10 Agosto 2023
Em conversa com o arcebispo sírio-católico de Homs, na Síria, sequestrado em 2015 por jihadistas e fugido após cinco meses de cativeiro, ele recorda o testemunho oferecido pelos dois religiosos: "O primeiro, para todos os sírios, é um exemplo de fidelidade à Jesus Cristo; o segundo é um mártir vivo, porque vive sempre na memória da Igreja”.
A reportagem é de Jean Charles Putzolu, publicada por Vatican News, 10-08-2023.
Sequestrado em 2015 na Síria e detido durante cinco meses pelos jihadistas do autodenominado Estado Islâmico antes de conseguir escapar, o padre Jacques Mourad, arcebispo sírio-católico de Homs, esteve perto do martírio. "Converta-se ou cortaremos sua cabeça", disseram seus captores. Esta sentença, proferida como ultimato, confrontou o então simples monge do mosteiro de Mar Elian com seus votos. "Estava precisamente nesta encruzilhada", diz, "continuar a carregar a Cruz até à morte com Cristo, por amor da Igreja e pela salvação do mundo, ou renunciar e por isso deixar de lado também a minha vocação" com a certeza de continuar carregando a Cruz, e mais. "Também pensando em meus carcereiros", diz o arcebispo de Homs. "O dom que recebi durante esta experiência é olhar para essas pessoas, esses jihadistas, com espírito de oração para pedir a Deus que ilumine seus corações, que os converta. Não por mim, mas por sua salvação e pela paz no mundo". Esta renovada confiança total em Deus "libertou-me de todo medo", continua o prelado: "enfrentamos a morte, há um certo sentimento de medo que penetra na nossa alma. Todas as vezes que tive esse medo rezei o Terço, o medo desapareceu e transformou-se em coragem".
"Hoje considero essa experiência uma graça", diz Dom Jacques Mourad. "Uma graça que começou no oitavo dia, pouco antes do pôr do sol". O arcebispo sírio-católico de Homs recorda que, ao fim de sua primeira semana como refém, recebeu a visita do governador de Raqqa, sem saber que o homem à sua frente era o chefe do autodenominado Estado Islâmico na Síria. “Quando perguntei a ele: por que somos prisioneiros, o que fizemos de errado para sermos prisioneiros?”, o líder islâmico respondeu: “Considere este momento como um retiro”. “A sua resposta chocou o resto da minha vida”, sublinha o arcebispo, admitindo que nunca esperaria tal resposta de um líder extremista à frente de um dos grupos mais sangrentos, um inimigo. "Mesmo que para um discípulo de Cristo não haja inimigo. E, se houvesse, somos convidados a amá-lo", exorta o arcebispo de Homs. "Como podemos amar um inimigo que quer te matar e você quer matar? Aí reside o mistério do amor de Cristo, que se revelou claramente quando na cruz disse: 'Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem'".
Jacques Mourad escapou em seu quinto mês de detenção, ajudado por um jovem muçulmano que, juntamente com outras quinze pessoas, também organizou a fuga de dezenas de reféns. "Deus queria me salvar neste mundo para que eu pudesse continuar servindo e testificando de um importante princípio do evangelho: se você quer paz, comece abrindo seu coração".
Um ano antes do sequestro de Jacques Mourad, também em Homs, o jesuíta holandês Frans Van der Lugt foi assassinado no jardim de seu convento. Em 2015, o atual arcebispo de Homs sabia exatamente no que estava se metendo com seus captores jihadistas. “O padre Frans foi para mim e para todos os sírios, o exemplo de fidelidade ao seu mestre, Jesus Cristo. Ele dedicou sua vida ao amor pela Síria e pelo povo sírio”. O seu exemplo, continua D. Jacques Mourad, é o de Cristo encarnado que leva a todos a mensagem do amor do Pai, “e a verdadeira salvação só pode vir do amor e da abnegação”.
A sepultura do padre Frans Van der Lugt. (Foto: Reprodução | Vatican News)
O arcebispo de Homs recorda então outro jesuíta, Paolo Dall'Oglio, de quem não se tem notícia desde 2013. Uma missa foi celebrada em Roma, na igreja de Sant'Ignazio di Loyola, por ocasião do décimo aniversário de sua morte em 29 de julho. Dom Jacques Mourad também participou da celebração. Ele e o padre Dall'Oglio conviveram quase 30 anos juntos. E juntos restauraram o mosteiro de Mar Moussa. Eles se conhecem desde 1986. “Conheci o padre Paolo como me conheço e o amei como me amo. Para mim, ele é um mártir vivo. É um verdadeiro mártir vivo, morto ou vivo". "Mártir é aquele que vive sempre na memória da Igreja", especifica o arcebispo de Homs, "no coração da Igreja e do povo de Deus". Padre Paolo mantinha muita gente, vinha gente de todas as partes para conhecê-lo. Ele falava a todos, para o menor e para o maior; para o ignorante e para o instruído; para o crente e para qualquer outra pessoa”.
Padre Paolo Dall'Oglio, ao centro, e a comunidade de Mar Moussa; à esquerda, o Padre Jacques Mourad. (Foto: Reprodução | Vatican News)
Sobre sua prisão, Dom Jacques Mourad considera que ser prisioneiro é a pior coisa que pode ser infligida a um ser humano criado à imagem de Deus, “criado livre, livre para pensar, livre para falar, livre para se mover”. "Deus nos deu esta graça", esclarece, e fazer um homem prisioneiro é "um ato contra a vontade de Deus em sua criação". Neste contexto, "a única prática que ajuda a viver esta liberdade essencial é a oração, porque é a oração que nos permite sair de nós mesmos para estar com Deus e viver com aqueles que amamos". “Posso testemunhar que foi a única coisa que deu sentido à minha detenção, ao meu quotidiano”. Paradoxalmente, conclui o prelado, o período do meu encarceramento foi “o tempo mais generoso da minha vida espiritual, da minha relação com Deus e com a Virgem Maria”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Jacques Mourad, monge raptado pelo Isis, arcebispo de Homs: os jesuítas Van der Lugt e Dall'Oglio novos mártires da Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU