02 Dezembro 2024
Hugo Alaniz, sacerdote missionário na Síria: “Aqui é o berço da fé cristã, não sei como nos salvaremos, há muitos abutres sobre este país que já está de joelhos”.
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 01-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Dois mísseis acabaram de cair perto de nós, tenho que ir ver como estão as freiras. Você pode me ligar mais tarde? E vamos torcer pelo melhor.” O padre Hugo Alaniz, sacerdote do Instituto do Verbo Encarnado, um missionário de origem argentina na Síria, entrará em contato conosco novamente algumas horas depois. Ele é um dos religiosos que, enquanto todos estão tentando fugir, compreensivelmente, decidiu ficar em Aleppo, uma cidade agora conquistada pelos jihadistas. Com o bispo franciscano Hanna Jallouf, vigário apostólico para os católicos de rito latino, ele foi “visitar algumas de nossas comunidades e continuaremos as nossas rondas nas próximas horas”, disse à Agência Fides. E depois, ao telefone com La Stampa, em meio ao “toque de recolher”, conta sobre a confusão, o terror e a ansiedade com que se vive nestas horas dramáticas e incertas. “As enésimas”.
Padre Alaniz, como está a situação?
Grupos armados de Idlib começaram a sitiar a cidade a oeste, onde estão as universidades e o vicariato latino onde nós, sacerdotes do Verbo Encarnado, vivemos, junto com o bispo dos latinos, D. Jallouf. Essa área é habitada por poucas famílias cristãs, porque muitas fugiram já no início da guerra, em 2011. Perto do vicariato estão as Irmãs Carmelitas e as Missionárias da Caridade, que cuidam de 65 idosos. Nosso trabalho pastoral está concentrado no outro lado da cidade, em um bairro pobre, onde temos uma pequena igreja, a Igreja da Anunciação. Na sexta-feira, quando os guerrilheiros se aproximaram - um míssil caiu a 500 metros da zona universitária -, transferimos os jovens que hospedamos na residência universitária para um abrigo mais seguro, subterrâneo, no lado oposto da cidade. Fiquei aqui, junto com o bispo, também para ficar perto das Irmãs Carmelitas e de Madre Teresa.
E depois, o que aconteceu?
Sexta-feira foi um dia terrível: confrontos sangrentos, tiros por toda parte. Antes da meia-noite, ficamos sabendo que os milicianos haviam tomado a área; no início da manhã, a outra parte da cidade também havia caído. Hoje, quase toda Aleppo está nas mãos deles.
Você e o bispo atravessaram Aleppo: o que viram?
O medo é grande e também aumenta por causa do que não se vê, mas se imagina. D. Jallouf e eu visitamos algumas comunidades e as freiras que trabalham conosco na Igreja da Anunciação. Nas ruas, vimos fotos rasgadas do presidente Assad e bandeiras sírias no chão. E, acima de tudo, corpos de soldados mortos, deixados à vista de todos como aviso. Nós nos aproximamos e rezamos perto desses cadáveres. É uma situação angustiante.
Quais membros da Igreja permaneceram? E por que vocês ficaram?
Praticamente todos os membros das Igrejas ainda estão aqui. Somos religiosos, ficamos perto de nosso povo, e isso é o correto. Também nos propuseram que nos mudássemos para Damasco para ficarmos mais seguros, mas não é hora de ir embora. Somos pastores, deixar nossas 'ovelhas' seria uma traição à nossa missão.
O que a população mais precisa no momento?
De tudo. Mesmo antes desse ataque, as pessoas estavam vivendo na miséria, com salários de 20 a 25 euros por mês, insuficientes até mesmo para sobreviver. Com o terremoto de 2023, houve uma pequena abertura para a entrada de ajudas, mas foram apenas algumas gotas em um mar de necessidades. Hoje, com a economia paralisada, não sei como faremos. As pessoas precisam de alimentos, remédios, trabalho. E dignidade.
[Uma forte explosão é ouvida no receptor. O padre Hugo se interrompe: “Você ouviu? É um míssil. Deve ter caído a poucas centenas de metros daqui].
Como se poderá sair desse pesadelo?
Eu não sei. Existem interesses políticos e econômicos demais por trás dessa guerra. É como quando um animal está prestes a morrer: os abutres começam a circular sobre ele, esperando o fim. Rezamos pela paz, mas uma paz sem justiça não é possível. O mundo precisa trabalhar pela justiça, caso contrário, tudo isso continuará.
Que tipo de apoio vocês esperam da comunidade internacional?
Não servem soluções vindas de cima, ditadas pelos interesses dos países ricos. Estamos pedindo desesperadamente, além de iniciativas para nos salvar das bombas e da ocupação, o fim do bloqueio econômico para permitir que nosso povo trabalhe e viva com dignidade. Não queremos esmolas, mas a possibilidade de ganhar o pão de cada dia.
Qual é o seu maior medo?
Além da apreensão pela vida das pessoas, tememos o desaparecimento da Igreja local. Esta terra é o berço da fé cristã, rica em história e significado. Os primeiros cristãos vieram daqui, assim como alguns dos primeiros papas. Se somos cristãos hoje, é também graças a eles. Nosso maior medo é que esta Igreja, mãe da fé, possa desaparecer.
O ataque pegou vocês de surpresa?
Sim e não. A situação estava relativamente calma, mas já cheia de sofrimento e ameaças. Mas ninguém poderia ter imaginado algo assim.
Os jihadistas entraram com muita facilidade? Alguém tem responsabilidade por omissão ou negligência?
Não estou em posição de responder, não é meu trabalho julgar, apenas testemunhar as tragédias que vemos e enfrentamos.
Você tem esperança?
Sim. Eu a encontro na oração, no Advento que começa hoje e leva ao Natal.
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Síria. “Nós, religiosos, sozinhos sob as bombas, entre cadáveres e terror”. Entrevista com Hugo Alaniz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU