“Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo” inicia dia 25-03-2025 e debate as causas e consequências dos conflitos territoriais globais
O controle sobre a extração de minerais em terras ricas em recursos naturais não é só causa de conflitos territoriais observados em todo o mundo, mas agora está no centro das possibilidades de paz para pôr fim à guerra entre Rússia e Ucrânia, conforme as negociações impostas pelo governo Trump ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Os recursos encontrados nessas terras, classificadas como terras raras, são considerados essenciais para a continuidade do desenvolvimento tecnológico de smartphones, carros elétricos e chips. Ou seja, em alguma medida, para assegurar a transição energética.
Conflitos armados envolvendo a disputa por territórios ricos em recursos minerais é uma realidade que acomete diversos povos. No mês passado, uma reportagem do portal Crux reportou a decapitação de 70 cristãos, cujos corpos foram encontrados em 15 de fevereiro numa igreja localizada na província de Kivu do Norte, na República Democrática do Congo (RDC). Algumas interpretações sobre os fatos aludem a conflitos religiosos envolvendo a milícia das Forças Democráticas Aliadas (AFD), aliada do Estado Islâmico, uma das 120 milícias que disputam a região. Entretanto, Maria Lozano, diretora do Departamento de Imprensa e Mídia Internacional da ACN, assegura que, possivelmente, este, como outros conflitos na RDC, estão relacionados à atração e competição por recursos minerais, como reservas de cobalto, utilizadas para a produção de baterias de carros elétricos, ou de coltan, utilizados na fabricação de eletrônicos.
“Esses grupos [armados] se envolvem em atividades altamente lucrativas, particularmente na exploração dos abundantes recursos naturais da região. É evidente que a islamização não é seu objetivo principal. Por exemplo, refinarias de coltan estão operando em Ruanda, apesar do fato de que o país não tem recursos próprios de coltan. Este mineral raro é extraído da RDC e exportado ilegalmente através da fronteira para Ruanda”, informou ao Crux.
Entre as causas do assassinato de civis, Maria Lozano destaca o fato de as vítimas não conseguirem suportar as marchas forçadas pelos grupos armados. “Quando os rebeldes fazem reféns, eles os forçam a viajar com eles, seja como reforços para seu grupo ou como trabalho forçado para seu esforço de guerra. Quando há saque, eles precisam de pessoas para carregá-lo. Se você se cansar no caminho, está acabado. Acredito que foi isso que aconteceu com essas 70 pessoas”, disse ao Crux.
Na América Latina e, no Brasil em particular, diariamente acontecem conflitos envolvendo garimpeiros, grileiros, comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia Legal, sem falar nos desastres socioambientais gerados por projetos de mineração institucionalmente autorizados, como o que atingiu Brumadinho em 2018. Atualmente, o povo indígena Mura resiste para existir e não entregar seu território à extração de potássio no município de Autazes, na região metropolitana de Manaus, no estado do Amazonas.
A resolução de conflitos desse tipo e a construção de um projeto transdisciplinar de futuro comum estão entre os desafios do século XXI. A fim de propor caminhos para promoção de outra sociedade possível, a partir dos desafios climáticos, socioeconômicos, políticos e teológicos contemporâneos, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove, neste semestre, o "Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo". O evento, inspirado nos dez anos da Encíclica Laudato si' e da Campanha da Fraternidade deste ano, Fraternidade e Ecologia integral, será realizado na modalidade online, com videoconferências mensais, transmitidas na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no Canal do YouTube.
A palestra de abertura, intitulada “Por um novo contrato com a natureza”, será ministrada pelo Prof. Dr. Paulo Artaxo, da USP, às 10h do dia 25-03-2025. O tema alude ao desejo da sociedade brasileira de estabelecer novas relações institucionais com as comunidades que dependem da natureza para sobreviver e com o meio ambiente, especialmente depois das declarações presidenciais sobre o lenga-lenga para permitir a autorização ambiental para exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas.
Na avaliação de Artaxo, “o governo brasileiro tem uma posição extremamente ambígua em relação à exploração de petróleo e à exploração de combustíveis fósseis, não só na foz do rio Amazonas, mas também nas áreas em exploração atualmente. Há alguns dias, aliás, um ministro disse que o Brasil deve explorar até a última gota de petróleo possível. Em contrapartida, o Ministério do Meio Ambiente tem a responsabilidade de preservar os nossos ecossistemas, que são essenciais para a sobrevivência do próprio país numa visão de longo prazo”.
Segundo ele, a ambiguidade gera um debate que “faz parte da democracia moderna”, e não é restrito ao Brasil, mas “precisa ser resolvido pela sociedade democraticamente, e não resolvido pelos interesses econômicos de uma, duas ou três companhias ou por um setor econômico em particular”.
Em entrevista ao IHU, o pesquisador lembrou que “80% da nossa população acha que devemos trabalhar mais para preservar os nossos meios ambientes, inclusive na região amazônica: 80% da população é favorável a acabar com o desmatamento na região amazônica”. Para que isso aconteça, observa, “precisamos ter políticas públicas, um Congresso Nacional que vote atendendo às necessidades da população e não de grupos econômicos específicos. Além disso, é necessário um judiciário que atue no combate a crimes ambientais e faça com que a Constituição seja efetivamente aplicada em todo o território nacional”.
Entre as conferências confirmadas para o mês de maio, destacam-se a da Profa. Dra. Kate Raworth, do Doughnut Economics Action Lab (DEAL), na Inglaterra, e a do jornalista uruguaio, Raúl Zibechi.
Kate Raworth, economista de formação, é conhecida por propor um modelo econômico que abandone a busca de riquezas à custa da exploração ambiental e da injustiça social. Segundo ela, “todos os economistas deveriam repensar os indicadores do mundo em que vivemos e questionar como lidamos com os nossos recursos planetários. Isto deveria ser o ponto de partida: a natureza é inerente à economia”.
Na proposta econômica elaborada por ela, a relação entre o ser humano e o meio ambiente está no centro do sistema. “O bem-estar humano depende da terra viva. Se quisermos ter comida suficiente, precisamos de solos férteis e um clima estável. Se quisermos viver de forma saudável, precisamos de ar limpo e uma camada de ozônio. Nosso bem-estar depende dos sistemas que suportam a vida na Terra. Estes foram mal compreendidos no século passado e deixados à margem da teoria econômica. É hora de colocá-los no centro de nossa visão de bem-estar”, sugere.
Na videoconferência, que será transmitida às 10h, em 08-05-2025, Kate Raworth abordará formas de como superar os paradigmas ultrapassados na área econômica. A ciência econômica, argumenta a pesquisadora britânica, por exemplo, precisaria abandonar uma fundamentação centrada no “homem racional, autorreferido e calculista” e fundamentar-se no bem-estar de todos, incluindo o planeta. O propósito da economia, salienta, deveria ser “responder às necessidades de todos a partir dos recursos do planeta”. Nesse sentido, ela propõe uma inversão na lógica das economias nacionais. Ao invés de crescerem independentemente para produzirem bem-estar social, assegurarem o bem-estar global independentemente do crescimento econômico.
O jornalista Raul Zibechi também tem criticado os efeitos negativos do atual modelo econômico sobre a vida dos povos da América Latina e, mais do que isso, denunciado os impactos socioambientais da transição ecológica, gerado pelo extrativismo mineral em busca de recursos fundamentais para a fabricação de novas tecnologias. Segundo ele, o extrativismo tem avançado sobre 40% das terras latino-americanas que ainda estão sob a posse de indígenas e camponeses ou áreas de preservação ambiental. “É sobre esses territórios que o extrativismo avança, em toda a região. Tirar a terra dos povos é como tirar a vida deles, por isso eles a defendem com tanta veemência. Eles não podem negociá-la. Não o farão”.
No dia 15-05-2023, Zibechi ministrará a videoconferência “Do extrativismo à transição ecológica. Territorialidades e resistências latino-americanas”. O evento será transmitido às 10h na página eletrônica do IHU.
Na videoconferência ministrada no IHU em 2022, o jornalista classificou o extrativismo como uma neocolonização de países e territórios. Na ocasião, disse que o modelo capitalista da região é marcado pela acumulação por desapropriação. “É um modelo focado na mineração, no agronegócio, nas grandes obras de infraestrutura. É isso que chamamos de extrativismo urbano ou especulação imobiliária nas cidades, que é responsável pela desigualdade crescente em nossos países”, resume.
De acordo com ele, atualmente, na América Latina existe mais de 250 conflitos oriundos da mineração e 180 por causa da água. “O avanço do extrativismo provoca, naturalmente, nos povos camponeses, originários e quilombolas, lutas defensivas de seus territórios. O próprio modelo de acumulação por desapropriação modifica a luta social: lutas que na década de 1980 estavam concentradas no ABC Paulista, nas grandes empresas, agora estão nos territórios”, contextualiza.
A programação completa do Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo está disponível aqui. O evento é aberto ao público. Para acompanhar as transmissões não é necessário realizar inscrição. Será fornecido certificado para aqueles que fizerem inscrição e, no dia do evento, assinarem a presença por meio do formulário (forms) disponibilizado no chat durante o evento.