10 Setembro 2019
Agradeço aos organizadores deste encontro, mas, acima de tudo, agradeço a presença de tantos em um dia que está programado falar de liberdade. Isso confirma a convicção que desenvolvi ao longo dos anos, de que o tema da hospitalidade eucarística não é simplesmente uma ideia, é uma exigência que é sentida no nível de base, ou seja, no nível do povo de Deus, dos cristãos e cristãs comuns, pertencentes a diferentes Igrejas.
O texto é do teólogo, historiador e pastor valdense italiano Paolo Ricca, publicado por Ospitalità Eucaristica, N°. 10, setembro-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nesta breve intervenção, desejo lhe dizer o que penso ser a hospitalidade eucarística. São duas coisas: é uma visão e uma prática, que é um modo de ver e de agir. São duas dimensões que andam juntas e não devem ser separadas. Quem promove a hospitalidade eucarística deve ter a coragem de vivê-la, e não apenas falar sobre ela. Dessa hospitalidade eucarística sempre se fala, desde que existe a Igreja e a separação das igrejas, mas praticar a hospitalidade eucarística ainda é algo que poucos ousam fazer; por razões plausíveis, é claro. Não são caprichos, pois não é um capricho praticar a hospitalidade eucarística. A hospitalidade eucarística é, portanto, um modo de ver a Ceia do Senhor, um modo de entendê-la e entendê-la em um nível teológico, e um modo de vivê-la e praticá-la. Mas, de fato, um modo de ver e viver a "Ceia do Senhor". O nome que os cristãos deram no Novo Testamento não é um nome qualquer, mas é um nome específico: é "a ceia do Senhor". Acredito que havia a intenção de dizer o que diz: não é a “tua” ceia, é a ceia “do Senhor". Você está convidado. Se fosse a tua, seria diferente. Ninguém prepararia uma ceia tão pobre, mísera. É precisamente a ceia "do Senhor".
A hospitalidade eucarística de Jesus.
Vou dividir minha exposição em duas partes. A primeira é "A hospitalidade eucarística de Jesus", a segunda é "A nossa hospitalidade eucarística".
Qual é a hospitalidade eucarística de Jesus? O que Jesus fez? Nós tentamos fazer o que ele fez, não inventamos nada de novo. Nós sabemos o que aconteceu. Jesus inseriu esse seu gesto sobre o pão e o vinho dentro da liturgia judaica da Páscoa que, no entanto, desapareceu completamente de todas as eucaristias que conheço, das quais já participei; não há nenhuma que celebre a ceia como Jesus a celebrou nem minimamente, mesmo que apenas com oração ou leitura. Nesse sentido, toda as nossas eucaristias estão fora da lei, ou seja, fora da lei de Cristo, como diz o apóstolo Paulo. Nisto somos ecumênicos! O que Jesus fez então? Ele pegou pão e vinho, disse algumas palavras que conhecemos e distribuiu esse pão e esse vinho a todos os discípulos, incluindo Judas, que, ao contrário, em todas as eucaristias clássicas foi excomungado. Essa é a outra grande infidelidade das nossas eucaristias; toda vez que celebro ou participo de uma eucaristia, devo me perguntar: onde está Judas? Você não deve se perguntar apenas se está presente Jesus, mas também onde está Judas, porque a ele também foi dado o pão e o vinho. Isso é algo belíssimo. Nós nem teríamos sonhado, imaginado um evangelho assim. Isso já é um sinal de que não é uma invenção humana. Essas poucas linhas nos fazem tocar com as mãos o quanto todas as igrejas são infiéis à ceia de Jesus e nenhuma pode, de nenhuma maneira, fingir dizer "Esta é a verdadeira ceia de Cristo. A tua não, a minha, sim". Em nenhuma igreja cristã em 2019, se celebra a ceia de Jesus.
A nossa hospitalidade eucarística - pelo menos assim eu a entendo - é a tentativa difícil, extremamente difícil, de aproximar um pouco as nossas eucaristias àquela de Jesus, nada mais e nada menos. Sem revolução, sem inversões. Em que consiste essa aproximação?
Estou perfeitamente ciente de adentrar em um terreno delicado. Um terreno delicado que me leva a dizer que, sendo a ceia "do Senhor" e, portanto, de nenhuma Igreja, mas apenas a Sua, nenhuma Igreja pode privatizá-la, fazendo-a coincidir com a sua. A partir dessa consideração, posso usar essas duas formulações para falar sobre a hospitalidade eucarística.
A primeira. Todo cristão batizado, ou seja, todo cristão que faz parte de uma comunidade cristã, tem o direito de participar de qualquer mesa eucarística em qualquer igreja cristã. Assim, a hospitalidade eucarística pode ser uma hospitalidade intracristã; portanto, todos os cristãos devem ser bem-vindos em qualquer ceia celebrada em qualquer igreja, independentemente de suas concepções sobre ela que possam ser diferentes.
A segunda. Independentemente do batismo, se aqueles que participam do culto e quando acontece o momento da eucaristia se sentem chamados, isto é, se têm fome e sede de esse tipo de comunhão - repito, independentemente do batismo ... não resulta de nenhum documento que os Doze fossem batizados - podem participar.
Percebo que essa segunda formulação é questionável, mas estou convencido disso. O que importa é se você tem fome e sede desse pão e desse vinho; o batismo diante disso é secundário. É essa fome e essa sede que te credenciam a participar da mesa dos pedintes de Deus.
Aqui chegamos a um ponto fundamental que é um ponto decisivo para enfrentar o tema. O que constitui a Ceia do Senhor? Quais são os elementos constitutivos com os quais existe a Ceia do Senhor e sem os quais não existe a Ceia do Senhor? Os elementos constitutivos são muito claros: são o pão, o vinho e as palavras de Jesus. Esses são os elementos. Não é a interpretação do pão, do vinho ou das palavras de Jesus. Eu sou valdense, você é católico: o que me une a você na celebração da ceia? Não é a minha interpretação do pão, não a sua interpretação do pão, mas o pão! Jesus diz: "Este é o meu corpo".
Como essas palavras devem ser interpretadas? É um simbolismo, existe uma presença real, etc.? Jesus não explicou o significado que dava a essas palavras, nem o apóstolo Paulo. E então devo ser a explica-lo a você ou deve ser você a me explicar? É uma presunção assustadora, é loucura! Você quer explicar o que Jesus não explicou, o que Paulo não explicou? Você quer ser mais cristão do que Jesus ou Paulo? Você não é obediente às Escrituras se pretende poder fazer isso. Na minha opinião, esse é um discurso elementar. A Palavra não autoriza você a isso. Não sei o que vocês pensam, mas acredito que quando Jesus celebrou a ceia, os discípulos não entenderam nada. Esse é um grande conforto para nós. Estamos autorizados a não entender. Estou feliz com isso. E o próprio Calvino dizia: "Quando participo ao pão e ao vinho, sinto mais do que as minhas palavras podem dizer". Essa é a atitude correta. Além dos limites de qualquer igreja: uma ceia aberta.
Há um último ponto. Assim como o batismo, a ceia transcende os limites de qualquer Igreja dentro da qual esses ritos são celebrados. Eu celebro a ceia sagrada na Igreja valdense, mas essa ceia, sendo "do Senhor" e não da Igreja valdense, transcende a Igreja valdense, é maior que a Igreja valdense. Essa ceia é um ritual de todo o cristianismo, para todos os cristãos. E, na minha opinião, é também para os não-cristãos, para quem espera, para quem invoca, para quem deseja. É uma ceia aberta.
Eu poderia resumir todo o discurso que fiz com esta definição: hospitalidade eucarística significa "ceia aberta", onde o centro é Jesus que te chama, Jesus que te procura, Jesus que está lá com aquele pão, com aquele vinho, com aquelas palavras; não as minhas, não as tuas, mas as dele. Jesus está lá esperando aquele que quer participar desse banquete que é um prelúdio para o grande banquete messiânico.
Não há liberdade sem transgressão. Aqui está, essa é a hospitalidade eucarística. É algo belíssimo, algo esplêndido. Algumas Igrejas a praticam, pelo menos parcialmente, enquanto outras a rejeitam. Eu penso que os cristãos que compartilham aproximadamente o que eu disse também devem ter a coragem e a liberdade para fazê-la, porque afinal é uma questão de liberdade; e não há liberdade sem transgressão, lembrem-se bem disso.
Jesus é o mestre. Ele transgrediu o sábado de uma maneira tão explosiva que o levou à cruz. Não há liberdade sem transgressão. Então, se você for um cristão livre, tenha também a coragem de transgredir. Com humildade, porque as objeções as conhecemos, as levamos a sério. Porém não aceitamos ser espiados. Como o apóstolo Paulo diz, não aceito que minha liberdade seja espiada, não aceito que você espie minha liberdade cristã.
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Não há liberdade sem transgressão. A hospitalidade eucarística segundo Paolo Ricca, teólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU