02 Dezembro 2024
O governo sírio perdeu o controle da cidade de Alepo, a segunda maior do país, em uma ofensiva inesperada dos rebeldes. Os grupos opositores a Bashar al-Assad, que contam com o apoio da Turquia, aproveitaram a guerra entre Israel e o Hezbollah, aliado de Assad, para contra-atacar. A Rússia bombardeou as forças rebeldes, mas Moscou já está com um frente aberta na Ucrânia e exigiu do presidente sírio que "coloque as coisas em ordem".
O artigo é de Jean-Pierre Perrin, jornalista e escritor, publicado por Nueva Sociedad, dezembro de 2024.
Em uma praça de Alepo que leva seu nome, Bassel al-Assad, o irmão mais velho do atual ditador sírio, que deveria ter governado em seu lugar caso não tivesse morrido em um acidente de trânsito em janeiro de 1994, estava representado por uma enorme estátua. Nela, ele se exibia orgulhosamente sobre seu cavalo. Hoje, o cavaleiro está no chão. Uma corda puxada pelos rebeldes o arrancou no sábado, 30 de novembro, de sua montaria, que permanece em seu pedestal.
Por outro lado, a bandeira verde, branca e preta da "revolução síria", com suas três estrelas, tremula sobre a cidade. Outro sinal de que a segunda maior cidade da Síria, com uma população de cerca de dois milhões de habitantes, no norte do país, está agora sob controle, aparentemente total, de insurgentes da vizinha província de Idlib.
A cidade caiu como um castelo de cartas, incluindo a antiga cidadela mameluca que a domina - havia sido palco de combates ferozes há uma década entre o regime e a resistência síria. A tomada da cidade foi tão rápida e inesperada que, no sábado, pôde-se ver na plataforma X um soldado atordoado sendo detido na rua quando saía de sua casa para comprar cigarros. Era evidente que ele não sabia que a cidade velha havia sido conquistada durante a noite. No dia anterior, os rebeldes controlavam apenas um terço da cidade.
Os insurgentes impuseram o toque de recolher. Segundo vários testemunhos, a polícia chegou do reduto rebelde de Idlib, no noroeste do país, e se espalhou por toda Alepo para tranquilizar os residentes, garantindo que suas vidas e propriedades estariam protegidas. Na quarta-feira, após uma ofensiva relâmpago, os rebeldes derrotaram o exército sírio. Os combates foram poucos, mas a explosão de dois carros-bombas permitiu que rompesse as defesas das forças governamentais. Elas ofereceram pouca resistência antes de negociar sua rendição.
Até mesmo a importante base aérea de Abu al-Duhur, localizada entre Alepo e Idlib, foi rapidamente tomada pelos insurgentes, o que lhes havia custado quase três anos de cerco quando tentaram em 2012 – ela foi retomada pelo regime em janeiro de 2018. A partir deste aeródromo militar, muitos dos drones que bombardeavam quase diariamente o enclave de Idlib eram lançados. Ao que parece, um operador russo foi feito prisioneiro.
A ofensiva foi lançada para pôr fim a esses ataques contra Idlib – que haviam se intensificado recentemente – tomando as bases aéreas do regime, daí o nome: "Pôr fim à opressão". É possível que os insurgentes não tivessem como objetivo inicial tomar Alepo e que tenham aproveitado a falta de espírito de combate das forças governamentais para avançar.
"A ofensiva foi apresentada como uma campanha defensiva contra uma escalada do regime", confirma Dareen Khalifa, pesquisadora do think tank International Crisis Group, citada pelo site libanês Ici Beyrouth. Mas, prossegue, os rebeldes também estão "observando a mudança regional e estratégica". A ofensiva coincidiu com a entrada em vigor da trégua entre o Hezbollah e o exército israelense.
Agora, os insurgentes lançaram uma nova ofensiva na província de Hama, onde seis cidades parecem já estar sob seu controle. Eles já estavam a cerca de 25 quilômetros dessa grande cidade, que frequentemente se levantou contra a família Assad – em 1982, a repressão deixou cerca de 20.000 mortos. Para tentar frear o avanço dos rebeldes, a aviação russa começou a bombardear Alepo. Os primeiros ataques começaram ao amanhecer do sábado passado. À tarde, uma bomba matou 16 civis, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH). É a primeira vez desde 2016, quando o regime sírio recuperou o controle da cidade das mãos da oposição, que os aviões russos retomam os ataques à cidade.
"Tudo está acontecendo a uma velocidade vertiginosa, as linhas de defesa do regime caem uma após a outra", afirma o cientista político e advogado Firas Kontar, autor de Syrie, la Révolution impossible (Éditions Aldéia, 2023). Estamos assistindo ao colapso do exército sírio, que abandonou centenas de veículos blindados. Os soldados não querem morrer por um regime que lhes paga 20 dólares por mês. Quanto aos combatentes do Hezbollah, aliados do regime sírio, muitos foram retirados da Síria para reforçar as unidades que lutam no Líbano, onde muitos dos mais experientes morreram, e os que ficaram já não querem lutar para defender um regime que consideram que os traiu durante a guerra contra Israel.
A isso se soma o fato de que Israel contribuiu para o enfraquecimento do Hezbollah na Síria com ataques às suas entregas de material militar proveniente do Irã através do Iraque. Nessas ocasiões, Damasco não reagiu. "Bashar al-Assad – acrescenta Firas Kontar – tinha tanta confiança em seus aliados que nem sequer tentou reorganizar ou reformar seu próprio exército. Ele se contentou em cantar vitória e se exibir nas cúpulas da Liga Árabe, enquanto deixava milhares de feridos e deficientes mergulhados na mais abjeta pobreza. Agora ele está pagando o preço por todos os seus erros."
Até mesmo a Rússia, que no outono de 2015 desempenhou um papel decisivo – junto com o Irã – na salvação do regime de Bashar al-Assad, agora parece ter dificuldades para ajudar, já que a maioria dos pilotos que operaram na Síria retornaram à Rússia para lutar na Ucrânia.
No lado rebelde, uma coalizão muito ampla luta agora contra o regime sírio. O nome de seu líder permanece em segredo. Esta coalizão é dominada pelo grupo jihadista salafista Hayat Tahrir al-Sham (HTS) [Organização para a Libertação do Levante], anteriormente conhecido como Jabhat al-Nosra, afiliado por muito tempo à Al Qaeda. Mas o grupo afirma ter rompido seus laços com essa organização e eliminado seus dirigentes na região. Junto ao HTS, há uma série de organizações próximas ou controladas pela Turquia. "De fato, todos os combatentes anti-regime estão lá", insiste Firas Kontar. "Todos os que foram expulsos das zonas leais e encontraram refúgio no enclave de Idlib. Mas também há jovens que tinham apenas 15 ou 16 anos quando tiveram que se refugiar lá, e que agora têm 25."
Dada sua magnitude, não há dúvida de que a ofensiva rebelde estava sendo preparada há pelo menos vários meses. O surpreendente é que nem os onipresentes serviços secretos sírios, nem Moscou ou Teerã, estavam cientes. Na sexta-feira, Moscou repreendeu o regime sírio pedindo que "colocasse as coisas em ordem o mais rápido possível", e Teerã denunciou uma conspiração urdida por Washington. Quanto a Ancara, que controla indiretamente o enclave de Idlib graças às formações proturcas, sem dúvida deu seu aval à ofensiva que está em curso, em um momento em que acabou de fracassar uma tentativa de aproximação entre a Turquia e a Síria – Damasco exige há meses a retirada das tropas turcas posicionadas ao longo da fronteira, no norte da Síria.
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A oposição síria volta a desafiar Bashar al-Assad. Artigo de Jean-Pierre Perrin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU