16 Dezembro 2024
“Que vala comum está procurando? Temos muitas por aqui”. No deserto rochoso que liga o norte de Damasco a Homs, al-Qutaifa desponta um “pedaço” após o outro. Primeiro, os condomínios em construção como parte de um programa habitacional do antigo regime. Depois, no sopé da colina, a praça com um pedestal vazio no meio e, ao redor, os pedaços da estátua de Bashar al-Assad. Por fim, a delegacia de polícia.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 14-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma parada essencial para obter informações sobre a enorme vala comum - do tamanho de um campo de futebol - encontrada nas proximidades pelos repórteres da al-Jazeera há dois dias. Dentro da delegacia circula uma dúzia de homens vestindo jeans, tênis e camisas verde-oliva, estilo militar. “Mas não somos combatentes do Hayat Tahrir al-Sham (Hts)”, ressalta um deles. Ele não revela seu nome: diz apenas que nasceu em al-Qutaifa, tem 49 anos e passou onze meses de 2014 na Prisão 227, administrada em Damasco pela inteligência da ditadura. “Por que me soltaram? Minha família pagou, e muito. Era a única maneira de sair. Com vida. Mortos, muitos saíam. Todos os dias, levavam os corpos de onze ou doze presos, mortos por torturas ou assassinados. Alguém deve ter vindo parar aqui embaixo também”, diz ele, apontando o dedo indicador para baixo. A Síria de Assad era uma enorme vala comum. Durante treze anos, a ditadura enterrou incansavelmente a Primavera de 2011”.
A lista oficial de desaparecidos nas mãos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para em 35.000. Apenas um quarto do número estimado pelas principais organizações sírias de direitos humanos: entre 136.000 e 150.000. Menos de vinte mil foram encontrados desde domingo. O ex-prisioneiro está, portanto, feliz que aquela era cruel, que durou décadas, tenha chegado ao fim. “Mesmo que vivamos momentos difíceis. Aqui, as tropas do Hts e as forças do novo governo ainda não chegaram. No vácuo, houve saques e roubos. Então, nós nos organizamos”. Há dois dias, os pequenos empórios na entrada de al-Qutaifa foram destruídos, um após o outro. O proprietário, Mofak, 48 anos, originário de Idlib, em atividade desde 2020, decidiu continuar vendendo café, chá e biscoitos em uma banquinha improvisada colocada na beira da estrada.
Ahmad, 35 anos, que fugiu em 2019 de Deir ez-Zor no auge da batalha entre as forças curdas e pró-Ancara, aponta com ênfase para sua loja de autopeças reduzida a uma pilha de escombros. “Por favor, tire uma foto: o mundo precisa ver”. Diante da sucessão de saques, surgiu a milícia na cidade. As armas, após treze anos de guerra civil, existem dramaticamente aos montes. Os “policiais interinos” - como eles se autodenominam, pois afirmam estar prontos a sair quando a segurança for garantida – fizeram um estoque de kalashnikovs. “Mas não precisa ter medo, só queremos proteger os cidadãos”, acrescenta o mais idoso, com a cabeça envolta em um keffiyeh vermelho. Alguns saem para a rua para regular o trânsito e controlar as lojas, que ainda estão fechadas, exceto uma que vende camisas militares, o uniforme da “milícia”. Dentro do prédio, um deles está empenhado em colar na parede a bandeira de três estrelas da revolução que substituiu aquela da ditadura em todos os lugares. Enquanto decidem a quais cemitérios clandestinos vale a pena ir, distribuem sucos de fruta e sorrisos. “Bem-vindo, bem-vindo à Síria livre”, repetem.
Logo atrás da delegacia de polícia está a vala “menor”, como a chamam. Na verdade, trata-se de um pequeno cemitério em cujas sepulturas, no entanto, dezenas de pessoas desaparecidas foram enterradas anonimamente. Ald Bukia, por outro lado, é um enorme terreno baldio a cerca de dez minutos de carro. Até seis dias atrás, um posto de controle militar o tornava inacessível. Atrás de um alto muro branco, blindado por um portão de ferro, havia uma guarnição de soldados iranianos, especializados em telecomunicações, como pode ser visto pelas instalações deixadas para trás na fuga da semana passada, às vésperas da queda do regime.
Colunas de veículos blindados com tropas de Teerã e Moscou foram vistas deixando a capital às pressas no último sábado. Desde então, os russos se refugiaram na base aérea de Khmeimim e no porto de Tartus. Ontem, no entanto, até mesmo essas instalações pareciam estar prestes a ser desocupadas. Nesse meio tempo, a frota do Kremlin deixou Tartus. Um sinal de que os contatos de dois dias atrás entre Moscou e o novo governo não foram satisfatórios. “Antes da chegada dos iranianos, há cerca de três anos, Ald Bukia era uma maxi-vala comum. Eles a cavaram em 2014 para enterrar, sob quatro metros de terra, milhares de pessoas. Não posso dizer quantas, mas, entre 2021 e 2022, quando decidiram transferi-las - não se sabe se por medo de serem descobertas ou para abrir espaço para os Pasdaran -, levaram um mês, ao ritmo de quatro caminhões por dia”, enfatiza o agente encarregado. Assim, a vala foi transferida para as proximidades da Baghdad Bridge, onde os jornalistas da al-Jazeera a encontraram.
Mas a zona continua “proibida”. Menos de 24 horas após sua descoberta, outras duas apareceram, uma na Bridge 5, ao longo da estrada para o aeroporto da capital, e a outra no distrito de Tadamon. Além disso, há também as dezenas de corpos de detentos empilhados nos necrotérios de Damasco, para onde os rebeldes os levaram à medida em que as prisões eram abertas e esvaziadas. “E isso é apenas a ponta do iceberg - conclui o homem - levará anos para sabermos a verdade. E será mais dolorosa do que imaginamos”.
Agora, no entanto, é um momento de pausa para a Síria comemorar a saída do pesadelo, antes de acordar para uma realidade ainda inimaginável. Acolhendo o convite do líder do Hts, Abu Mohammed al-Jolani, o povo de Qutaifa embarca nos ônibus para Damasco para festejar o primeiro dia de oração desde o fim do regime na mesquita Umayyad, totalmente lotada. Depois, a multidão invadiu a praça de mesmo nome até tarde da noite. Música e tiros. O barulho, depois de meio século de silêncio, é uma revolução.
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O protesto foi enterrado às portas de Damasco em dezenas de valas comuns - Instituto Humanitas Unisinos - IHU