.