05 Abril 2025
O Papa Francisco tem promovido o Jubileu de 2025, iniciado em dezembro, como um ano de renovação espiritual para o povo de Deus, mas também tem vinculado este ano jubilar a um apelo pelo perdão das dívidas das nações em desenvolvimento, que enfrentam encargos fiscais que impedem investimentos nacionais básicos em educação, saúde e desenvolvimento humano.
A Caritas Internationalis, rede da Igreja para ajuda humanitária e desenvolvimento, descreve uma “crise da dívida urgente, porém silenciosa”.
“Mais de 100 países estão lutando contra dívidas públicas injustas e insustentáveis, das quais 65% estão nas mãos de credores privados, o que desacelera — se não impede completamente — o desenvolvimento e as ações climáticas”, segundo a Caritas. Dezenas de nações de baixa renda estão à beira de um colapso da dívida, “limitando sua capacidade de investir no futuro de seus povos”.
A Caritas relata que, à medida que os pagamentos da dívida em mais de 50 países de baixa renda superam os gastos com serviços sociais e adaptação às mudanças climáticas, “3,3 bilhões de pessoas estão sendo privadas de serviços vitais, aprofundando ainda mais a pobreza e a desigualdade”.
Em seu convite para marcar o Jubileu de 2025, Spes Non Confundit (A esperança não engana), o Papa Francisco escreveu: “A esperança deve ser concedida aos bilhões de pobres que muitas vezes carecem do essencial para viver”, acrescentando que “os bens da Terra não são destinados a uma minoria privilegiada, mas a todos”. O papa implorou aos estados mais ricos que “reconheçam a gravidade de tantas de suas decisões passadas e decidam perdoar as dívidas dos países que nunca poderão pagá-las. Mais do que uma questão de generosidade, trata-se de uma questão de justiça”.
A revista America discutiu o apelo do papa pelo alívio da dívida no Jubileu de 2025 com Joseph E. Stiglitz, economista vencedor do Prêmio Nobel e professor da Universidade de Columbia. Stiglitz é ex-economista-chefe do Banco Mundial e cofundador da Iniciativa para o Diálogo de Políticas da Columbia University. É autor de diversos livros, incluindo Globalization and Its Discontents Revisited e, mais recentemente, The Road to Freedom: Economics and the Good Society.
Stiglitz faz parte da Pontifícia Academia de Ciências Sociais desde 2003. Em fevereiro, a PASS e a IPD estabeleceram conjuntamente uma comissão de especialistas que se reunirá durante 2025 para tratar das crises globais de dívida soberana e desenvolvimento.
A entrevista a seguir foi editada por questões de tamanho e clareza.
A entrevista é de Kevin Clarke, publicada por America.
O senhor parece ter uma relação única com o Papa Francisco. Isso lhe surpreende ou parece algo natural após tantas visitas a ele?
Acho muito natural. Sou membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais há muito tempo, cerca de 20 anos. A academia tem uma idade obrigatória de aposentadoria aos 80 anos, mas foram gentis o suficiente para me nomearem membro honorário vitalício no ano passado.
Tive, portanto, essa longa relação com a academia, que tem sido um dos poucos lugares onde cientistas sociais, incluindo economistas, se reúnem para discutir as questões éticas associadas à economia, bem como os dilemas éticos e morais envolvidos na globalização, na equidade intergeracional e assim por diante.
Esse é um termo interessante. O papa usou o termo “solidariedade intergeracional” na Laudato Si’, que imagino ser sua forma católica de expressar isso.
Na verdade, tivemos uma reunião conjunta da Pontifícia Academia de Ciências e da Pontifícia Academia de Ciências Sociais para tratar das questões que eventualmente foram refletidas na Laudato Si’, como juntar justiça social e, por assim dizer, justiça ambiental. Mas “equidade intergeracional” é um termo que os economistas usam há muito tempo. Há um artigo famoso de 1928 de Frank Ramsey sobre como pesar as necessidades de uma geração em relação à outra, defendendo que não se deve desconsiderar as gerações futuras.
Mas creio que a ideia de “solidariedade intergeracional” do papa é um pouco diferente. Trata-se de uma maneira particular de considerar a equidade — solidariedade significa que você tem empatia. Se você tem solidariedade, pensa em equidade. Se não tem, nem considera a justiça.
Alguns críticos do Papa e dos dicastérios dizem que, quando falam de economia — ou de qualquer coisa fora da teologia ou espiritualidade —, a Igreja está saindo de seu papel. Dizem que o papa não sabe do que está falando, que não tem a expertise. O que você acha?
A Pontifícia Academia de Ciências existe há 500 anos — desde os tempos de Galileu — e a Pontifícia Academia de Ciências Sociais foi criada em 1994 pelo Papa João Paulo II. O papa certamente está bem assessorado em economia. Além disso, decisões econômicas têm grandes consequências para diferentes pessoas. A moralidade precisa estar presente na formulação de políticas econômicas.
Mencionei a equidade intergeracional: como pensamos as necessidades desta geração em relação a outra? Isso diz respeito à solidariedade e à justiça; diz respeito à equidade. E os mesmos desafios morais se aplicam às decisões econômicas que afetam diferentes países. Acho que participar dessas discussões é essencial para a missão da Igreja.
Economistas sempre falam sobre compensações. E, uma vez que você reconhece que há compensações ao julgar essas questões, muitas vezes se trata do bem-estar de um em detrimento do outro. E a Igreja tem tudo a ver com dar voz aos pobres, aos que não têm voz. Penso que o papel da Igreja é garantir que, ao tomarmos essas decisões materiais e temporais, permaneçamos atentos aos nossos valores morais mais profundos.
O Papa Francisco, em particular, tem sido extraordinariamente influente ao argumentar que temos uma obrigação moral com o cuidado da Terra, com o meio ambiente e com nossos semelhantes. Por isso, não acho que ele esteja saindo de seu papel. Pelo contrário — gostaria que houvesse mais discussões sobre as consequências morais das decisões econômicas.
O que a Igreja traz à mesa que seja útil para a formulação de políticas econômicas?
Ela traz precisamente o elemento moral de forma muito contundente. Já falamos disso de algumas formas, mas deixe-me dar mais um exemplo, que ficou evidente na crise econômica de 2008, resultante do colapso da indústria de hipotecas subprime nos Estados Unidos.
Milton Friedman dizia que a única obrigação de um gestor de empresa é maximizar o valor. Trata-se de ganhar dinheiro. O capitalismo — especialmente o capitalismo financeiro — é muitas vezes muito impiedoso.
E embora haja formas boas de ganhar dinheiro, como criar novos produtos, inventar coisas que ajudam a resolver problemas — como novas formas de produzir energia renovável —, há também quem lucre simplesmente explorando os outros, suas vulnerabilidades, sua falta de informação. A Igreja nos lembra que isso não deve ser aceitável. Acho que muitos jovens hoje dizem que não querem trabalhar para uma empresa que lucra apenas explorando os outros.
O papa tem promovido ativamente 2025 como um ano de Jubileu para nações pobres esmagadas por dívidas. Lembro do movimento de perdão da dívida do Jubileu de 2000 e de outras crises da dívida ao longo das décadas. Parece que apagamos o incêndio e, 10 ou 15 anos depois, estamos na mesma situação. Como é que o sistema financeiro global ainda não resolveu esse problema?
Essa é exatamente a mensagem deste Jubileu. A Igreja foi muito influente no perdão das dívidas em 2000. Fez uma grande diferença e não devemos subestimar o valor de libertar tantas pessoas das correntes da dívida naquela época; significou que aquelas nações tiveram os recursos necessários para investir em saúde e educação. Melhorou a vida de seus povos, mas não abordou as causas subjacentes do endividamento — e por isso, 25 anos depois, no próximo Jubileu, estamos novamente diante de uma crise da dívida.
Esta crise em particular foi agravada por eventos fora do nosso controle, principalmente a pandemia da Covid-19. Muitos países precisaram contrair dívidas excessivas para lidar com aquela emergência. Mas, à medida que começamos a refletir sobre o que aconteceu nos últimos 25 anos, percebemos que há falhas fundamentais no funcionamento do nosso sistema capitalista, do nosso sistema financeiro — o dinheiro flui para fora dos países pobres quando as condições econômicas se deterioram. Em outras palavras, em vez de ajudar os pobres nos momentos difíceis, os ricos retiram seu dinheiro.
Sim, no passado realmente parecia que o problema da dívida só vinha à tona como uma crise — não quando as pessoas passavam fome no mundo em desenvolvimento por causa do peso das dívidas, mas quando a ansiedade com uma possível quebra em cadeia dos bancos chegava a Manhattan, porque as dívidas não estavam sendo devidamente pagas.
Uma das coisas que estamos enfatizando neste Jubileu é que não se trata apenas de uma crise da dívida — é uma crise de desenvolvimento. Nações endividadas gastam tanto dinheiro pagando juros e remetendo cheques para Wall Street que não sobra o suficiente para os serviços sociais de que precisam, nem para investir em saúde, educação, para sair da pobreza ou enfrentar os desafios das mudanças climáticas.
Estamos tentando ampliar o debate. A dívida não deve ser motivo de preocupação apenas porque pode desencadear uma crise financeira global provocada por calotes. Precisamos enxergá-la por uma perspectiva mais ampla.
Como garantir que os países endividados tenham os recursos necessários para financiar saúde, educação e dar às pessoas a chance de desenvolver todo o seu potencial? Nossa esperança para o Jubileu de 2025 é abordar tanto o problema imediato da dívida quanto as questões estruturais mais profundas.
Grande parte dessas dívidas está registrada em Nova York e Londres. E Nova York, por exemplo, tem uma norma segundo a qual, enquanto as negociações para reestruturar a dívida estão em andamento, alguns países pobres são obrigados a pagar juros de 9%. Isso é usura, com todas as letras, e incentiva esses especuladores a adiar as renegociações, porque continuam recebendo 9% de juros enquanto as conversas se arrastam. Isso está estrangulando os países pobres.
Também existem os chamados fundos abutres, que compram dívidas por centavos de dólar e depois recorrem à Justiça exigindo receber o valor integral. Eles adquirem esses títulos apenas para entrar com processos judiciais.
Como as políticas e prioridades do governo Trump influenciam o Jubileu 2025? Certamente não ajuda os países endividados o fato de a Casa Branca ter fechado a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
É por isso que se torna ainda mais importante que a voz moral da Igreja seja ouvida. Na minha opinião, o que o governo Trump fez é moralmente injustificável: cortar de uma hora para outra o atendimento de saúde para os mais pobres do mundo, interromper o tratamento de HIV na África, o que levou à morte de jovens e crianças. É preciso não ter qualquer senso moral para permitir que algo assim aconteça.
Falei com republicanos e democratas que ficaram chocados com o que o governo Trump fez. Isso não é normal. Podemos ter divergências políticas em nosso país e no mundo, mas isso simplesmente ultrapassa os limites do que é concebível.
Os Estados Unidos costumavam exercer uma liderança moral no mundo de muitas maneiras; infelizmente, perdemos isso agora. Muitas pessoas acreditam que existe um vácuo moral no momento. Nesse contexto, a liderança do papa Francisco e da Igreja é ainda mais importante nestes tempos tão conturbados.
Mas é possível reformar as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e alterar os instrumentos que aumentaram o sofrimento no mundo em desenvolvimento sem o apoio de Washington? Não seria essencial ter a Casa Branca apoiando esse processo?
Claro que seria muito melhor se a Casa Branca estivesse por trás disso. E há muitas pessoas próximas ao sr. Trump que têm senso moral, pessoas que talvez consigam exercer pressão suficiente para que o governo inicie uma autocrítica. Mas acredito que o sistema multilateral precisa seguir adiante com ou sem o governo Trump, e acho que isso é possível.
De certo modo, ironicamente, o sr. Trump ajudou. Às vezes vivemos no piloto automático, sem pensar nas nossas prioridades e no que realmente importa, até que, de repente, aparece alguém como o sr. Trump. Ele provocou um choque, e agora somos forçados a nos perguntar: “O que é realmente mais importante?” Talvez tivéssemos nos saído melhor sem esse choque, mas uma virtude dele é que levou muita gente a reconsiderar suas prioridades.
A Europa declarou que essas prioridades incluem o respeito ao Estado de Direito e a defesa da Ucrânia. Também disseram: “Vamos mudar nossas regras sobre déficits orçamentários. Elas funcionavam em tempos normais. Mas não estamos em tempos normais”. E aí vem a pergunta: o que é mais importante — salvar a liberdade ou reduzir os déficits? Dou parabéns a eles por terem se organizado.
Preciso destacar que o Reino Unido e alguns outros países europeus decidiram que podem conviver com déficits mais altos, mas também vão reduzir a ajuda externa para compensar o aumento dos gastos com defesa.
E é justamente nesse momento que a voz da Igreja precisa ser ouvida.
O que vocês pedem às pessoas nas igrejas, aos eleitores americanos, sobre essa questão do perdão das dívidas do mundo em desenvolvimento e da justiça da dívida?
Nosso pedido é compaixão e solidariedade. O jubileu é parte essencial do ensinamento de qualquer religião; é preciso haver compaixão pelos outros.
E o jubileu é uma maneira interessante de abordar isso — a cada 25 anos, refletimos sobre onde estamos e o que precisamos fazer. A cada 25 anos temos a chance de um novo começo.
Mas desta vez, o papa deu um grande passo adiante, além do jubileu. Ele não está apenas perguntando como dar às pessoas um novo começo; ele também está dizendo: vamos tentar garantir que elas não acabem na mesma situação dentro de 25 anos — com dívidas que comprometem a saúde, a educação e a possibilidade de sair da pobreza.