31 Outubro 2024
Para além da paróquia territorial: em um tempo de mobilidade e de dificuldades generalizadas, tentemos valorizar a relacionalidade como um “lugar teológico” para vidas boas e revelações do Mistério.
O comentário é de Sergio Di Benedetto, professor de Literatura Italiana na Universidade da Suíça Italiana, em Lugano. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 24-10-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há poucos dias, Paola Springhetti publicou no site Vino Nuovo uma reflexão [em italiano aqui] sobre o valor da territorialidade para a paróquia, a qual permitiria aos cristãos, basicamente, não se “escolherem” apenas entre semelhantes, tentando ser “não uma comunidade eletiva, mas também uma comunidade de todas aquelas pessoas que vivem no mesmo território”, para além das “afinidades eletivas”.
Idealmente, eu também poderia concordar com o que Paola sustenta. Porém, considero que o tema da territorialidade da paróquia está muito ligado ao século XX e responde pouco ao contexto do tempo em que vivemos.
Em primeiro lugar, creio que o tema está caracterizado do ponto de vista etário: talvez os mais maduros sintam, também por formação e experiência, que a paróquia é a comunidade que existe em um território particular, com fronteiras precisas (até mesmo nas cidades pode ocorre que a esquina e o prédio a poucos metros do seu estejam em outra paróquia).
No entanto, para muitas pessoas que têm menos de 50 anos, a territorialidade não representa nem um valor a ser defendido nem um objetivo a ser alcançado. Há pouco tempo, em um dia de formação na paróquia, a mais jovem entre os presentes, com cerca de 25 anos, admitiu honestamente que, para ela e para os seus coetâneos, os conceitos de “paróquia” e de “membros” da paróquia territorial não significam praticamente nada. Ela se preocupava com o grupo de escoteiros, com pessoas provenientes de uma área muito ampla.
Trata-se de um conceito – o de ir além da territorialidade – que eu escuto de vez em quando de pessoas que têm menos de 50 anos. E é natural que seja assim, porque quem é jovem ou de meia-idade frequentemente vive cotidianamente outra dimensão, que é a da mobilidade: quase ninguém mora no mesmo bairro ou cidade onde estuda ou trabalha. Os deslocamentos pendulares já são um fato há décadas, mas ele se agigantou: por diferentes motivos (bolsas de estudo como a Erasmus, pesquisa acadêmica, tarefas profissionais, vontade de conhecer outras realidades), a mobilidade não é mais apenas um deslocamento diário de alguns poucos quilômetros, mas já é um elemento fundamental para quem nasceu depois dos anos 1970, passando períodos mais ou menos longos longe do lugar onde nasceu ou onde cresceu. Ou, melhor, muitas pessoas nem sequer têm mais a residência no lugar onde nasceram, porque, nesse meio tempo, mudaram-se para diversos lugares de vida. E, inevitavelmente, o mesmo vale para os entes queridos, espalhados pelo mundo.
Isso implica que, hoje, uma instituição firmemente territorial como a paróquia é um apanágio dos idosos e das crianças, ou seja, de quem, por diversos motivos, não são móveis por razões profissionais. Mas as crianças, na realidade, também vivem muitas vezes as dinâmicas dos genitores e, portanto, seguem seus deslocamentos.
Ora, esse fato da mobilidade – que pode ser julgada de uma forma mais ou menos benevolente (pessoalmente, acho que ela é positiva quando animada por um desejo de conhecimento e de descoberta, e negativa quando ligada a uma forma de autoexploração ou de exploração econômica) – é um dado objetivo da nossa realidade.
Sem falar, além disso, na questão das migrações, em que a mobilidade diz respeito a enormes massas de homens e de mulheres, que, no entanto, conseguem manter (felizmente) alguns laços com os seus países de origem, graças, sobretudo, aos canais contemporâneos de comunicação (um telefonema não demora tanto tempo quanto uma carta, por exemplo). E tudo isso diz respeito também ao tempo livre: seja o esporte, um hobby ou simplesmente o cuidado das amizades, quase nunca é um tempo livre enxertado em uma única porção de território.
Portanto, a territorialidade, que enraizaria as pessoas no lugar onde elas moram, é um fato pouco adequado às dobras das existências atuais de quem está em atividade e que não responde às suas configurações.
Há, ainda, um segundo fator que me leva a olhar criticamente para a territorialidade paroquial e que diz respeito aos ritmos e aos estilos de vida atuais, muitas vezes frenéticos, convulsivos, expostos a múltiplas tensões psicológicas. Nos ambientes de trabalho e de estudo, já nos encontramos lado a lado com pessoas que não escolhemos, que são diferentes de nós, com quem temos pouco em comum em nível de valores, ideologias, experiências. Com o passar das semanas, entre múltiplos compromissos, é preciso manter sob controle a agressividade alheia, educar a própria agressividade, tentar ser acolhedor, construir boas relações mesmo quando as circunstâncias não são favoráveis.
E, se por um lado isso pode representar uma fonte de debate e de enriquecimento, é também uma fonte de fadiga. Por isso, os amigos são pessoas “escolhidas”, com quem você pode “descansar”, pode se mostrar como é, mesmo quando há divergências de opinião. E, por isso, todos nós temos o desejo (e a necessidade) de locais de repouso, de regeneração, de nutrição.
Ora, em nível espiritual, a situação não é diferente. O cotidiano paroquial sabe ser muito pesado, desgastante, com dinâmicas boas, mas também com dinâmicas tóxicas, sobretudo em nível relacional. Por que, portanto, viver, também na comunidade eclesial territorial, aquelas várias dificuldades relacionais que geram estresse e sofrimento, chegando até a prejudicar uma experiência positiva de fé?
Em uma sociedade que, muitas vezes, pressiona pelo bem-estar artificial, podemos ainda propor como um valor indiscutível a fadiga do território e das relações comunitárias territoriais, observando, com desconfiança, a busca de um bem-estar profundo e verdadeiro?
Parece-me que ninguém com menos de 50 anos, com as vidas complexas que existem hoje, está serena e voluntariamente disposto a morar por muito tempo em um lugar, se este for gerador de sofrimento. Mas isso, imagino, vale um pouco para todas as idades.
Todos procuram ambientes, relações, experiências positivas para si mesmos, que possam enriquecer e motivar o fato de sermos cidadãos do mundo, alimentando a fé que nos permite atravessar a cidade como cristãos e lembrando-nos de que o somos. Temos sede, neste século XXI, de encontros que abram vislumbres e caminhos de reconstrução, que sejam capazes de iluminar e, ao mesmo tempo, de encarnar a fé.
Então, acho que o critério da territorialidade poderia ser substituído pelo da relacionalidade, em que a pessoa busca, justamente, ambientes nos quais seja possível construir relações boas, em sentido lato; relações que ajudem a habitar o tempo com serenidade e alegria, que saibam ser fecundas de vida, que possam representar um sustento nos momentos de escuridão, que possam estimular ao crescimento e que, nas dinâmicas da fé, possam nos ajudar a viver o Evangelho com profundidade e generosidade; relações de partilha que, sem se restringirem às fronteiras da paróquia, representem instantes de revelação do Espírito e constituam um rosto acolhedor e estimulante da Igreja.
Nesse sentido, a relacionalidade se torna quase um “lugar teológico”, pois se abre ao bem e à revelação do Mistério de Deus.
É (também) pelo seu enraizamento territorial em uma época de forte mobilidade e de dificuldades sociais generalizadas que a paróquia marca o passo, não respondendo mais aos homens e às mulheres, aos jovens, às crianças que nasceram depois dos anos 1970.
Pode-se dizer: há o risco do elitismo ao se colocar a relacionalidade como critério de pertença eclesial. É verdade, o risco existe. Mas me parece que é preciso fazer três destaques importantes.
O primeiro é que nós escolhemos os amigos, e Jesus também escolheu amigos e discípulos; o Evangelho é uma mensagem universal, mas todos precisam de relações nas quais possam se sentir em casa para, depois, se abrirem ao mundo, ou seja, aos espaços de trabalho, de estudo, dos vários ambientes de frequentação. A qualidade relacional é um fator decisivo na sustentação de uma vida.
Segundo: os ambientes de escolha em que se vive a relacionalidade não são ambientes em que somos todos iguais, todos idênticos, todos fotocópias: cada relação se abre à diversidade, começando pela relação de casal. O importante é que as diferenças sejam integradas e acolhidas, dentro de um contexto geral que seja fértil para a pessoa. O importante é a abertura, que não leve à autorreferencialidade e que veja também nas múltiplas sensibilidades um motivo de interesse e de crescimento (aqui reside, de fato, um dos limites dos movimentos eclesiais).
Contudo, é importante saber que existem lugares e relações nos quais podemos ser consolados; é uma palavra já em desuso ou curvada a uma mera implicação emocional. Pelo contrário, como é importante a consolação integral, unitária, que abrace a vida em sua totalidade!
Terceiro: a paróquia territorial é, já hoje, um ambiente não universal; é, já hoje, uma amostra não representativa, uma seleção com características próprias. Por exemplo, falta a geração do meio, faltam os jovens. É um lugar substancialmente idoso, que, muitas vezes, oferece propostas para um mundo idoso, com horários e programas que refletem uma civilização agrícola ou industrial; é um ambiente que tem medo de sair do ativismo como um fim em si mesmo, não raramente afetado por um infantilismo espiritual perpétuo. É um ambiente que avança por inércia, que se apoia nas devoções, que tem muita dificuldade para ler o contexto onde se encontra, que nem sempre crê no pensamento, que confunde uma convivialidade superficial com vínculos comunitários. É também um ambiente que tem dinâmicas de gestão e de poder que não são mais vividas na sociedade: pensemos no papel das mulheres, que talvez tenham cargos de responsabilidade profissional, mas, se tudo correr bem, podem gerir a catequese das crianças na paróquia. É um ambiente que tende a percorrer os trilhos do fechamento e da autorreferencialidade.
Portanto, a paróquia, já hoje, é constituída por um grupo de pessoas com características não representativas da sociedade inteira. Admitir isso, ao menos, seria um passo à frente.
Então, uma pista de trabalho poderia ser abrir cada vez mais as comunidades cristãs, pelo menos à colaboração recíproca, cuidando os múltiplos carismas, rumo a uma supraterritorialidade que salvaguarde a relacionalidade como um recurso e não como um perigo.
Na dialética entre universal e particular, entre paróquia e Igreja (diocesana, universal), muitas vezes, detemo-nos no pequeno feudo a ser defendido. É um legado do passado que não tem sabor evangélico. Parafraseando o Pe. Milani, talvez a territorialidade não seja mais uma virtude.
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Paróquia: a territorialidade talvez não seja mais uma virtude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU