A primeira guerra fascista de Israel. Artigo de Gideon Levy

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"Mesmo em suas guerras anteriores, Israel cometeu atos hediondos. Às vezes tentou negar, esconder, desmentir, em alguns casos até se envergonhou. Desta vez, não. O porta-voz do exército apresenta com orgulho a dimensão de destruição e das mortes, exibindo-as como sucessos para agradar a direita kahanista", escreve Gideon Levy, jornalista israelense, em artigo publicado por Internazionale, 24-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

A guerra que supostamente deveria ter terminado em 19 de janeiro entrará para a história como a “Primeira Guerra de Kahane”, porque é diferente de todas as outras travadas anteriormente por Israel. A única que se assemelha a ela é a de 1948, que produziu a Nakba, mas as motivações eram diferentes. Aquele conflito serviu para criar um Estado judeu; este último para criar um Estado fascista.

Em Israel, nasceu o Estado de Kahane (em homenagem ao Rabino Meir Kahane, fundador do kahanismo, uma ideologia judaica extremista que propõe a transferência forçada de todos os árabes para países muçulmanos ou para o Ocidente). A covardia criminosa de Benjamin Netanyahu tornou isso possível.

Não foram apenas os partidos neonazistas de direita: foi, mais do que qualquer outro, justamente o partido Likud do primeiro-ministro que levou o kahanismo ao poder.

A profunda mudança que ocorreu no país tem sua melhor representação na guerra em Gaza. Quase todos os aspectos desse conflito foram pensados para satisfazer a extrema direita fascista, racista e favorável às deportações. E o espírito do kahanismo assumiu o controle. Não se trata apenas da crueldade do exército. Trata-se, acima de tudo, de como a crueldade foi transformada em um valor, uma oportunidade, um recurso, um milagre. A crueldade como algo de que se orgulhar, algo a que aspirar, algo de que se vangloriar, algo a ostentar.

Mesmo em suas guerras anteriores, Israel cometeu atos hediondos. Às vezes tentou negar, esconder, desmentir, em alguns casos até se envergonhou. Desta vez, não. O porta-voz do exército apresenta com orgulho a dimensão de destruição e das mortes, exibindo-as como sucessos para agradar a direita kahanista, que se tornou majoritária. Israel aspira à matança e à destruição dos árabes apenas pelo prazer de destruí-los. Antigamente não era assim e certamente não se orgulhava disso. É uma mudança notável, da qual será difícil retornar, e que preanuncia um futuro sombrio.

Meir Kahane liderava um partido neonazista totalmente israelense que considerava os árabes, na melhor das hipóteses, no mesmo nível dos cães. Israel o baniu. A ética de “atirar e chorar” do Mapai, o principal partido de esquerda até a década de 1970, ainda prevalecia, enquanto o Likud era uma força não sectária. O primeiro-ministro Menachem Begin, e até mesmo o primeiro governo de Netanyahu, conservaram aquela ética. O colapso começou com o segundo governo de Netanyahu e atingiu o auge com o atual. De todos os seus crimes, esse é o maior e mais imperdoável.

Numa primeira fase, o fascismo foi legitimado e reabilitado. Algumas vozes que antes de então nunca haviam sido consideradas legítimas se infiltraram na política e nos meios de informação.

Logo não só foram legitimadas, como também se tornaram a voz das massas, do governo e do exército. No rádio e na televisão, as pessoas começaram a dizer: “Não há inocentes em Gaza” e a falar sobre o direito-dever de matar todos com a mesma desenvoltura com que falavam sobre a previsão do tempo.

Alguns jornalistas importantes expressaram opiniões que antes mantinham escondidas quando perceberam que não só eram aceitáveis, mas que era conveniente expô-las. Em Israel, esse debate simplesmente não existia e não pode encontrar lugar em nenhuma democracia. Nesse meio tempo, as vozes contra a guerra foram silenciadas. Até mesmo a compaixão e a humanidade foram banidas. A conquista do debate público foi assim completada.

Durante os longos meses do conflito, o kahanismo tornou-se a voz dominante de Israel e de seu exército.

Não havia mais diferença entre os comandantes oriundos do solo corrompido das colônias e seus colegas nascidos do “maravilhoso” Estado judeu: todos faziam tudo no espírito de Meir Kahane, sem exceções e sem dissidentes. O objetivo era agradar a extremistas como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir. E saciar sua infinita sede de sangue.

O acordo pelos reféns foi adiado por semanas, Gaza foi destruída, áreas inteiras foram esvaziadas da população e dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Tudo para satisfazer o espírito de Kahane e seus representantes terrenos no executivo.

É irônico que a primeira guerra de Kahane esteja agora se encerrando com a retirada da coalizão governamental do partido Otzma yehudit (Poder Judaico), cujo líder já prometeu voltar quando o genocídio recomeçar. Mas a deformação foi realizada, não há mais necessidade de Ben Gvir e seus similares. Netanyahu e o Likud são kahanistas o suficiente para levar adiante essa ideia. Não há mais nem mesmo a necessidade de escrever nos muros “Kahane estava certo”.

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