Por: André | 10 Outubro 2014
Em Knayeh ainda não sabem dizer com precisão qual brigada armada, mais ou menos jihadista, sequestrou, entre o domingo e a segunda-feira, o padre Hanna Jallouf (foto), além de cerca de 20 jovens da paróquia. Os amigos do franciscano revelaram um particular importante: o padre Hanna, há alguns dias, havia se dirigido pessoalmente ao Tribunal islâmico da zona. Queria denunciar o aumento dos abusos contra o convento por parte das brigadas islâmicas que tem o controle daquela região do país arrancada ao governo de Damasco. Revelaram-no fontes da comunidade cristã local consultadas pela Agência Fides. As circunstâncias e outros detalhes da história delineiam melhor que qualquer discurso a condição experimentada pelas comunidades cristãs no caos da Síria, e sua inerme vontade de continuar vivendo em sua própria terra procurando adaptar-se às situações adversas.
Fonte: http://bit.ly/1uBQgMa |
A reportagem é de Gianni Valente e publicada no sítio Vatican Insider, 08-10-2014. A tradução é de André Langer.
Os amigos do padre Hanna indicam que o religioso conseguiu cuidar e defender a comunidade católica local, que se encontrava (toda ela) dentro da Paróquia São José, inclusive quando (há três anos) essa zona do país caiu nas mãos dos rebeldes anti-Assad. Nessa época, as chancelarias ocidentais exaltavam a revolta contra Damasco, e no Ocidente os cristãos sírios eram acusados de apoiarem o regime sírio. Uma campanha que colocava em perigo pessoas como o padre Hanna. Quando chegaram os rebeldes, os sacerdotes de outras comunidades cristãs fugiram. Ele permaneceu em sua paróquia, assim como seus paroquianos permaneceram em suas casas. Não para manifestar a decisão de apoiar os recém chegados, mas simplesmente porque esse era o seu lugar. O lugar do seu apostolado.
Com o passar do tempo, os jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante e depois os qaedistas do Jabhat al-Nusra foram assumindo posições de poder nessa zona do norte da Síria. Por trás dos grupos anti-Assad – muitas vezes confrontados em lutas sangrentas – começaram os abusos contra a população local: impostos injustos, confisco de bens e casas vazias que eram ocupadas pelos milicianos jihadistas. O padre Hanna conseguiu, com dificuldades, manter os canais de contato com os grupos das milícias para garantir a viabilidade mínima das atividades da paróquia. Não o expulsaram. E ele ficou pacientemente. Impuseram-lhe que não tocasse os sinos e cobrisse as estátuas e as imagens sagradas expostas ao ar livre, da Virgem e dos santos. E ele, sofrendo, obedeceu. Fez os sinos emudecerem, porque na vida se pode confessar o nome de Cristo também sem sinos. E se pode rezar a Maria, e encomendar a ela as próprias lágrimas, mesmo que te obriguem a cobrir as imagens. Proibiram, além disso, de ensinar a doutrina católica na escola. E eles, com pesar, também obedeceram. Procuravam continuar vivendo como cristãos sob o domínio dos que comandam “pro tempore”, seja quem for. Inclusive se pertencem ao Estado Islâmico. De acordo com a própria intuição de suas experiências de vida, iluminados pela fé, que os guiava quando o poder estava nas mãos do regime autoritário dos Assad.
Assim, a paróquia e o convento permaneceram abertos. A cada cinco ou seis meses, o padre Hanna saía para breves incursões na zona controlada pelos rebeldes; na última vez, há menos de dois meses, para se submeter a uma cirurgia no Líbano. Mas mesmo nessas ocasiões não aproveitou a oportunidade para viajar ao Ocidente, para, talvez, participar de um programa de televisão fazendo-se passar por vítima ou herói em relação à perseguição contra os cristãos. Depois de cada viagem rápida, sempre voltou para estar no meio dos seus. Ali, naquela porção de mundo na qual o Senhor o colocou. Porque ali estavam as irmãs, as crianças, aquelas que necessitavam de ajuda e consolo. Tinham que prosseguir com a catequese, tinham que organizar cursos de verão, apesar da guerra e da Al Qaeda.
Nos últimos tempos, a situação se complicou. As expropriações e saques por parte das milícias se intensificaram e colocaram na mira diretamente o convento. Os grupos armados tomaram as terras, apoderaram-se da colheita de azeitonas e começaram a acampar no convento das irmãs. Assim, também esta história converteu-se em uma cifra do que está acontecendo no Oriente Médio. Cifra normalmente ocultada pelos jogos de guerra que saem nas televisões globais e nos forcejos de quem defende um “enfrentamento entre civilizações”. Em Knayeh, os sicários do furor islâmico querem dinheiro, roubam as casas. Querem “as coisas”. Ali, como em muitos outros lugares, sua pseudo-ideologia religiosa move-se ao ritmo do dinheiro. O dinheiro que chega dos países do Golfo. O dinheiro dos depósitos estrangeiros que acabam nas contas dos mercenários europeus. O dinheiro das somas que move o mercado das armas e a gestão jihadista do petróleo.
Nesse momento, o sacerdote da paróquia franciscana foi à corte islâmica – o organismo criado na zona sob o controle dos islamistas para administrar justiça segundo a lei islâmica – com o objetivo de denunciar o assédio sofrido. Com seu gesto, o padre Hanna tratou de verificar humildemente de que maneira essa anunciada justiça com fundamento religioso podia garantir, como prescreve a Sharia, os direitos limitados de um súdito cristão.
Alguns dias depois, realizou-se a expedição da brigada que sequestrou a ele e a alguns de seus jovens paroquianos. Assim, sem batalhas e quase sem querê-lo, o padre Hanna desmascarou a mentira ideológica dos degoladores. E, sobretudo, demonstrou a todos como vivem os que reconhecem sobre si o amor de Cristo. Inclusive nas circunstâncias mais difíceis.
“Agora”, confessa à Agência Fides um frei da comunidade do padre Hanna, “não sabemos o que fazer. Há muitos grupos e quadrilhas armadas que agem de forma independente, sem supervisão. Não existe um único interlocutor. Isto aumenta a confusão. Estamos esperando para que alguém apareça e nos dê alguma informação. E rezamos para que os nossos amigos retornem logo em liberdade”.
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Síria. Elogio do padre Hanna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU