10 Outubro 2024
Já se passou um ano desde o brutal ataque do Hamas contra o sul de Israel e desde o início da guerra punitiva contra os palestinos em Gaza. A possibilidade de uma convivência pacífica parece mais distante do que nunca.
A reportagem é de Francesca Cicardi, publicada por El Diário, 09-10-2024.
Um ano após os ataques do grupo islâmico Hamas em 7 de outubro, o medo, o ódio e o rancor ainda não se dissiparam em Israel, especialmente entre os familiares das mais de 1.200 vítimas fatais e dos reféns que permanecem em cativeiro até hoje.
“Não temos vida há um ano”, conta a mãe de uma das pessoas assassinadas no festival Nova, o local onde os agressores do Hamas mataram mais pessoas em 7 de outubro de 2023 – cerca de 400, e várias dezenas foram sequestradas. “Agora não sei por que estou vivendo”, acrescenta Ruth, que mora perto do kibutz Ofakim, no sul de Israel.
A mãe relata ao elDiario.es que seu filho Nir, de 23 anos, tentou escapar do festival Nova quando começaram a cair os foguetes que o Hamas lançou antes de iniciar seu assalto terrestre. “Ele entrou no carro e foi para casa. Mas quando saiu na estrada, os terroristas chegaram e mataram ele e sua namorada.” Um ano depois, Ruth diz que os palestinos tiveram “muitas oportunidades para a paz, mas as desperdiçaram” e “educaram seus filhos para odiar e matar” os israelenses.
“Eles não querem que estejamos aqui, mas esta é nossa terra, nosso país, e não vamos sair daqui”, afirma. Enquanto fala, ouvem-se os disparos de artilharia de Israel em direção a Gaza, mas a mulher de rosto pálido e olhos ausentes parece nem ouvi-los. Apesar de morar muito perto da Faixa, ela vive alheia ao massacre que seu Exército vem realizando há um ano, no qual morreram 42.000 palestinos e cerca de 100.000 ficaram feridos.
Medo e vulnerabilidade “O 7 de outubro representou uma sensação de muita vulnerabilidade”, diz ao elDiario.es o cientista político Dani Filc. “Essa sensação de medo e vulnerabilidade se transformou em uma sensação de ódio e necessidade de recorrer à força”, acrescenta. O especialista explica que essas sensações ainda não terminaram, porque dezenas de milhares de pessoas continuam evacuadas das áreas atacadas pelo Hamas no sul de Israel e também no norte, perto da fronteira com o Líbano; além disso, ainda há áreas do país em que as sirenes alertando sobre o lançamento de foguetes ou mísseis soam quase diariamente, e as pessoas precisam se abrigar.
“O 7 de outubro implodiu a ideia de que se pode ser um país europeu, um país ocidental com alto padrão de vida, ignorando a ocupação dos territórios palestinos e a falta de solução para os direitos dos palestinos”, diz Filc.
De acordo com o pesquisador da sociedade e política israelense, “o grau de barbárie do ataque influenciou muito” o ódio que se gerou após o 7 de outubro. Para que uma reconciliação entre os dois povos seja possível, Filc acredita que é necessário “chegar a um acordo para que a guerra em Gaza termine e todos os reféns sejam libertados em troca de prisioneiros palestinos; e criar um cenário em que outras forças palestinas que não defendam a destruição de Israel governem Gaza e se comprometam com a criação de um Estado palestino.”
Uma pesquisa publicada em 7 de outubro pelo Instituto para a Democracia Israelense (IDI) mostra que 45% dos judeus entrevistados acreditam que a guerra deve terminar, em comparação com 43% que acreditam que não. Mas os motivos dos primeiros diferem: 53% querem parar a guerra porque coloca os reféns em risco; 16% para que o Exército possa se concentrar na ofensiva contra o Líbano; e 14% porque a maioria dos objetivos já foi alcançada. O sofrimento dos habitantes de Gaza não figura entre as razões.
“Que façam com Gaza o que quiserem” Itzik Horn é um dos que apoiam um acordo de cessar-fogo para que seus dois filhos, sequestrados pelo Hamas, possam voltar para casa, mas não se importa que os bombardeios contra os habitantes de Gaza continuem depois: “Que haja um cessar-fogo, que libertem todos, e quando os reféns tiverem voltado, que façam com Gaza o que quiserem”, afirma em entrevista ao elDiario.es em Tel Aviv. Em relação aos presos palestinos que os sequestradores pedem em troca dos reféns, Horn os chama de “terroristas”, mas diz que sua libertação é “o preço que tem que ser pago”.
No entanto, como aponta o homem de 72 anos, “até o momento, não há negociações, não há nada sobre a mesa”. Os cerca de 150 reféns que foram libertados até agora o foram graças a um acordo entre Israel e o Hamas, com a mediação dos Estados Unidos, Egito e Catar. “Não sei quanto tempo mais eles vão ficar em Gaza e quantos vão sobreviver”, lamenta Horn, que acredita que seus filhos ainda estão vivos.
O pai de Iair (46 anos) e Eitan (38 anos) diz que sente uma “preocupação constante” por seus filhos e que não dorme há um ano, desde que foram sequestrados em 7 de outubro de 2023, no kibutz Nir Oz, no sul de Israel. “Meus filhos são cidadãos comuns, como a maioria dos sequestrados. Eles foram tirados de casa brutalmente e sequestrados.” Os dois irmãos estavam passando o fim de semana juntos na casa de Iair, no kibutz muito próximo à fronteira com Gaza. Horn falou com eles pela última vez na manhã do dia 7, e no dia seguinte soube que tinham sido sequestrados.
“Antes de 7 de outubro, fazíamos parte do campo da paz: convivência, dois Estados para dois povos, etc. Mas o que o Hamas fez foi uma traição”, afirma o homem, que acredita que os palestinos que trabalhavam nos kibutzim próximos a Gaza passaram informações de segurança dessas comunidades aos agressores. “Te dei de comer, te dei trabalho, e você me mata? Vai levar muitos anos para eu me reconciliar com a ideia dos dois Estados”, diz Horn, originário da Argentina, residente em Israel desde 2000.
Originário da Argentina e vivendo em Israel desde o ano 2000 junto com seus filhos, ele explica que sua família sempre confiou que o Governo e o Exército os protegeriam, mas no 7 de outubro do ano passado isso não aconteceu. “É preciso rever muitas coisas, tem que haver uma comissão de investigação que investigue desde o primeiro-ministro até todos os envolvidos nesse desastre”, afirma com firmeza.
“O primeiro que tem que assumir responsabilidades é o primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu)”, quem Horn acredita que já deveria ter renunciado há muito tempo. Mesmo assim, ele não pensa em deixar Israel: “Não há outro lugar onde eu esteja mais seguro do que no país dos judeus.”
Horn afirma que “este país não será o mesmo se os reféns não voltarem: os que estão vivos para serem reabilitados e os que já não estão para serem enterrados aqui”.
Uma reconciliação muito distante O professor Filc também acredita que o retorno dos reféns é fundamental, como um dos passos rumo à reconciliação entre os dois lados. Pôr fim à guerra e reconstruir a Faixa de Gaza também são. Em seguida, buscar uma fórmula de governo em Gaza que envolva a Autoridade Palestina de Mahmud Abbas e a comunidade internacional; posteriormente, estabelecer um Estado palestino independente.
“Só depois que o tempo passar, as feridas cicatrizarem e o que foi destruído for reconstruído, se poderá falar de um processo de reconciliação. Pode levar várias décadas”, afirma.
O cientista político diz que, primeiro, é necessário “pôr fim à guerra e às raízes da guerra: a ocupação de Gaza e da Cisjordânia e a falta de um Estado palestino”. Em segundo lugar, é preciso “neutralizar os setores no mundo islâmico para os quais a destruição do Estado de Israel é uma meta ideológica, não relacionada à situação dos palestinos”. Em sua opinião, é a comunidade internacional que deve encontrar formas de “neutralizar a ameaça” representada por esses grupos, como os houthis do Iêmen ou o Hezbollah no Líbano.
No entanto, para que tudo isso aconteça, “será imprescindível uma mudança de governo em Israel”, acrescenta Filc. Netanyahu se opõe frontalmente à criação de um Estado palestino e, por isso, tem se enfrentado aos países que nos últimos doze meses reconheceram a Palestina, entre eles, a Espanha. O especialista afirma que amplos setores da população saíram às ruas contra o governo. Mas eles não protestaram contra o massacre que está sendo cometido em Gaza.
No sábado, milhares de pessoas se manifestaram em todo o país para pedir o retorno dos reféns para casa, como em todos os sábados dos últimos doze meses. Em Jerusalém, os slogans e cartazes a favor da paz eram pouco visíveis em meio a muitas bandeiras israelenses e amarelas, cor que simboliza os reféns.
Uma mulher de meia-idade distribuía adesivos em que se lia em hebraico e árabe “sim à paz”, mas ela mesma admitia em uma conversa com este jornal que seu grupo era uma minoria, apontando para outras mulheres com camisetas e cartazes roxos com o mesmo lema. Sem querer dizer seu nome, a mulher afirmou que a maioria dos participantes da manifestação só queria a libertação dos reféns.
O setor pacifista e que defende a convivência com os palestinos foi reduzido neste último ano e desde a chegada ao poder de Netanyahu, em 2022, que lidera o governo mais ultranacionalista da história de Israel. Segundo a pesquisa do IDI, 61% dos judeus acreditam que os palestinos não têm direito a um Estado; da mesma forma, 83% dos entrevistados dessa religião consideram que a conduta do Exército israelense na guerra foi ética, o que indica que não conhecem ou não reconhecem os abusos cometidos pelos militares em Gaza, denunciados e documentados pelas Nações Unidas.
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"Que façam com Gaza o que quiserem": muitos israelenses vivem alheios ao sofrimento dos palestinos após um ano de genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU