19 Outubro 2021
"Santo Irineu oferece algo para todos. Por um lado, suas defesas fervorosas dos ensinamentos tradicionais da Igreja transmitidos por Jesus e seus apóstolos por meio dos bispos - sua obra mais famosa se chama Contra as heresias - poderiam torná-lo um herói para os católicos alarmados por um percebido declínio da ortodoxia na Igreja moderna. Por outro lado, em sua afirmação da universalidade da possibilidade de salvação e da bondade intrínseca da criação (contra os gnósticos da época), Santo Irineu oferece em seus ensinamentos uma defesa profunda do Vaticano II, bem como uma vantagem para os ambientalistas", escreve James T. Keane, editor sênior da revista America, em artigo publicado por America, 16-10-2021. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.
No início deste mês, o Papa Francisco disse que pretende declarar Santo Irineu de Lyon, um teólogo do segundo século mais conhecido por seus escritos contra as seitas gnósticas, doutor da Igreja. O venerável santo receberá o título de "Doutor da Unidade" por seu trabalho como ponte entre o cristianismo oriental e ocidental na bacia mediterrânea da Igreja primitiva. É a 37ª pessoa a ser reconhecida como doutor da Igreja.
Santo Irineu (Imagem: Ted Wolfymoza | Wikimedia Commons)
O título de "Doutor da Igreja" surgiu pela primeira vez na Igreja Ocidental durante o início da Idade Média. É um título honorário reservado para aqueles que são reconhecidos como fontes superlativas de grande sabedoria e santidade, geralmente por apresentar três qualidades: era uma pessoa de eminente cultura (eminens doctrina); mostrava um acentuado grau de santidade na vida (insignis vitae sanctitas); e era reconhecido por essas qualidades por uma declaração da Igreja (ecclesiae declaratio). Nos últimos séculos, a Igreja Católica equiparou a terceira condição à aprovação de um papa, embora na Igreja primitiva (tanto no Oriente como no Ocidente), alguém pudesse ser designado doutor da Igreja por decreto de um concílio ou por aclamação popular.
Santo Irineu se junta a outros 32 homens que foram assim homenageados, junto com quatro mulheres (todas nomeadas a partir de 1970). Além de ser homem, a maneira mais segura de se tornar doutor da Igreja (além da santidade) é ter sido bispo (19 deles, incluindo Santo Irineu), embora ajude ter vivido na Europa (27). As igrejas cristãs do Oriente tipicamente reconhecem ainda todos aqueles que foram honrados como doutores da Igreja antes do Grande Cisma Oriente-Ocidente em 1053, mesmo que as Igrejas Orientais tendam a não usar o título; as igrejas individuais às vezes têm suas próprias tradições modernas de tais figuras.
Paralelamente ao aumento dramático da canonização de santos no século XX, a nomeação dos doutores da Igreja tornou-se bastante frequente nas últimas décadas na Igreja Católica Romana. Dos 37 reconhecidos até agora (depois que Santo Irineu se terá juntado a eles), sete foram nomeados desde 1970 e 20 desde o fechamento do Vaticano I em 1870. Por muitos séculos, a Igreja no Ocidente reconheceu apenas quatro Doutores da Igreja. (Ambrósio, Agostinho, Jerônimo e Gregório Magno) e a Igreja no Oriente apenas três (Basílio, o Grande, Gregório de Nazianzo e João Crisóstomo).
Embora tradicionalmente os grandes estudiosos e pregadores tenham dominado as fileiras dos doutores da igreja – por exemplo, os santos Boaventura, Aquino, Belarmino, Anselmo e Canísio, bem como os sete marcos mencionados acima - uma série de figuras recentes colocam-se no lado mais místico da barricada, teologicamente falando. Antes de Santo Irineu, os últimos seis nomeados eram conhecidos como místicos, além de mestres: Santa Teresa de Ávila, Catarina de Sena, João de Ávila, Teresa de Lisieux, Hildegarda de Bingen e Gregório de Narek.
Por que Santo Irineu e por que agora? Como muitos outros processos na Igreja (incluindo as canonizações), às vezes pode haver razões ambientais quando um papa nomeia novos doutores da Igreja. Por exemplo, o Papa Paulo VI certamente não foi o primeiro a notar a santidade e a sabedoria das Santas Teresa de Ávila e Catarina de Sena; o seu reconhecimento como as primeiras duas mulheres doutoras da Igreja em 1970 foi obviamente motivado em certa medida pelo movimento pelos direitos das mulheres e pelo reconhecimento do Concílio Vaticano II do apelo universal à santidade na “Lumen Gentium”. A elas se juntaram Santa Teresa de Lisieux (por quem o Papa João Paulo II tinha uma grande devoção pessoal) em 1997 e Santa Hildegarda de Bingen em 2012.
Santo Irineu oferece algo para todos. Por um lado, suas defesas fervorosas dos ensinamentos tradicionais da Igreja transmitidos por Jesus e seus apóstolos por meio dos bispos - sua obra mais famosa se chama Contra as heresias - poderiam torná-lo um herói para os católicos alarmados por um percebido declínio da ortodoxia na Igreja moderna.
Por outro lado, em sua afirmação da universalidade da possibilidade de salvação e da bondade intrínseca da criação (contra os gnósticos da época), Santo Irineu oferece em seus ensinamentos uma defesa profunda do Vaticano II, bem como uma vantagem para os ambientalistas.
O Papa Francisco, no entanto, parecia ter outro objetivo em mente quando anunciou seus planos ao "Grupo de Trabalho Conjunto Ortodoxo-Católico Santo Irineu", um esforço ecumênico para estabelecer um espaço de diálogo entre católicos e ortodoxos. “Seu patrono, Santo Irineu de Lyon - que em breve declararei doutor da Igreja com o título de 'doutor unitatis' - vinha do Oriente, exerceu seu ministério episcopal no Ocidente e foi uma grande ponte espiritual e teológica entre os cristãos orientais e ocidentais”. Em outras palavras, Santo Irineu - venerado no Oriente e no Ocidente - também pode ser um símbolo poderoso da unidade dos cristãos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Santo Irineu, Doutor da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU