09 Fevereiro 2023
A destruição da cidade síria de Aleppo não é apenas a consequência um terremoto monstruoso (etimologicamente, de monstrum, acontecimento portentoso e excepcional), mas acaba por ser a metáfora de um mal que assola toda a humanidade que, não se deve esquecer, enquanto a terra treme está em uma nova guerra mundial em pedaços.
A reportagem é de Maria Antonieta Calabrò, publicada em HuffingtonPost, 08-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Aleppo, umbigo de uma guerra que dura mais de dez anos e epicentro oriental do terremoto. Também bombardeado ontem, poucas horas depois do terremoto.
Aleppo reivindica (com razão, segundo os estudiosos) a primazia de ser a cidade mais antiga entre todos os assentamentos humanos: ininterruptamente habitada desde o terceiro milênio a.C. Aleppo "é" a cidade humana por excelência.
Cerca de oitenta quilômetros em linha reta e na mesma linha de falha, está Antioquia, também devastada por um terremoto catastrófico, seiscentos anos depois de Cristo, em uma área há séculos não só muçulmana, mas que foi o local da primeira comunidade judaica da Anatólia, onde nasceu e viveu São Paulo, o apóstolo dos gentios. Perto está a Gruta de São Pedro (chamado por Jesus de Cefa, Rocha). Aqui, de acordo com os Atos dos Apóstolos, foi usado pela primeira vez o termo cristãos: "E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos (Atos, 11, 26)”.
Antes do conflito, havia 150.000 cristãos de várias denominações em Aleppo. Agora são apenas 30 mil. Com uma manobra surpreendente, o Papa Francisco em 2016 nomeou cardeal o Núncio Apostólico (ou seja, o embaixador pontifício) na Síria desde 2008, Mario Zenari. E Zenari, como cardeal, permaneceu núncio. Isso nunca havia acontecido. Como se a Síria seja necessariamente e deva ser uma arquitrave, uma pedra angular, para a Igreja Católica.
Hoje Zenari em visita a Aleppo declarou: “Aleppo é uma cidade mártir. Lembro-me do que esta cidade passou em 2016, nos últimos dias de uma terrível batalha nevava e chovia enquanto centenas de milhares de deslocados fugiram da cidade. São pessoas que sofreram o martírio, todo tipo de arma foi lançado sobre essa população, depois foi aquela que eu chamo de 'bomba da pobreza', com mais de 90% dos habitantes abaixo da linha de subsistência e agora essa horrível catástrofe natural. Agora as pessoas, mesmo as religiosas, perguntam: por que também essa tragédia? Difícil responder, aqui só existe a resposta da solidariedade”.
Como, nos tempos da Grécia clássica, a impiedade e a injustiça atingiram Ulisses (o herói de Homero obrigado a não regressar à sua pátria antes de descobrir uma terra cujos habitantes não conhecessem o sal e, portanto, a possibilidade de conservar e dar sabor aos alimentos), nós, metaforicamente, seremos obrigados a não ter mais um unguento como aquele sabão que limpa, purifica e cura. E corremos o risco de perder “nossa primeira cidade” para sempre.
Mas a natureza, que sabe ser muito mais catastrófica do que a guerra, dá-nos uma indicação preciosa: nos reúne no destino comum como "Fratelli tutti" (todos irmãos).
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Pertence a todos nós a tragédia de Aleppo, a mais antiga cidade humana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU