24 Setembro 2024
"Por enquanto, podemos observar que, após o massacre realizado pelo Hamas em 7 de outubro, o primeiro-ministro israelense ganhou para si um lugar na história como o responsável por uma das guerras mais sangrentas deste início de século", escreve Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 19-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Essa é uma dança macabra. Para Netanyahu está tudo claro, talvez um pouco menos para seus aliados e inimigos: enquanto houver guerra e escorrer sangue, ele permanecerá no poder, inclusive com o apoio estadunidense e ocidental.
Ele não pode errar os passos e os tempos.
Entenderemos nas próximas horas - a começar pelo discurso de hoje do chefe do Hezbollah, Nasrallah - se o massacre com os pagers, e ontem também com os walkie talkies, no Líbano e na Síria, foi conduzido com o raciocínio lúcido e criminoso que normalmente orienta suas ações.
O primeiro-ministro israelense não quer nenhuma trégua em Gaza e na região, onde os palestinos lembram o aniversário do massacre de civis em Sabra e Shatila, em Beirute, de 18-09-1982. Neste verão sangrento, Netanyahu tem rejeitado constantemente o plano de Biden apresentado em 31 de maio passado. E mesmo que o aceitasse, com o Hamas disposto a concordar com a presença militar israelense por um determinado período de tempo, certamente encontraria um jeito de rompê-lo com uma provocação a cada momento.
Mas Gaza não é suficiente e ele precisa de uma guerra mais ampla nas fronteiras com o Líbano e, talvez, com o Irã, para se manter no poder pelo menos até que o novo presidente dos EUA assuma o cargo no próximo ano e depois. Na verdade, ele já tem uma justificativa pronta: o retorno de mais de 60.000 israelenses deslocados da Alta Galileia - quando é que poderão voltar depois desse último espetáculo de sangue no Líbano? Assim como a presença dos reféns em Gaza, para ele, não são um motivo para salvá-los com uma negociação, mas a motivação para continuar a guerra. Ao primeiro-ministro israelense não interessa salvar a vida de ninguém, mas apenas mover os israelenses como peões de seu poder.
Uma guerra ampla no Líbano e contra o eixo xiita formado por Teerã, Síria, milícias iraquianas e os houthis do Iêmen forçaria os EUA e o Ocidente a ficar do lado dele. É claro que Netanyahu se esforçou ao máximo para ter um conflito alargado. O assassinato por Israel de um importante líder militar do Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute, e o assassinato em Teerã de Ismail Haniyeh, o negociador-chefe do Hamas, marcaram a violação de todas as “linhas vermelhas”.
Mas o que os Estados Unidos fizeram para evitar serem arrastados para um conflito no meio de um ano eleitoral? Na mesa ficou um plano Biden, no qual poucos agora acreditam. Mas, acima de tudo, os EUA continuaram a entregar bilhões de dólares em armas e ajudas ao governo israelense. Em vez de conter Netanyahu, o incentivaram.
A dança macabra de Netanyahu não é apenas um trágico passo a dois entre o primeiro-ministro e o chamado “eixo da resistência”. Envolve todos os Estados da região com vários interesses. Um país da OTAN como a Turquia que abriga os escritórios do Hamas. E outros aliados do Ocidente, incluindo aquelas monarquias árabes que Washington quer alistar no Acordo de Abraão (apresentado por Trump e continuado por Biden), em primeiro lugar a Arábia Saudita, guardiã dos lugares sagrados do Islã: uma derrota da coalizão xiita também seria o sinal verde para a adesão de Riad.
Mas será que o “eixo da resistência” realmente deseja um conflito regional? Até agora, os sinais que vieram de Beirute e Teerã indicam o contrário. O Hezbollah, em um Líbano dividido e mergulhado em uma crise econômica, está inclinado a continuar uma guerra de desgaste nas fronteiras com Israel, e a liderança iraniana sabe que um conflito ampliado poderia representar uma ameaça à própria sobrevivência do sistema dos aiatolás e da república islâmica. Mas há um problema, como observou o jornalista israelense Nahum Barnea no Yedioth Ahronot: “O principal objetivo de Netanyahu é arrastar o governo dos EUA para uma guerra contra o Irã, como ele vem tentando fazer desde 2010. É a missão de sua vida, aquela que pode lhe garantir um lugar na história e a vitória total”.
Por enquanto, podemos observar que, após o massacre realizado pelo Hamas em 7 de outubro, o primeiro-ministro israelense ganhou para si um lugar na história como o responsável por uma das guerras mais sangrentas deste início de século.
De acordo com o Haaretz, o número de mortos em Gaza, mais de 45.000 até o momento, levou à eliminação de mais de 2% da população em menos de um ano. Para efeito de comparação, a guerra da Síria (2011-2024) causou 400 mil mortes, ou seja, 2% de seus habitantes. Quanto aos EUA que atacaram o Iraque em 20-03-2003, aquela guerra, de acordo com um estudo da Brown University que calcula a duração até 2020, causou entre 550.000 e 584.000 mortos, cerca de 5% da população iraquiana. Como começou aquele conflito deveria ser lembrado por todos. Com um gesto teatral na ONU, quando o secretário de Estado americano mostrou um frasco contendo um pó branco: era a prova de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa que nunca foram encontradas.
Tudo começou, portanto, com uma mentira. Agora só temos que esperar com que mentira Netanyahu, os EUA e nós mesmos, europeus, aceitaremos e justificaremos o dar início à última dança macabra no Oriente Médio.
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A dança macabra de Netanyahu. Artigo de Alberto Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU