21 Março 2024
No vasto mundo da rede, os cristãos parecem se caracterizar mais pela agressividade e pela violência do que pela misericórdia e pelo amor: é um contratestemunho do qual precisamos estar conscientes.
O comentário é de Sergio Di Benedetto, doutor em Literatura Italiana pela Universidade da Suíça Italiana, em Lugano. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 10-03-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Naquele entrelaçamento cada vez mais estreito (e nem sempre salutar) entre onlife e online, muitas vezes me deparo com postagens sobre “temas religiosos”, sobretudo porque parte da minha “bolha” social discute e compartilha isso. O que me impressiona, sempre, é o estilo de muitas pessoas, explicitamente cristãs (como desejam declarar, começando já pelas imagens emblemáticas dos próprios perfis: figuras sagradas, ícones etc.), que, quando se veem tratando de qualquer assunto, manifestam modos, tons e posturas muito agressivas, desrespeitosas e até violentas. A ironia logo dá lugar ao sarcasmo venenoso e depois a epítetos pouco edificantes, até chegar ao insulto (às vezes, acredito, com algumas implicações jurídicas). Nada de escuta, nada de estima recíproca, nada de benevolência: o capacete e a lança (verbal) empunhada são o que há de mais difundido entre os usuários “católicos” médios e etariamente maduros que passam (muito) tempo na internet.
Divididos em bandos, substituímos muitas vezes o diálogo pacato – mesmo nas diversas sensibilidades – por um conflito violento sem trégua. Os haters, que tanto conforto encontram no mundo virtual, também e sobretudo protegidos por um vil anonimato, fazem escola e agora não têm mais discípulos, mas verdadeiros mestres nas bolhas de inspiração católica.
Aquilo que se comunica, entre um santinho e uma jaculatória (a gramática artística “cristã” que circula pela rede mereceria uma discussão à parte), é uma inimizade acalorada, um ódio sempre vivaz, um estado permanente de guerra. Nos poços envenenados da internet, nas fossas lívidas das pradarias virtuais, os cristãos são muitas vezes protagonistas.
Então, é cada vez mais urgente nos perguntarmos que tipo de espetáculo damos como cristãos em rede, entre redes sociais digitais e fóruns, sem esquecer que existe uma dimensão do mal cometido que se amplia e se espalha também por meio do teclado.
A religião da misericórdia e a fé em um Deus de amor tornaram-se muitas vezes, na conjugação da internet, a religião do homem frustrado, a fé em um Deus que abençoa as armas virtuais, a moral estéril do olho por olho. Especialmente quando nos sentimos investidos de uma missão divina, voltada à defesa da (minha) verdade, eis que o ataque é “descriminalizado”; a violência, tolerada, senão até fomentada; o confronto, procurado e provocado.
Mas que impressão se oferece a quem não compartilha a fé cristã? Uma religião que apostou tudo no amor, a começar por Cristo, tornou-se uma religião do ódio. O mandamento supremo, aquele fundamental “ama o teu próximo como a ti mesmo” é esquecido e pisoteado (sempre com mil justificativas interiores).
A “diferença cristã”, em rede, parece mais ligada à diferenciação para pior do que para melhor. Entre uma devoção e uma novena, que olhar virtual sabemos cultivar na internet? Que espaço de reflexão e de expectativa sabemos construir, vencendo também a tentação da intervenção imediata, da resposta dura a ser lançada imediatamente? Sabemos ainda esperar e, se necessário, decidir pelo caminho do silêncio para não alimentar círculos verbais de prepotência?
Na verdade, em rede, nós, cristãos, parecemos ser pessoas que vivem da raiva e não da esperança e da caridade. O testemunho que oferecemos é muitas vezes um contratestemunho, uma marretada na credibilidade da fé que professamos. Quem não compartilha as nossas ideias torna-se um inimigo, e certamente não para ser “amado” (Mt 5,44), mas para ser combatido tão a fundo quanto possível, especialmente se for um “cristão a ser corrigido”.
Enfim, é interessante sublinhar como não captamos a contradição entre a partilha de um versículo da Palavra, uma citação de um santo, uma “imagem sagrada” e, ao mesmo tempo, a entrada nos círculos viciosos do ódio online que destroem tudo, a começar pela própria pessoa com quem se entra em relação.
Talvez, dada a preponderância de certos modos agressivos e tão pouco evangélicos, a indiferença do mundo não cristão pareça ser uma profilaxia útil e necessária: a quem poderá parecer interessante uma religião que se baseia no amor, mas que, depois, na internet, torna-se desculpa para o uso de palavras desrespeitosas, violentas e ofensivas?
A paz que tanto desejamos... também deve ser salvaguardada e construída online.
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Cristianismo, uma religião fundada no ódio (social). Artigo de Sergio Di Benedetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU