25 Outubro 2024
"Não se trata apenas da questão do diaconato das mulheres, mas de reconhecer que as mulheres são tão capazes como os homens, para assumirem outros ministérios. O que aliás já acontece noutras igrejas cristãs".
O artigo é de Margarida Belchior, professora, sociodramatista e pesquisadora, publicado por 7Margens, 24-10-2024.
Declaração de interesses: cresci numa família católica, cristã, como muitos portugueses e portuguesas. Sou uma mulher de fé, mas na minha herança incluo, graças a Deus, uma costela republicana que me ajuda a manter uma lucidez crítica no que diz respeito a muitos usos e costumes da Igreja católica de Roma, numa abertura e (re)conhecimento de outras crenças com raízes noutras culturas, numa sincera procura de Amor (onde incluo a Justiça Social) e Paz para toda a Humanidade. Incluo nesta minha herança alguns não crentes sucessores de um admirável humanismo, que se norteiam pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As minhas interrogações sobre o tipo de organização que é a Igreja católica romana, desde que foi apresentado o relatório da Comissão Independente sobre os abusos sexuais na Igreja católica em Portugal têm aumentado. Têm crescido nomeadamente no que diz respeito à (in)visibilidade das mulheres em momentos de grandes manifestações, de grandes celebrações, como foram as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa, em 2023. Não consigo mais olhar para imagens destas grandiosas manifestações da Igreja católica romana, sejam elas onde forem, em que a presença de homens é largamente maioritária. Não se veem mulheres no centro das celebrações litúrgicas, nas homilias, nas consagrações. A imagem que perpassa para os jovens, para as pessoas em geral, e também para o interior da Igreja católica romana, é que esta é uma associação machista e misógina, em que as mulheres são subalternas, cidadãs de segunda e que não são bem-vindas. Não admira as dificuldades, mesmo a relutância, em lidar com a questão dos abusos sexuais. Como se os seres humanos fossem assexuados. Felizmente que não somos! Não se pode mais ignorar os contributos de Freud (de que não sou especialista) sobre a importância da sexualidade na vida, na realização de cada ser humano.
Esta não é apenas uma questão dos homens. Muito menos dos homens que têm poder de decisão. E, sim, é uma questão de poder. Não podemos ter medo de falar nisso. Na Igreja católica romana muitos homens não querem partilhar o poder que têm – mantêm-no apenas por serem homens. A fragilidade de muitos desses homens é tão grande, que só pelo fato de se falar na possibilidade do diaconato das mulheres, se sentem tão inseguros que recusam completamente tal hipótese.
Tal como acontecia na idade média – e não apenas na Igreja católica – mulheres independentes, autônomas, estudiosas, instruídas, sábias, teólogas, ou não, generosas e ao serviço, são ainda consideradas subversivas por muitos, revolucionárias ou mesmo como ”bruxas”. Lembram-se das que foram queimadas nas fogueiras?
Há quem chegue a admitir que muitos homens alimentam estes receios por serem as mulheres que têm a possibilidade de gestação e de dar à luz – fica o ressentimento da impossibilidade da omnipotência, do todo-poderoso macho único. Esquecem que para a criação da Vida são necessários dois, uma mulher e um homem, que só assim a humanidade, a espécie sobrevive. Sim, só há Vida com uma mulher e com um homem. Não se pode excluir qualquer um deles.
Sabemos que diversas mulheres desempenharam, e desempenham, papéis muito relevantes na Igreja católica romana. Sem elas esta Igreja não seria o que é hoje. Pergunto: por que razão tem esta mesma Igreja tanta dificuldade em dar visibilidade às mulheres na atualidade? Por que razão foi retirada do grupo de trabalho respetivo, no Sínodo em curso, a questão do diaconato das mulheres?
[Tenho acompanhado atentamente os artigos do 7Margens sobre esta questão. Muito obrigada!]
Não se trata apenas da questão do diaconato das mulheres, mas de reconhecer que as mulheres são tão capazes como os homens, para assumirem outros ministérios. O que aliás já acontece noutras igrejas cristãs.
A ciência, tal como as sociedades em que vivemos, tem-nos mostrado que as mulheres são capazes; que não há qualquer razão, nem histórica, nem teológica, para que na Igreja católica romana as mulheres que sentem essas vocações nas suas comunidades, não possam ser consagradas como diaconisas, presbíteros, bispos, cardeais ou mesmo papas.
Pessoalmente não tenho qualquer aspiração a nenhum desses ministérios, mas enquanto este reconhecimento não acontecer, a um nível institucional, sinto-me discriminada, excluída desta Igreja.
A Igreja católica romana não terá futuro sem enfrentar este percurso de reflexão, de levar a sério e de forma radical o “TODOS! TODOS! TODOS!” do Papa Francisco nas JMJ, em Lisboa (2023). Não prevejo grandes avanços no que diz respeito ao reconhecimento da importância da sexualidade como uma dimensão essencial para a realização plena de todos os seres humanos. Digo o mesmo no que diz respeito à possibilidade, e vantagens (acrescento eu), do casamento dos padres. Acrescento ainda a dificuldade, quase impossibilidade, de discutir e considerar a importância de atribuir ministérios a mulheres que se sintam vocacionadas e preparadas para isso.
Sem uma visão completamente diferente, mais criativa, acolhedora e inclusiva, da que tem prevalecido até agora, de abertura e de respeito sobre estas temáticas, inspirada pelo Espírito Santo, mas também pelos atuais contributos das Ciências Sociais e Humanas, não haverá solução para a questão dos abusos sexuais na Igreja católica romana.
Neste momento, pessoalmente, sinto uma grande tristeza, mesmo mágoa, no que se refere à ausência de discussão destas temáticas neste Sínodo.
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"As mulheres na Igreja Católica de Roma, mas não só…" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU