03 Dezembro 2024
Encontramos, para a Rocca, Alessandra Trotta, advogada e diácona de Palermo, moderadora da Mesa Valdense. Falar sobre temas de grande relevância nos enche de alegria e nos enriquece.
A entrevista é de Stefano Zecchi, publicada por Rocca, 01-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Bom dia, Alessandra. Como você está?
Estou bem, obrigada. Muitas vezes com a mala na mão, mas é uma mala cheia de encontros e diálogos, de sonhos e esperanças, de empenhos em boas lutas. É claro que também há decepções, frustrações e, ocasionalmente, alguma raiva, mas não prevalecem.
Quem é Alessandra Trotta?
Nasci em Palermo há 56 anos, filha de um advogado e de uma professora, criada na fé em uma pequena comunidade que soube estar na vanguarda em muitas coisas: experimentou um caminho comum de valdenses e metodistas antes mesmo da integração sancionada em 1975; e, a partir do final dos anos 1980, começou a ser profundamente transformada pelo desafio de “ser Igreja juntos” com irmãos e irmãs que haviam chegado, por meio de árduos caminhos migratórios, de Gana, da Nigéria, da Costa do Marfim, rejeitando tanto a ideia de assimilação dos recém-chegados à Igreja dos indígenas quanto o caminho de um desenvolvimento paralelo substancial, que apenas formalmente coloca uns ao lado dos outros. Foi um laboratório teológico, espiritual e humano extraordinário, que teve um grande impacto em minha espiritualidade, em minha compreensão da fé, na definição de prioridades e critérios para avaliar as coisas no mundo, não apenas da Igreja. Antes de minha consagração ao ministério diaconal (ocorrida em 2003), fui por vários anos advogada civil, uma profissão muito amada, mas que deixei sem arrependimento quando senti que o convite para servir à Igreja em tempo integral se enquadrava na dimensão de uma vocação que me era dirigida.
Você é diácona metodista e moderadora da Igreja Evangélica Valdense (União das Igrejas Metodista e Valdense), em que consiste seu serviço?
O diaconato é – junto com o pastorado – um dos ministérios permanentes e de tempo integral reconhecidos em nossa Igreja, ao qual homens e mulheres podem ter acesso sem distinção. O ministério diaconal tem em sua essência, em particular, o testemunho do Evangelho por meio da prática do apoio e da solidariedade. No meu caso, esse serviço assumiu a forma de experiências muito diferentes (e considero isso uma grande bênção!), desde uma diaconia mais “institucional” com a direção de um grande centro de serviços para crianças e famílias (em Palermo, minha cidade de origem), até uma mais “comunitária” com o cuidado da vocação para ser “comunidades diaconais” de algumas igrejas locais na região napolitana. Com a minha eleição, em 2019, como moderadora da Mesa valdense pelo nosso sínodo (por um período máximo de sete anos), realizo em tempo integral a tarefa de presidir aquele que é o órgão colegiado (composto por sete pessoas) de governo central das Igrejas entre um sínodo e outro, com competências bastante amplas: desde a designação de pastores/as e diáconos/as para o campo de trabalho, até a gestão das finanças e do patrimônio imobiliário das Igrejas para a busca de interesses comuns e o exercício da solidariedade no testemunho comum; desde a representação nas relações com o Estado e as Administrações Públicas e nas relações ecumênicas e inter-religiosas em nível nacional e internacional, até tarefas gerais de superintendência sobre as administrações eclesiásticas em vários níveis.
Por que você escolheu a Igreja valdense metodista?
Nasci e cresci em uma família metodista e não a escolhi, no máximo meus pais a escolheram, em um determinado momento de suas vidas, ambos criados em famílias católicas e que se tornaram protestantes em uma época em que ainda era comum ouvir que não se devia entrar em igrejas protestantes porque lá estava o diabo. É verdade, porém, que também para mim se pode falar de uma “escolha”, porque vivendo em um contexto que nos impele a se conformar e adequar, e sendo aquela de viver a fé cristã em uma Igreja tão fortemente minoritária uma condição “incômoda” sob muitos pontos de vista, para poder resistir é preciso renovar todo dia a consciência e a convicção, que para mim está ligada sobretudo ao valor sempre atual dos “sola” da Reforma Protestante: sola Escritura, sola Cristo, sola graça, sola fide. A paixão, portanto, pelo estudo das Escrituras tornado acessível a todos e a todas, também com as ferramentas da exegese histórico-crítica; a ideia de uma comunidade de fé não hierárquica, na qual se pode experimentar fortes laços sociais, a força do discernimento comum, mas na qual, ao mesmo tempo, a liberdade de consciência dos indivíduos é salvaguardada diante das escolhas fundamentais da vida, a serem feitas com consciência e senso de responsabilidade; uma Igreja na qual se possa viver uma fé acolhedora e plural, uma fé inteligente que dá espaço à liberdade de pesquisa e à comparação crítica entre iguais.
Não posso deixar de entrar no assunto com você sobre Deus, Jesus, fé, Igrejas, o que significa hoje, em 2024, ser cristão? Como podemos dar testemunho da mensagem do Evangelho em uma sociedade indiferente aos valores cristãos?
No 850º aniversário do nascimento do movimento valdense, gosto de lembrar as palavras zombeteiras com as quais os perseguidores cristãos dos seguidores de Valdo de Lyon pretendiam ridicularizar os primeiros valdenses: “Eles querem seguir nus um Cristo nu”. Bem, ainda me parece ser uma boa maneira de definir o que deveria ser a essência de ser cristão, sabendo que ainda hoje estamos expostos à zombaria por aqueles que nos consideram portadores de valores fracos, para depois reivindicar os valores do cristianismo como marcadores de identidade para justificar rejeições, divisões, muros que contradizem o núcleo, a essência do Evangelho de Jesus Cristo.
Não tenho certeza de que a sociedade em que vivemos seja indiferente aos valores cristãos, mas acho que, por parte de muitos, exista efetivamente uma oposição, uma rejeição: compreende-se o que significa ser um discípulo a sério de Jesus Cristo e rejeita-se esse caminho por considerá-lo incômodo, exigente demais, perdedor, próprio de infelizes desarmados diante dos poderes do mundo. Depois, há a crise geral das formas de empenho comunitário e duradouro, em nome de uma ilusória liberdade sem limites e fronteiras, que parece ter como único critério de orientação a satisfação do desejo de posse e que, no fim, isola e fragmenta a humanidade em angustiadas solidões. Diante de tudo isso, devemos manter uma firme consciência do tesouro que guardamos em nossos vasos de barro, um tesouro de que o mundo de hoje precisa tanto ou mais do que o de ontem, e empenharmo-nos ao máximo para transmitir com credibilidade o frescor do Evangelho diante da totalidade das demandas de sentido daqueles que vivem ao nosso redor, alimentando a visão do mundo novo desejado por Deus, de uma humanidade finalmente reconciliada, sem se deixar assustar pela consciência de uma condição generalizada de minoria na sociedade.
Há poucos meses, morreu um grande teólogo, amigo de todos nós, Paolo Ricca. Ele repetia com frequência: “O ecumenismo não é uma questão de etiqueta entre as Igrejas”. O que é o ecumenismo? “Para que todos sejam um” (Jo 17,20), será que ainda estamos longe disso?
O ecumenismo, a busca da unidade dos cristãos, é, antes de tudo, uma vocação precisa que o Senhor nos dirige, da qual não podemos nos esquivar, que não pode ser eludida ou considerada entre os empenhos menores e marginais de cada Igreja. Muitas das diversidades que distinguem as várias tradições cristãs não são, no entanto, inimigas da unidade; pelo contrário, devem ser pensadas como elementos do dom de não autossuficiência que recebemos do Senhor, que nos leva a precisarmos uns dos outros e a contarmos uns com os outros, a expressarmos a plenitude e a riqueza do corpo de Cristo e a garantirmos que o Evangelho possa ser ouvido de forma compreensível e significativa por pessoas muito diferentes em todas as partes do mundo e que ninguém permaneça privado de Sua graça. Estamos longe de ser um só? Depende do significado que se atribui a ser um: se se pretende fazer parte de uma única Igreja, entendida como instituição eclesiástica, é preciso reconhecer que esse não é o objetivo almejado por todas as Igrejas cristãs. Nosso sínodo justamente este ano, ao confirmar o compromisso ecumênico como incontornável, considerou necessário reafirmar “sua convicção de que a unidade da Igreja consiste na comunhão entre as Igrejas e que essa unidade já é plenamente eficaz no caminho ecumênico”.
O Concílio Vaticano II nos levou a ser irmãos, de inimigos a irmãos. Do Concílio até hoje, há algum ponto em comum importante que nos vê unidos?
O caminho ecumênico tem uma longa história, na qual o Concílio Vaticano II representa uma etapa fundamental de abertura da Igreja Católica Romana. Nesse caminho de reconhecimento e colaboração cada vez maiores, somos sustentados pelas coisas fundamentais que temos em comum, as quais, na realidade, transcendem as Igrejas individuais e interrogam todas elas na busca de fidelidade e coerência: a Escritura comum, a centralidade de Cristo, o compromisso com o serviço da justiça, da paz e da salvaguarda da criação, para testemunhar a possibilidade de relações justas, reconciliação, solidariedade e acolhimento em uma sociedade cada vez mais dilacerada por ódios e contraposições, uma sociedade que escolhe a morte em vez da vida. Vivemos em um mundo desumano onde o egoísmo e a indiferença prevalecem. Em todos os cantos do mundo, encontramos focos de guerra, sendo a Ucrânia e a Palestina os mais clamorosos. A voz dos cristãos parece fraca diante do barulho das armas. Que papel as igrejas poderiam desempenhar nesse momento tão dramático para a humanidade? Uma voz contra a guerra, a favor da paz e do diálogo que parece profética é a do Papa Francisco.
O que você acha de sua obra e qual é a sua avaliação do seu pontificado? O papel do papado ainda é um obstáculo no caminho ecumênico?
O papel das Igrejas continua a ser muito importante, em primeiro lugar como instrumentos de uma educação para a paz e para o diálogo que, antes de tudo, deveria se desenvolver dentro delas; além disso, no apoio, mesmo nos cenários que parecem mais comprometidos, aos construtores da paz, àqueles que, das diferentes partes em conflito, continuam a acreditar na possibilidade de reconciliação e trabalham por soluções inclusivas, que não deixem vencedores e perdedores no campo; mas, acima de tudo, em evitar a instrumentalização da religião como base para o fortalecimento de identidades fechadas, agressivas e excludentes e de nacionalismos violentos. O papel do papado certamente não é um obstáculo à unidade dos cristãos, se não se pretender impô-lo como o fundamento da unidade, nas características que a Igreja Católica Romana continua a lhe atribuir, aquelas da origem divina e da infalibilidade.
Nós nos sentimos muito próximos do Papa Francisco quando, com coragem, perseverança e correndo o risco de perder popularidade (porque hoje em dia se perde o consenso sobre essas questões), ele se pronuncia contra as desigualdades, as guerras, a exploração e a desumanização de muitos por poucos, em nome de uma fraternidade e sororidade universais dentro de toda a família humana.
Sentimo-nos distantes quando, em algumas questões éticas delicadas de grande relevância social, nas quais entram dolorosamente em conflito interesses e valores muito elevados, todos merecedores de proteção e salvaguarda, ouvimos palavras nas quais não parece ressoar suficientemente o espírito de viver e testemunhar o amor de Deus na concretude de situações contingentes, que envolvem não princípios abstratos, mas seres humanos em carne e ossos, sua luta para viver aqui e agora; necessariamente, acertando as contas com as contradições e tensões que surgem da limitação e da parcialidade da condição humana, na qual é importante que as pessoas, antes de tudo, sintam-se apoiadas em suas escolhas cruciais, muitas vezes dramáticas, em consciência, de forma consciente e responsável em relação a si mesmas e aos outros, e confiando o julgamento ao Senhor.
Gostaria de abordar com vocês um tema importante para muitas pessoas, que diz respeito a indivíduos e famílias, e que é o fim da vida. Esse é um assunto importante e delicado porque a dignidade da pessoa humana está envolvida. Qual é a sua opinião sobre o suicídio assistido, a eutanásia e a obstinação terapêutica?
A Comissão para Problemas Éticos postos pela Ciência de nossas Igrejas trabalhou nesses temas em profundidade em várias ocasiões. Mais recentemente, em 2017, apresentando ao sínodo um documento volumoso que foi aprovado como uma contribuição profunda para a reflexão e discussão da comunidade. O primeiro objetivo do documento é ajudar as pessoas a entenderem do que se trata exatamente, para não confundir (como muitas vezes acontece no debate público) a eutanásia e o suicídio assistido com a interrupção dos cuidados, que está perfeitamente dentro do exercício da liberdade que também é protegida por nossa Constituição e a oposição a qualquer forma de obstinação terapêutica. Na esteira de vários pronunciamentos assumidos pelas Igrejas Protestantes europeias, o documento sempre considera legítima e admissível a escolha voluntária de suspender ou não ativar um tratamento (incluindo hidratação e nutrição artificiais, mesmo em pacientes em estado vegetativo persistente que tenham expressado previamente seu consentimento para tal interrupção). É enfatizado que a principal tarefa das Igrejas é se empenhar em uma batalha pública para permitir que todos tenham acesso a um sistema eficiente de cuidados paliativos e acompanhamento para morrer com dignidade, bem como em uma profunda obra de conscientização cultural que seja capaz de problematizar adequadamente a questão do sentido de noções como as de vida, morte, sofrimento, doença e cuidado.
Por fim, também é expressa uma abertura para a avaliação, à luz de um princípio de misericórdia, da escolha de ajuda para morrer em casos limítrofes, ou seja, em situações excepcionais de doença mortal em que os cuidados paliativos não conseguem manter sob controle todos os sintomas de um sofrimento insuportável da pessoa que está morrendo; uma abertura não em nome da exaltação de uma liberdade e autonomia individuais absolutas e indiscriminadas, mas como uma escolha que, para o crente, pode se tornar compreensível dentro da estrutura de uma noção de responsabilidade complexa – para com Deus, para com os outros, para consigo mesmo – e da vida em um sentido biográfico mais que puramente biológico.
Antes de agradecer a sua disponibilidade, gostaria de concluir nossa conversa com uma pergunta: quem é Jesus de Nazaré para você?
Para mim, Jesus é tanto a revelação plena de Deus quanto o verdadeiro homem. Ele é a revelação de Deus, no sentido de que ele é tudo o que Deus quer dar a conhecer sobre si mesmo (e que para o ser humano basta saber), sobre seu amor por suas criaturas, sobre seu plano de vida, sobre suas prioridades, sobre seus critérios para julgar o que é bom e o que é mau, sobre o que salva e dá sentido à vida e o que leva à perdição. O sonho realizado de poder ver o rosto de Deus sem véus, mas passando pela capacidade de revelação da cruz e da ressurreição de Cristo, que, em algumas formas de experiência espiritual, acho que corremos o risco de ignorar. E ele é verdadeiro homem, na medida em que é imagem e experiência da humanidade plena, autêntica e extraordinária desejada pelo Criador, de tudo o que somos chamados a ser se as nossas vidas forem realmente governadas pela confiança nas promessas do Senhor, que nos impulsionam a ousar, a arriscar, a sair de nós mesmos para ir ao encontro do outro.
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A unidade dos cristãos já está a caminho. Entrevista com Alessandra Trotta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU