16 Dezembro 2024
"A igreja “em saída” precisa urgentemente de uma visão como a da encarnação profunda, porque ela se demonstra capaz de ler e narrar o cristianismo de maneira inovadora", escreve Paolo Trianni, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, em artigo publicado por Settimana News, 12-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma investigação sobre o verdadeiro significado que deve ser atribuído à palavra encarnação é o tema do último livro de Stefano Fenaroli, La teologia della deep incarnation [A teologia da encarnação profunda]. Ele investiga, em particular, o vínculo entre criação e cristologia à luz de uma recente ramificação teológica: a da encarnação profunda (deep incarnation).
Como já é enfatizado no prefácio, essa linha do pensamento cristão mais recente não deve ser considerada um dos muitos apêndices da ciência bíblica, mas um caminho genuinamente novo para a teologia. Em outras palavras, longe de ser uma nova flexão da sistemática que se soma a inúmeras outras, trata-se de uma nova maneira de ver e abordar os principais mistérios cristãos, como a ontologia de Cristo, a natureza da criação, a causa da encarnação e a realidade do mal.
O ensaio, resultado de um trabalho de doutorado realizado na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, inaugura uma nova série da Editora Queriniana intitulada “Biblioteca Accademica”, expressamente dedicada às teses de doutorado.
Livro "La teologia della deep incarnation" de Stefano Fenaroli
A pesquisa realizada é certamente digna de apreço, também porque compensa um culpável atraso e preenche uma lacuna no panorama teológico italiano, no qual a encarnação profunda ainda é pouco conhecida, embora justamente a Queriniana tenha traduzido e publicado vários livros sobre o assunto. O principal mérito da presente obra, portanto, é oferecer ao público de língua italiana, pela primeira vez, uma apresentação orgânica, completa e sistemática da teologia da encarnação profunda e de seus principais intérpretes.
Um outro mérito da publicação, embora inevitavelmente traga consigo a laboriosidade e a forja de pensamento que sempre acompanham as pesquisas de doutorado, é de não ser pesada, sendo escrita de maneira fluente e com a intenção de ser compreensível. Suas não poucas páginas, portanto, em vez de cansar a leitura, propiciam a oportunidade de penetrar totalmente nas questões analisadas.
Além disso, o livro, ao aprofundar a encarnação profunda, confronta e critica o tradicionalismo cristológico que, em nome da conservação do valor Tradição, permanece ancorado apenas no esquema calcedoniano. Em virtude de sua compreensão “profunda” da encarnação, no entanto, o ensaio não apenas se confronta com a figura de Cristo, mas também com várias questões que giram em torno da cosmologia, especialmente a natureza do mundo e a física e a biologia contemporâneas, em uma perspectiva básica que o Papa Francisco chamaria de “desenvolvimento da doutrina”.
A estrutura do livro é dividida em duas partes: uma primeira em que a Encarnação Profunda e seus temas básicos são apresentados, e uma segunda em diálogo com a teologia de Paolo Gamberini. No entanto, embora dividido em duas seções, o ensaio aborda, na verdade, três áreas temáticas diferentes: uma apresentação sistemática dos principais autores da teologia da encarnação profunda; um diálogo crítico com o monismo relacional de Gamberini; e uma nova versão da encarnação profunda proposta pelo próprio Fenaroli, que se alinha àquela dos outros autores da “escola”.
Em nível metodológico, a pesquisa se mostra séria e rigorosa, com uma atenção evidente ao método genético, como sugere o aprofundamento bíblico e o patrístico. Nos capítulos seguintes, entretanto, o autor também demonstra uma capacidade de síntese e de releitura sistemática.
Finalmente, o ensaio termina com uma bibliografia analisada que é uma ferramenta indispensável para todos aqueles que desejam desenvolver essa ramificação teológica inovadora no futuro. Espera-se, de fato, que a teologia da encarnação profunda penetre ainda mais profundamente no debate contemporâneo e que se abra uma discussão sobre ela que só poderá trazer impulsos profícuos de renovação teológica.
A expressão deep incarnation foi cunhada em 2001 pelo teólogo dinamarquês Niels Henrik Gregersen, em consonância com a ecologia profunda do filósofo norueguês Arne Naess. Essa ramificação teológica também possui, portanto, um fundo ecológico que a torna altamente atual.
Essencialmente, retoma a questão do Cur Deus homo, embora de um ponto de vista diferente daquele da soteriologia tradicional. Orientada dessa maneira, a teologia resulta de absoluta centralidade no panorama contemporâneo, porque não expressa um genitivo teológico entre outros, mas uma maneira de ler Deus, o cosmos e o ser humano de um ponto de vista inusual: o da encarnação. Isso é demonstrado pelo fato de que ela cruza com disciplinas tão diversas quanto a cosmologia, a cristologia, a trinitária, a fundamental, a soteriologia e, por último, mas não menos importante, a ecologia.
Em sua base, no entanto, a encarnação profunda exige que sejam repensadas duas categorias básicas: a de logos e a de sarx, e é isso que Fenaroli faz com uma escavação bíblica minuciosa. O autor, no entanto, também analisa com igual cuidado os escritores patrísticos que resultam funcionais a esse repensamento cristológico e cosmológico geral, começando por Irineu de Lyon, defensor da realidade da carne assumida pelo Verbo, mas também Atanásio de Alexandria, Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa.
Com base nessa ampla revisão dos autores patrísticos, o livro articula várias considerações sobre a linguagem de Calcedônia e sobre a tendência de utilizar, na cristologia, a única lente calcedoniana, que, segundo o autor, teria esclerosado o trabalho teológico (cf. 109). Em particular, o risco implícito em uma cristologia demasiadamente “fossilizada” no pensamento calcedoniano é identificado no perigo de cair em uma perspectiva metafísica excessivamente unívoca.
Sem ser uma crítica ao difisismo, portanto, a encarnação profunda é apresentada como uma maneira para repensá-lo e para libertar a Cristologia do peso de uma estrutura excessivamente abstrata, formalista e ontologizante (cf. 499).
A investigação teológica dentro da encarnação profunda segue duas trilhas: a da “disputa sobre a cristologia kenótica” e a da atual atenção à visão “panenteísta”.
Com relação à primeira, enfatiza-se que a kenosis obriga a repensar a Trindade. Como aponta Fenaroli, “são numerosas as críticas a uma cristologia kenótica entendida como autolimitação ou autoesvaziamento por parte do Verbo, na medida em que tal perspectiva seria contrária aos ditames de Calcedônia, ou colocaria demasiada ênfase na preexistência de Cristo como pessoa da Trindade, que renuncia às suas próprias prerrogativas divinas para se encarnar, deixando assim em segundo plano a sua verdadeira humanidade” (209).
Com relação à segunda trilha, a questão básica parece ser “a alternativa entre um compatibilismo panenteísta, segundo o qual a presença e a ação de Deus são compatíveis com a autonomia e a liberdade da criatura, na medida em que o próprio mundo criado está presente, conservado em Deus, em uma relação mutuamente constitutiva de Deus e do mundo, e um incompatibilismo kenótico, segundo o qual a copresença de Deus e da criatura implica necessariamente o livre retirar-se, o esvaziamento de um (Deus) para dar lugar ao outro (criatura)” (30).
Na esteira de Gregersen, Fenaroli analisa o conceito de panenteísmo, um termo cunhado em 1829 pelo filósofo idealista alemão Karl Christian Friedrich Krause. Com certa margem de generalidade, essa categoria é geralmente considerada transversalmente presente entre as religiões mundiais. Ela também está de acordo com outras teologias bastante discutidas, como a do processo de Alfred North Whitehead ou a visão de Charles Hartshorne, segundo as quais não é mais possível pensar em Deus como totalmente outro e com base em “uma interação biunívoca entre Deus e o mundo”.
Os autores da teologia da encarnação profunda especificam, entretanto, que é necessário manter uma distinção clara entre o panteísmo, segundo o qual Deus e o mundo se identificam, e o panenteísmo, que, em vez disso, limita-se simplesmente a reconhecer que tudo está em Deus. Em outras palavras, o panenteísmo equilibra transcendência e imanência de forma mais equilibrada.
Fenaroli enfatiza isso, apontando que não está implícito nenhum monismo simplista na encarnação profunda, precisamente porque ela visa a distinguir e especificar a diferença que existe entre a presença de Deus na história encarnada de Jesus e aquela mais genérica na criação. A esse respeito, o autor especifica que “a diferença da presença de Deus em Jesus não é simplesmente uma diferença de ‘grau’ com relação a outras formas, mas uma diferença ontológica” (192).
Um outro elemento de novidade contido nessa teologia é, como Fenaroli novamente aponta, o “repensar a temática panenteísta em diálogo com as ciências da natureza, reconhecendo na categoria do Logos um inesperado ponto de contato com as mais recentes descobertas no campo físico-quântico. O paralelismo criado entre as pessoas da Trindade e a tríade científica de informação (o Logos), massa (o Pai) e energia (o Espírito)” (502).
São esses vários componentes, em essência, que tornam a encarnação profunda não apenas atual, mas também um terreno inexplorado e um desafio teológico que não pode ser desconsiderado.
O livro de Fenaroli concentra grande atenção no teólogo Niels Henrik Gregersen, professor de teologia sistemática na Universidade de Copenhague, ministro evangélico-luterano na igreja dinamarquesa e autor de vários ensaios que giram em torno do que ele mesmo denominou de encarnação profunda.
A pesquisa na qual o pastor dinamarquês se empenhou é direcionada para o que ele definiu de “possível expansão do significado da doutrina da encarnação”. O estudioso, de fato, faz uma distinção entre o significado “basilar” de encarnação e seu significado “total”, destacando as diferenças que permanecem entre uma compreensão superficial da encarnação (skin-deep incarnation) e uma concepção mais estendida que retoma a questão soteriológica em seu escopo total (full-scope sense) (cf. 49).
O adjetivo “profundo”, em todo caso, indica em Gregersen uma concepção do Logos divino entendido como modelo ou princípio formativo que assumiu não apenas a humanidade, mas a plena matriz maleável da materialidade (cf. 49). Com isso, em outras palavras, ele quer dizer a penetração de Cristo na matéria e na realidade biológica do cosmos.
Isso conduz o teólogo luterano a rejeitar, no plano cristológico, “a abordagem metafísica de Calcedônia, a fim de recuperar o enraizamento bíblico de uma ‘cristologia da identidade’” (265).
Em Gregersen, portanto, está presente uma cristologia “alta” que inclui Jesus na única identidade divina, razão pela qual, em sua opinião, tudo o que diz respeito à humanidade de Cristo tem a ver com a identidade de Deus, “incluindo assim na única identidade divina cada dimensão da vida biológico-evolutiva do ser humano, de acordo com a perspectiva de uma encarnação realmente profunda” (265).
A encarnação profunda, em suma, indica que Deus entra no tecido biológico da própria criação, dando vida a uma realidade que não deve ser chamada de panteísmo, porque é mais uma forma, justamente, de panenteísmo. É significativo, por exemplo, que Gregersen tenha se distanciado da cosmologia da ecologia profunda precisamente porque rejeita uma compreensão panteísto-naturalista da realidade.
Outra dimensão característica da teologia do dinamarquês, além disso, é seu compartilhamento da perspectiva evolutiva, na medida em que, como Fenaroli aponta, “o ponto fundamental e principal do empenho de Gregersen é pensar a cristologia em relação à evolução, à inclusão da história de Jesus na história mais ampla da evolução do mundo humano e não humano” (264).
Em sua opinião, portanto, a criação e a evolução estão unidas e têm como objetivo fornecer uma resposta tanto para o mal moral quanto para o mal biológico-natural. Com base nessas premissas, a reflexão do teólogo de Copenhague resulta ser uma espécie de teodiceia e uma reconciliação entre imanência e transcendência.
Fenaroli, nesse sentido, consegue examinar cuidadosamente as várias raízes, ou fontes, da encarnação profunda teorizada por Gregersen. O autor, portanto, enfatiza sua conexão com a teologia da cruz de Lutero, com a ecologia profunda de Arne Naess, com os trabalhos de Daniel Lord Smail e Andrew Shyrock sobre a história profunda e, pelo menos em parte, com Jürgen Moltmann, a quem o próprio dinamarquês define como “precoce inspirador”.
A reflexão teológica de Gregersen, em todo caso, é bastante articulada e abrange uma variedade de temas que não podem ser aprofundadas, como o escândalo da matéria, a teodiceia, o sofrimento e a singularidade de Cristo na perspectiva da teologia das religiões. O que torna o texto de Fenaroli o primeiro ensaio sistemático sobre a encarnação profunda, no entanto, é que ele não se limita a analisar apenas a teologia do dinamarquês, mas também analisa os outros expoentes desse movimento.
Assim, nas páginas do livro, encontramos sintetizada a obra de Christopher Southgate e sua encarnação profunda na chave da teodiceia; a versão mais orientada para o reino animal de Denis Edwards; a comparação com a sofiologia de Bulgakov de Cecilia Deane-Drummond; e a marca feminista de Elisabeth Johnson. É graças a essa visão geral completa que o ensaio de Fenaroli, além de ser uma apresentação sistemática, também pode ser considerado uma espécie de história da encarnação profunda.
Causou discussão um recente livro do jesuíta Paolo Gamberini publicado pela Gabrielli: Deus duepuntozero. Fenaroli, sem querer entrar em debate polêmico com ele, dedicou a segunda seção de seu livro a uma comparação crítica com sua visão, chamando-a de “confrontos”.
O autor declara que se debruçou sobre as posições de Gamberini não para polemizar com ele, mas porque os temas da encarnação profunda e do monismo relacional defendidos pelo jesuíta parecem ser próximos. Fenaroli tenta demonstrar que a encarnação profunda é o argumento mais eficaz para responder - ou corrigir - o monismo relacional teorizado pelo jesuíta. Evitando preconceitos ou controvérsias apriorísticas, ele tenta demonstrar que a posição de Gamberini é por demais desequilibrada a favor do monismo, ao contrário da encarnação profunda, cujo panenteísmo demonstra grande equilíbrio e atenção doutrinária. Apropriadamente, porém, Fenaroli primeiro reconstrói as fontes da teologia de Gamberini e suas intenções, e só depois desenvolve ressalvas críticas à sua visão com base nas afirmações da encarnação profunda. Justamente destaca como a intenção do jesuíta retoma um projeto ambicioso: o de tender a um novo logos para a teologia. Ressalta-se, em suma, sua intenção de criar um novo paradigma e a vontade de armar um pensamento transgressivo, ou seja, capaz de superar estereótipos religioso-culturais e rigidezes conceituais.
Quanto às fontes em que se alicerça tal operação teológica, Fenaroli as identifica na crítica à analogia presente no pensamento de Eberhard Jüngel e na crítica ao substancialismo ontológico. Da combinação de ambas, Gamberini teria derivado a necessidade de pensar a relação entre o humano e o divino em uma chave relacional, e não substancial.
A reflexão do jesuíta, portanto, resulta partir de Jüngel. Este último, um fiel discípulo de Barth, acredita que Deus só pode ser pensado apenas a partir de sua Palavra/revelação, e não voltando a ele por via indutiva ou transcendental, como fazem as religiões.
Se a linguagem humana se torna capaz de expressar o ser de Deus, é precisamente porque, de acordo com o alemão, o próprio Deus vem à linguagem (cf. 358). Tal condição se torna a premissa para uma relação e uma experiência que são usadas por Gamberini para superar a ontologia substancial, substituindo-a por uma ontologia relacional.
Assim, a criação é descrita como uma relação entre Deus e o mundo, na qual Jesus de Nazaré encarna a relação ad extra de Deus. Com base nessa comunicabilidade, uma identidade fundamental entre o Verbo e a criação é assim prefigurada.
Em sua síntese, Fenaroli não questiona a reflexão de Jüngel sobre a analogia ou ontologia relacional, mas critica os resultados escatológicos a que Gamberini chega. Partindo da perspectiva semelhante, mas diferente, da encarnação profunda, o autor de fato desenvolve uma crítica àquela transformação pós-teísta da fé cristã defendida pelo jesuíta, que conduziria a uma nova criação na qual Deus, Espírito, será tudo em todos (cf. 419).
A esse preciso monismo relativo, Fenaroli contrapõe a visão de Gregersen, que, ao contrário, encontra um discriminador “no insuperável enraizamento histórico da encarnação”. O autor acrescenta, no entanto, que Gamberini “mostrou-se incapaz de preservar o peso da liberdade de cada um - como determinação histórica de si diante da verdade de Deus revelada em Jesus -, desequilibrado demais ao entender Deus como aquele que, em seu próprio ser ontologicamente relação com o mundo (x=x+y), acaba por aniquilá-lo em si mesmo, em uma unidade na qual se perde toda relação real (y=0)” (504).
É em virtude dessas considerações que o pensamento de Gregersen é apresentado como uma correção e uma calibração das posições de Gamberini, na esteira da convicção de que o dinamarquês “partindo precisamente da singularidade de Jesus, delineia uma nova imagem de Deus, por sua vez inclusiva e panenteísta, mas na qual a liberdade da criatura é realmente conservada em sua capacidade de dizer a verdade de Deus, e por isso pode encontrar nele seu próprio lugar, seu próprio cumprimento” (504).
A principal crítica feita à reflexão de Gamberini se concentra justamente na escatologia, por ela não ser ordenada, como na maioria dos Padres, para uma divinização personalista. No jesuíta, de fato, o cumprimento, em vez de coincidir com uma assunção do mundo criado em Deus, consistiria “em ‘perder-se’, em aniquilar-se em Deus da criatura, reconhecendo somente na divindade a possibilidade de todo existir, e em nós, na criação, simplesmente o ‘nada’” (422).
Vários e diversos, entretanto, são os temas da teologia de Gamberini abordados por Fenaroli, como o conceito de ressurreição, a diferença entre Jesus e Cristo, o apofatismo subjacente e sua leitura da encarnação entendida como contraparte de uma relação que envolve da mesma maneira a humanidade (cf. 422-424).
Embora o autor não destaque isso, a perspectiva de Gamberini resulta afim, analisando bem, aos monismos indianos, especialmente o do Advaita Vedanta. Essa perspectiva, se seguida ao pé da letra, marcaria efetivamente o fim de todo personalismo cristão. No entanto, é um caminho interessante para a reflexão, embora já tenha sido trilhado tanto por aqueles teólogos que dialogaram com as metafísicas indo-budistas quanto por aqueles familiarizados com o misticismo neoplatônico.
A questão subjacente, no entanto, continua sendo a ontologia e a liberdade do homem em relação a Deus. A demanda filosófica que emerge - o cerne de todo misticismo - é qual efetivamente seria a diferença ontológica entre Cristo e o homem, porque, à luz das considerações de Gamberini, como Fenaroli aponta, parece desaparecer a alteridade da relação entre Deus e o homem, considerada expressão finita da infinita consciência de Deus, (cf. 424).
Embora jovem, Stefano Fenaroli demonstra nesse estudo que não carece de capacidade empreendedora e inteligência teológica. Isso fica evidente pelo fato de que o ensaio não se limita a apresentar a encarnação profunda e reagir às sugestões de Gamberini, mas também propõe uma versão própria da teologia da encarnação profunda.
A visão que ele chama de teologia do mundo do Filho encarnado é exposta pelo autor no sétimo capítulo, que é aquele em que sua personalidade teológica mais emerge. Nele, nota-se a coragem e a disposição de romper com os esquemas de um específico tradicionalismo, entendidos como qualidades intelectuais que melhor podem acompanhar a igreja nos desafios que ela é chamada a enfrentar na contemporaneidade. Idealmente, o capítulo gostaria de ser uma integração e correção tanto para a visão de Gregersen e quanto à de Gamberini. Para ser mais precisos, a intenção de Fenaroli é realizar uma reformulação da encarnação profunda original. Ele faz isso, essencialmente, colocando em maior ênfase dois elementos: a categoria bíblica de mundo e o fundamento trinitário.
O ganho na passagem da “teologia da encarnação profunda do Logos” para uma “teologia do mundo do Filho encarnado” é precisamente explicado pelo proponente no enraizamento bíblico mais relevante e na maior proximidade cultural em relação às abstrações da linguagem filosófica grega.
Com relação à primeira correção, a insistência no termo mundo é justificada pelo fato de que esse termo evangélico parece incluir toda a historicidade do evento Jesus (cf. 505). A referência a ele, além disso, resulta ter a vantagem de não ser apenas universal, mas também funcional para melhor enfrentar a categoria do mal, cujo tratamento insuficiente é uma das limitações que o autor identifica no pensamento de Gregersen, no qual, como ele escreve, parece faltar “um tratamento preciso em torno do tema do mal moral presente no mundo” (436).
Com relação à segunda correção, Fenaroli argumenta que uma ênfase mais trinitária daria maior profundidade teológica à encarnação profunda, porque dessa forma “reconhece-se que foi justamente o Filho que se fez homem e, portanto, carne, em Jesus. Nesse sentido, a dupla assunção da sarx no coração da encarnação profunda pode ser lida não apenas em um sentido biológico-evolutivo, como assunção de Deus de tudo o que está ligado à mesma materialidade envolvida em seu tornar-se homem em Jesus de Nazaré, mas ao mesmo tempo no seio de uma teologia da criação que, como realidade assumida pelo Filho diante do Pai (ressurreição), reconhece no Filho o lugar trinitário do mundo criado, no abraço amoroso do Espírito Santo” (505).
A convicção básica do estudioso, cuja intenção é também combinar a cristologia da identidade divina de Richard Bauckhman com a profunda encarnação, pode ser reconduzida ao fato de que esta última, em sua opinião, deve ser inserida dentro de um horizonte trinitário e histórico, porque sem tal enraizamento a cristologia se torna abstrata.
Em relação às ideias de Gamberini, Fenaroli retorna ao evento kenótico, enfatizando que ele “leva a cumprimento a compreensão compatibilista da presença de Deus” (441). Em seu exame, isto é, ele reúne a compatibilidade-panentista com a singularidade do evento kenótico da encarnação, em virtude do qual Deus “não se identifica simplesmente com a matéria (panteísmo) ou com alguma relação inclusiva na qual, em última análise, o outro é reconduzido e ‘absorvido’ em Deus (monismo relativo)” (442). As correções/integrações de Fenaroli resultam, portanto, simples, mas decisivas, e ele, portanto, não deve ser considerado um mero expositor-sintetizador da teologia da encarnação profunda, mas sim o primeiro expoente italiano dessa escola de pensamento renovadora.
À margem do livro de Fenaroli e de sua exposição da teologia da encarnação profunda e da crítica ao monismo relacional, uma pergunta se impõe como necessária: a encarnação profunda e o monismo relacional representam de fato uma efetiva e total novidade? Ambas as perspectivas teológicas, de fato, parecem desconsiderar - até mesmo de forma clamorosa - a dívida com o evolucionismo de Pierre Teilhard de Chardin, no qual, além disso, a encarnação profunda também encontra um fundamento e uma justificativa sacramental e eucarística. É oportuno lembrar que o paleontólogo francês, oitenta anos antes de Gregersen, referia-se ao que o dinamarquês chama de encarnação “profunda” usando o termo “pancristismo”, definindo-o mais tarde como panteísmo cristão. Em sua visão evolutiva, além disso, a espiritualização da matéria coincide com uma divinização do cosmos que ele chamava, significativamente, de cristificação ou amorização. Portanto, é surpreendente que seu nome esteja ausente, assim como a ausência do conceito de pancristismo, que teria ligado a encarnação profunda a uma tradição filosófico-teológica muito mais antiga.
De fato, deve-se ressaltar, para além da presença dessa categoria nos padres gregos - mais tarde retomada por uma específica cristologia filosófica como a de Xavier Tilliette - que tal perspectiva foi retomada, no início do século XX, por M. Blondel, J. Monchanin e P. Teilhard de Chardin. Além dos autores mencionados acima, o tema também está presente em H. de Lubac, em virtude de sua amizade com esses dois últimos.
Se, além disso, a encarnação profunda nasce da ecologia profunda de Arne Ness no início dos anos 2000, não podemos deixar de assinalar o quanto essa perspectiva foi antecipada pelo trabalho realizado pelo monge camaldulense Robert Hale, que, já no início dos anos 1970, havia vinculado o pancristismo teilhardiano - entendido como encarnação biológica e, portanto, profunda de Cristo - à teologia da ecologia.
Quem escreve, baseando-se precisamente nos ensaios deste último, argumentava em maio de 2012 - bem antes da Laudato si' - que o pancristismo teilhardiano podia ser uma válida argumentação teológica para ressacralizar o cosmos. Também presente na conferência estava Moltmann, cuja intervenção foi prontamente retomada por Rosino Gibellini. Essa nova explicitação teológica que o mundo anglo-saxão chamou de encarnação profunda, portanto, não está ausente no mundo teológico latino, mesmo que apenas nas vertentes de pesquisa que se referem a Teilhard de Chardin.
Por outro lado, no que diz respeito à ontologia relacional, é necessário ressaltar que Monchanin, além de ser um teórico do pancristismo, foi também um dos fundadores do personalismo (e antes disso do idealismo personalista), defendendo, já no início da década de 1930, a superação do substancialismo ontológico. Portanto, ele também deve ser considerado um precursor daquela ontologia trinitária que é discutida e atual. O filósofo de Lyon, que vivia em um ambiente missionário indiano em confronto direto com o panteísmo, o impersonalismo e o idealismo do Vedanta, descrevia o ser como co-esse e esse ad, tentando assim “quebrar” a ontologia indiana para introduzir nela um discurso personalista e trinitário.
Suas intuições filosóficas foram então transmitidas a dois de seus amigos: Henri Le Saux, um monge que teve uma experiência iogue, e Raimon Panikkar, cujo cosmoteandrismo (de matriz teilhardiana) também pode ser definido como um panenteísmo que se confrontou, exatamente como os dois autores franceses, com o misticismo monista do não dualismo. Eles chegaram a conclusões não dissimilares: Le Saux descreveu um “advaita cristão do Espírito”, enquanto Panikkar, por outro lado, transformou o monismo em ontologia relacional falando de “a-dualismo”.
Em resumo, tanto a reflexão sobre a encarnação profunda quanto a ontologia relacional não podem ignorar o misticismo comparado e aquelas teologias contextuais nas quais a mensagem cristã foi posta em confronto com o hinduísmo e o budismo, e até mesmo com o taoismo.
Os autores mencionados, em grande parte na esteira das intuições originais de Monchanin, já haviam chegado aos cenários discutidos hoje pela encarnação profunda e pela ontologia relacional no início da década de 1950. Eles não apenas anteciparam suas conclusões, mas também chegaram a elas por meio de um percurso diferente de pensamento: a teologia da imagem de Gregório de Nissa, o hesicasmo, o palamismo, o pancristismo evolutivo de Teilhard de Chardin, o misticismo renano-flamengo e o personalismo.
Deve-se, portanto, reiterar que a teologia missionária que dialogou na Índia com o monismo vedântico - espera-se que se comece a falar de “Escola teológica de Shantivanam” em homenagem às obras de Upadhyaya, Monchanin, Le Saux, Griffiths e Panikkar - não apenas antecipou a encarnação profunda e a ontologia relacional, mas até mesmo pensou nelas comparativamente, embora com menor sistematicidade.
É possível acrescentar, por exemplo, que já Monchanin - a quem devemos, de acordo com de Lubac, uma releitura mais equilibrada e doutrinariamente correta de Teilhard de Chardin - falava de Cristo como “o todo forma” e “Um no múltiplo”. O missionário de Lyon, em outras palavras, bem antes dos autores da encarnação profunda, lia o logos como informação sobre a matéria.
Não se deve esquecer, para citar outro exemplo, que se Cecilia Deane-Drummond comparou essa perspectiva com a teologia de Bulgakov, Monchanin havia dialogado pessoalmente com ele. De fato, o pensador russo havia reconhecido no colega francês uma figura afim que o havia compreendido mais do que qualquer outro em sua vida. Sem aprofundar ainda mais o tema, deve-se, no entanto, enfatizar que a reivindicada originalidade de muitas teologias - sem excluir aquela da encarnação profunda e da ontologia relacional - muitas vezes resulta apenas relativa. Todo protagonismo teológico, ou seja, antes de olhar para cima e para frente, faria bem em olhar às suas costas para não trair a dívida com aqueles que nos precederam.
Em todo caso, é mérito de Fenaroli ter trazido esses horizontes para a reflexão teológica italiana. Seu trabalho, juntamente com o dos autores que acabamos de mencionar, ajudará a desenvolver não apenas a teologia da encarnação profunda, mas também a teologia universal considerada como um todo.
A igreja “em saída” precisa urgentemente de uma visão como a da encarnação profunda, porque ela se demonstra capaz de ler e narrar o cristianismo de maneira inovadora.
[1] Cf. R. Hale, Il cosmo e Cristo. Basi di una teologia ecologica secondo Teilhard de Chardin, Edizioni Camaldoli, Arezzo 1973.
[2] Cf. P. Trianni, “Il Cristo come cosmo. Spunti per una teologia ecologica a partire dalla cristologia”, in E. Garlaschelli, G. Salmeri, P. Trianni (ed.), Ma di’ soltano una parola Economia, ecologia, speranza per i nostri giorni, EDUcatt, Milano 2013, 37-46.
[3] Do blog teológico da Queriniana.
[4] Teologias atuais em débito com a cristologia de Teilhard de Chardin: D. Edwards, católico australiano; N. Gregersen, protestante dinamarquês; C. Southgate, anglicano inglês.
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A teologia da “encarnação profunda”. Artigo de Paolo Trianni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU