17 Mai 2024
"Eu creio que por enquanto a Igreja seja chamada a dar 'essa' resposta (sobre o diaconato feminino), deixando aos crentes do futuro a capacidade e a possibilidade de discernir o que será mais adequado. A Igreja deve e terá que fazê-lo, tentando implementar procedimentos", escreve Giuseppe Guglielmi, presbítero e professor de Teologia Fundamental na Faculdade de Teologia da Itália Meridional, seção San Luigi, em Nápoles, em artigo publicado por Settimana News, 16-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Agradeço a Settimana News porque constitui um lugar de discussão teológica sem “certificações”, patrocinadores institucionais, reconhecimento de bastidores. Isso garante que podemos ir zu den Sachen selbst, às coisas elas mesmas!
Também eu tentarei dizer algo a partir do debate em curso entre Massimo Nardello e Andrea Grillo sobre o diaconato feminino. Sou a favor do diaconato feminino e sem “preconceitos” como: sim, mas delimitando a sua concepção e as suas tarefas, para evitar depois passar a outros graus do sacerdócio. Eu, pelo contrário, creio que por enquanto a Igreja seja chamada a dar “essa” resposta, deixando aos crentes do futuro a capacidade e a possibilidade de discernir o que será mais adequado. A Igreja deve e terá que fazê-lo, tentando implementar procedimentos. Gostaria apenas de acrescentar que, a esse respeito, o Direito Canônico (quem o teria pensado no pontificado do Papa Francisco) está se tornando o grande (não único) convidado.
No que diz respeito ao debate, gostaria de referir algumas posições de Nardello que, creio, requerem um maior aprofundamento. Em primeiro lugar, acredito que Massimo coloca a Escritura e a tradição como uma espécie de barreira (normatividade) em relação às instâncias culturais. E é justamente esse pressuposto que precisa ser “desconstruído”. Usei propositalmente esse termo, muito caro, por exemplo, ao teólogo Pierre Gisel, porque não creio que seja um termo a ser proibido na teologia. Desconstruir significa desmontar, compreender, conectar, tendo em mente as relações de força (poder), as instâncias e valores que levam a determinadas escolhas (um presente) e os desejos de legitimação (política). Essa não é uma operação vergonhosa.
Desconstruir não significa aniquilar; significa raciocinar. Quanto à tradição, significa mostrar os incontornáveis pressupostos culturais através dos quais o Espírito fala às igrejas. A tradição resulta uma construção que parte de vários fatores. Uma construção que por sua vez faz história porque une e cria identidade. Eu disse “liga” e “cria”, precisamente para sublinhar que a tradição não é um meteorito que vem do céu, nem um fato com o qual colidimos. Para quem pensa: sendo uma construção, então é falsa; devo responder-lhe que dizer “falso” pressupõe que exista um verdadeiro no sentido de “exterior”, não feito por mãos humanas.
Há algum tempo venho trabalhando nos fatores que fundamentam as tradições (um meu livro sobre esse assunto será publicado nos próximos meses). Pois bem, entrando em diálogo com teólogos do calibre de Ruggieri, Theobald, Seewald, Gisel, Grillo, historiadores como Certeau, e sobretudo filósofos como Nietzsche e Foucault, compreendo bem como a tradição constitui “um gesto fundamentalmente histórico” (Gisel). Um gesto através do qual podemos finalmente conceber as continuidades não mais (ou não tanto) como descobertas históricas, mas sim como produções de sentido dentro de descontinuidades de tempos, mentalidades e crenças. Gostaria de dizer muitas coisas sobre isso, mas não vou me alongar e passarei à segunda consideração.
A segunda questão que o debate entre Nardello e Grillo destaca diz respeito, a meu ver, à hermenêutica da história na teologia. Contudo, gostaria de fazer dois esclarecimentos.
Primeiro, eu não disse uma “correta” hermenêutica da história. Confesso que sinto uma certa impaciência quando ouço teólogos usarem adjetivos qualificativos. Os conceitos não se reforçam com os adjetivos, mas com as argumentações. Portanto, ninguém está dizendo que temos que conversar ao acaso. Não gosto da teologia dos slogans e tento, na medida do possível, não cair nessa armadilha.
Um segundo adendo. Quando falo da hermenêutica da história na teologia, não me refiro às imitações (cópias tortas e amansadas) da filosofia da história de um Vico, de um Schelling ou de um Hegel, das quais uma certa literatura teológica deu provas até cerca de vinte anos atrás. Por história entendo, como diria Lonergan, aquela vivida, que é depois narrada e interpretada criticamente pela historiografia. Não é uma história especulativa (metafísica), ou seja, na qual os jogos são feitos de saída. Mas também não posso me delongar nesse ponto.
Feitos esses dois esclarecimentos, posso dizer de imediato que a questão de uma hermenêutica da história na teologia foi abordada, a meu ver de forma séria e convincente, por Giuseppe Ruggieri durante a sua longa pesquisa. O teólogo siciliano explicita-a sobretudo (mas não só) quando aborda o problema da essência e/ou da verdade do cristianismo [1]. Estudando o uso do termo “verdade” do cristianismo, ele admite qual foi o resultado final: a adequação do cristianismo à sua dimensão dogmática.
A esse respeito escreve: “a dialética, entre a hegemonia doutrinal do cristianismo, por um lado, e a sua dimensão vivida de imitação de Cristo, por outro, constitui um dos motivos subjacentes da história cristã e insere-se como um espinho dilacerante”. [2]. Mais adiante, Ruggieri explica que “as fontes manifestam sempre um dinamismo dialético da experiência cristã, por isso ela nunca se adequa o que recebeu”. Portanto “o problema da ‘verdade’ do cristianismo não pode ser resolvido de forma adequada, conceitual ou institucionalmente [...] A história viu a multiplicação de muitas regras, definições, estruturas para resolver o próprio problema. Mas a verdade escapa à tentativa" [3].
Precisamente ligando-me a essa caracterização da verdade cristã, creio que seja necessário trabalhar para uma recompreensão do magistério, pelo menos na sua formulação após o motu próprio Ad tuendam fidem (1998). Estou obviamente falando daquele magistério que por conveniência chamo de "definitivo", isso é, relativo (como dizem os documentos) àquelas doutrinas pertencentes ao campo dogmático ou moral que, embora não reveladas formalmente, são consideradas necessárias para salvaguardar fielmente e expor o depósito da fé [4]. Em suma, para quem entende a teologia no binômio produtivo de vocação/profissão (Berufung) há muito a fazer!
[1] Como faz com toda questão teológica, Ruggieri tenta evidenciar o background histórico e cultural da questão. Através dessa “história dos conceitos” (Begriffsgeschichte) ou "história das ideias” teológicas, Ruggieri, no entanto, não está fazendo aquela que, escolástica/manualisticamente, em teologia é definida como a "parte histórica", ou seja, uma parte ainda não propriamente teológica, mas simplesmente preâmbulo (e subserviente) a uma “sistemática”. Isso porque a história não representa o contorno de uma verdade conhecida, mas “forja” aquele problema. Portanto, o tipo de teologia que se produz depende também do peso dado a esse lugar generativo. Acrescentaria que em relação a essa história da teologia e dos seus conceitos, Ruggieri deu o seu melhor nos escritos da década de 1990. Veja-se, por exemplo, aqueles termos que geralmente aparecem como óbvios pontos de partida na teologia: “revelação”, “credibilidade”, “doutrina”, etc., mas que na realidade nascem em contextos específicos e trazem consigo um tal mundo (disputas, violências, acordos, compromissos, reticências). Sem falar na desconstrução que Ruggieri ofereceu em relação às “cidadelas disciplinares” (especificamente a teologia fundamental).
[2] G. Ruggieri, Cristianesimo, chiese e vangelo, Il Mulino, Bologna 2002, 44.
[3] Ib., 65.
[4] Cf. J.-F. Chiron, L’infaillibilité et son objet. L’autorité du magistère infaillible de l’Église s’étend-elle aux vérités non révélées?, Paris, Cerf, 1999. Sobre a discussão aberta pelo motu proprio Ad tuendam fidem, ver a íntegra do número “Cristianesimo nella storia” 21 (2000), com contribuições de G. Alberigo, J.P. Boyle, J. Gaudemet, P. Hünermann, J. Komonchak, A. Melloni, D. Menozzi, G. Ruggieri, S. Scatena e C. Theobald.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sobre o diaconato para as mulheres: algumas questões do debate - Instituto Humanitas Unisinos - IHU