11 Março 2025
"Isso é o que Israel está fazendo hoje, só para deixar claro. Uma Nakba", escreve Gideon Levy, jornalista israelense, em artigo publicado por Haaretz e reproduzido por Internazionale, 06-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Algo sem precedentes está acontecendo na história israelense. Embora uma guerra ainda não tenha acabado completamente, Tel Aviv já está provocando a próxima. Foi-nos negado o luxo de um momento para recuperar o fôlego, um pouco de ilusão e esperança. O horizonte “diplomático” de Israel agora consiste apenas em uma guerra após a outra, sem considerar alternativas. Ele tem pelo menos três em sua agenda: retomar a guerra em Gaza, bombardear o Irã e desencadear um conflito na Cisjordânia. Este último já o está alimentando desde 7 de outubro de 2023. Quando a terceira intifada estourar, as pessoas deveriam se lembrar quem a provocou. E denunciar os atentados mortais contra Israel não mudará a realidade: a demonização dos “animais humanos” na Cisjordânia, parentes daqueles de Gaza. Israel será o único responsável pela próxima guerra na Cisjordânia. Os israelenses não poderão dizer que foram pegos de surpresa; não poderão dizer que não sabiam. Esse é um destino que já está escrito, em letras de fogo e sangue, há dezesseis meses. E ninguém o está impedindo. Os meios de informação mal falam sobre isso. Essa não é mais a Cisjordânia que conhecíamos. As coisas mudaram. A ocupação israelense - que nunca foi exatamente progressiva - tornou-se mais brutal do que nunca. No dia seguinte aos ataques do Hamas, em 7 de outubro, efetivamente trancou os três milhões de habitantes da Cisjordânia em uma prisão. Desde então, pelo menos 150.000 pessoas - a maioria trabalhadores manuais diligentes e conscienciosos - perderam seu meio de vida. Eles não tinham nada a ver com o massacre na fronteira de Gaza. Estavam apenas tentando suprir as necessidades de suas famílias. Mas Israel lhes tirou a possibilidade - que dificilmente voltarão a ter - de viver uma vida digna.
Centenas de milhares de pessoas foram condenadas a uma vida de miséria. E os mais jovens não ficarão em silêncio.
Isso é apenas o começo. A Cisjordânia também foi isolada internamente. Cerca de novecentos postos de controle - alguns permanentes, outros temporários - desmembraram-na, juntamente com a vida de seus habitantes. Cada deslocamento de uma comunidade para outra se tornou uma roleta russa: o posto de controle estará aberto ou fechado? Certa vez, passei seis horas esperando no posto de controle de Jaba. Atrás de mim estava um noivo a caminho de seu casamento. No final, a cerimônia de casamento foi cancelada. As ruas da Cisjordânia se esvaziaram.
Os postos de controle são apenas uma parte do cenário. Algo também mudou entre os soldados da ocupação. Talvez eles invejem seus colegas em Gaza, ou talvez esse seja simplesmente o espírito que prevalece nas forças armadas israelenses atualmente. Mas a maioria deles nunca havia tratado os palestinos da maneira como o fazem hoje. Não se trata apenas do gatilho fácil ou do uso de armas nunca antes usadas na Cisjordânia, como aviões de combate. Acima de tudo, é a maneira como olham para os palestinos: “animais humanos”, justamente como costumavam dizer sobre as pessoas de Gaza. Nesse contexto, os colonos e aqueles que os apoiam tomaram conta. Para eles, essa é uma oportunidade histórica. Querem uma guerra em grande escala na Cisjordânia para realizar, sob essa cobertura, seu grande plano de expulsões em massa. É terrificante que esse seja o único plano de Israel para resolver a questão palestina.
Nesse interim, não passa uma semana sem que surja outro posto avançado não autorizado de colonos: uma cabana cercada por milhares de hectares de terra reivindicada para “pastagem”. Não passa um dia sem outro pogrom. Os ataques funcionam. As partes mais fracas da sociedade palestina na Cisjordânia - os pastores - simplesmente cedem. Comunidades inteiras estão abandonando as terras de seus ancestrais, fugindo aterrorizadas dos gângsteres de kipá. E também chegou a hora da expulsão organizada dos habitantes dos campos de refugiados.
Não digam que não existe um plano. O plano existe, e é monstruoso. Ele consiste em esvaziar todos os campos de refugiados na Cisjordânia e arrasá-los. Essa é a “solução” para o problema dos refugiados. Ela começou com o desmantelamento da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (Unrwa) e continua com as escavadeiras. Quarenta mil pessoas já foram expulsas. As casas de algumas delas já foram demolidas. Três campos de refugiados no norte da Cisjordânia são hoje terrenos baldios, esvaziados de vida.
Essa não é uma guerra contra o terror. Não se combate o terrorismo destruindo tubulações de água, redes de eletricidade, estradas e sistemas de esgoto. Essa é a destruição sistemática dos campos de refugiados.
Isso não vai parar nos campos de Nur al Shams, em Tulkarem, ou nos campos de Askar e Balata, perto de Nablus.
Continuará até o fim, chegando ao campo de Al Fawwar, perto de Hebron, no sul da Cisjordânia, até que não reste mais nada. Isso é o que Israel está fazendo hoje, só para deixar claro. Uma Nakba.