17 Junho 2019
Para Paulo, a Eucaristia não é simplesmente um rito, comportando diversas dimensões: dar graças, fazer em memória de Jesus, proclamar a sua morte até que ele venha... Sim, «é grande o mistério da fé»: com alegria, inspirados e comprometidos, deixemo-nos levar por esta imensa esperança na volta do Cristo!
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo do Tempo Comum, Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª leitura: "Melquisedeque trouxe pão e vinho." (Gênesis 14,18-20).
Salmo: Sl. 109(110) - R/ Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem do rei Melquisedeque!
2ª leitura: "Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha." (1 Coríntios 11, 23-26).
Sequência: Eis o pão que os anjos comem transformado em pão do homem.
Evangelho: "Todos comeram e ficaram satisfeitos." (Lucas 9,11-17).
Um Deus moído, como se faz com o trigo... Um Deus esmagado e espremido, como se faz com a uva... São imagens terríveis estas! Pensando bem, até mesmo escandalosas. Muitas pessoas, cristãos inclusive, não suportam os crucifixos nem outras evocações do calvário. O que não os impede, contudo, ao preço de uma emoção passageira, de assistirem reportagens televisivas que mostram cadáveres da guerra na Síria, de migrantes afogados no Mediterrâneo ou de jovens abatidos nas favelas do Rio de Janeiro... Que Deus tivesse chegado a este ponto, de ter sido arrolado entre os derrotados e os massacrados do mundo, este é o escândalo da cruz! Pregado nela, Cristo representa e reúne em Si mesmo todas estas vítimas, para fazê-las viver da sua Vida. A morte é impotente diante de um amor como este. Deus se dá a Si mesmo em alimento, uma vez que nós, das mais diversas formas, nos devoramos mutuamente: "Quando comem o seu pão, é ao meu povo que devoram" (Salmo 14,4). A cruz sozinha, isolada de seu contexto, pode com certeza nos atemorizar. Mas a última Ceia, que representamos através da Eucaristia, adverte-nos que o Corpo de Cristo desta forma oferecido torna-se para nós o alimento vital. Jesus, antecipadamente, entregou o que lhe queriam tirar: "Este é o meu corpo". Desta forma, a vontade de matar foi pega de surpresa. Deus submete-se ao desejo perverso do homem. Não para aprová-lo, mas para torná-lo inoperante. A morte, toda morte, encontra-se sujeita assim a produzir o seu contrário, a vida.
O pão representa a nossa imprescindível relação com a natureza, que alimenta a nossa vida. Natureza considerada, aliás, como uma realidade a ser dominada, a ser transformada. E tudo isso exprime o dom que Deus nos faz de Si mesmo, através da Criação. O vinho é algo prescindível, que está além do necessário: é ligado à alegria das núpcias. Revela o excesso do dom de Deus. Este "supérfluo" mostra que Deus nos preenche para além das nossas necessidades. Apoiados em alguns textos bíblicos, há quem veja no cálice eucarístico uma figura do sofrimento humano. Prefiro aquela primeira interpretação. De todo modo, o pão e o vinho, sinais sensíveis da nossa existência "terrestre" e de nossa alegria de viver, veem na Eucaristia a sua significação alcançar um grau inédito. Põem-nos na presença do dom que Cristo nos fez da sua carne e do seu sangue, verdadeiro pão e verdadeira bebida (ver João 6,48-58). Podemos dizer com certeza que o pão torna-se o corpo de Cristo (fórmula habitual), mas, lendo João 6, podemos dizer também que o corpo de Cristo torna-se pão. Santo Irineu vai mais longe: "(Cristo) confirmou que o cálice que vem da Criação era o seu sangue (...), que o pão que vem da Criação era o seu corpo, pelo qual Ele fortifica o nosso corpo." Desde que o homem vive desta Criação - ele faz parte dela, então, desde sempre -, é do próprio Deus que ele vive. A Eucaristia nos revela isto. Longe, portanto, do esquema das fórmulas mágicas.
Estamos sim diante do mistério do Amor que conduz o universo inteiro à sua perfeição. Vou tentar explicar, ainda que de forma um pouco esquemática: tudo o que existe é impulsionado por uma potência de vida que é a sua fonte. Potência de pensamento, posto que pensamos; potência de vontade, posto que desejamos; potência de amor, posto que amamos. E tudo isso é o ato criador que se desdobra numa história da qual somos todos parte interessada. Quando o Influxo Criador se depara dentro de nós com alguma recusa, ele é neutralizado. A Criação torna-se Paixão e o Criador, o Crucificado. Temos aí, portanto, uma inversão inédita: a carne moída de Cristo torna-se o pão para a nossa vida, e o sangue derramado torna-se bebida para a nossa alegria. O assassinato não foi por nenhuma razão de amor, mas, tendo havido morte, faz-se necessário o renascimento, para uma vida à prova da morte. O processo criador atravessa as nossas condutas assassinas e, de repente, procedemos a uma "mudança de campo": deixamos o campo dos que só oferecem a morte e passamos para o lado d’Aquele que deu a sua vida. Participando da Eucaristia, queremos significar que fazemos nossa a atitude fundamental de Cristo que, "sendo de condição divina, não usou de seu direito de "ser tratado como um Deus", mas aniquilou-se a si mesmo..." para se dar em alimento. Daqui em diante, o nosso projeto só pode ser o mesmo que o d’Ele: "fazer viver". E vivermos nós mesmos em conformidade.
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Em que se tornaram as nossas Eucaristias? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU