09 Agosto 2023
"Tendo em mente essas (sumárias) indicações epistemológicas, creio que a teologia é chamada a uma função crítica capaz de abrir diferenças, desníveis, no que diz respeito a uma homogeneidade da tradição que, na realidade, é mais um pressuposto do imaginário católico do que uma situação efetiva. E é precisamente para evitar essa armadilha que a teologia deve empreender uma reflexão ao mesmo tempo historiográfica e teórica", escreve Giuseppe Guglielmi, presbítero e professor de Teologia Fundamental na Faculdade de Teologia da Itália Meridional, seção San Luigi, em Nápoles, em artigo publicado por Settimana News, 04-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Aproveito a interessante troca de opiniões ocorrida entre meus colegas Ferrario, Lorizio e Grillo sobre o ministério sacerdotal e os temas a ele relacionados (poder, sacralidade/sacramentalidade, visão ontológica ou funcional), não tanto para voltar ao assunto, mas para fazer uma ressalva sobre a referência ao Vaticano II.
Considero que a teologia deve ser uma ciência "crítica" capaz de articular uma experiência (o seguimento de Jesus) dentro de um horizonte cultural (presente). O contexto gerador é, portanto, aquele experiencial (a verdade do evangelho) a partir do qual é preciso se deixar "disciplinar" (discernimento) em vez de disciplinar (doutrinarismo).
Tendo em mente essas (sumárias) indicações epistemológicas, creio que a teologia é chamada a uma função crítica capaz de abrir diferenças, desníveis, no que diz respeito a uma homogeneidade da tradição que, na realidade, é mais um pressuposto do imaginário católico do que uma situação efetiva. E é precisamente para evitar essa armadilha que a teologia deve empreender uma reflexão ao mesmo tempo historiográfica e teórica.
Assim chegamos ao Vaticano II. Muitas vezes, em nossas discussões teológicas e eclesiais, quando nos posicionamos sobre determinado problema, nos referimos ao Vaticano II e, dependendo do caso, falamos de um concílio que foi traído ou vivido de forma coerente. Quando consideramos que o Concílio foi traído, dizemos que não acompanhamos as suas indicações, que a nossa práxis se fechou sobre si mesma, que nos deixamos cativar por nostalgias do passado, etc. Por favor, não estou dizendo que isso também não seja verdade. Mas o nosso exercício crítico deveria nos permitir dar um passo adiante.
O Vaticano II não é um evento que cai do céu. Nele, como em toda convocação sinodal, se faz presente (reapresentatio) o Senhor, mas isso não acontece apesar da humanidade dos participantes, mas justamente a partir de tal dinâmica (compromissos, acordos, retratações).
Ora, o concílio, em sua "materialidade" de evento (textos das comissões, intervenções nas salas, textos aprovados, diários dos participantes, etc.) está grosso modo diante de nós. O que não está diante de nós, e que, portanto, não constitui uma espécie de objetividade ocular, são as suas interpretações e recepções.
No entanto, quando falo das recepções do Concílio, não me refiro apenas às "externas", mas também às "internas", ou seja, aquelas expressas pelo próprio magistério eclesiástico posterior. Theobald, por exemplo, lembra o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 e se pergunta se não constitui uma mudança de marcha em relação a algumas intenções conciliares (ênfase na continuidade, pedido de catecismo, crítica ao pós-concílio).
A “oficina bolonhesa” (Alberigo, Ruggieri, Melloni) vê em vários documentos pós-conciliares uma virada para uma concepção doutrinarista da verdade (evangelho) em relação a uma apresentação histórica, vital e relacional expressa no concílio (não apenas Dei Verbum).
Como a divulgação teológica demonstrou amplamente nas últimas décadas, dentro do próprio magistério eclesial e dos pontificados que se sucederam ao longo do tempo, estão presentes vários posicionamentos em relação ao concílio. Em alguns casos diretamente, em muitos outros casos indiretamente.
Vamos tomar o exemplo de LG 25 que trata do tema do magistério. Uma série de documentos posteriores ao Concílio Vaticano II ofereceu uma leitura "extensiva" do texto (graças ao uso do termo definitivus, tanto na forma adjetival como adverbial) de modo a incluir aquilo que somente em 1998 (motu próprio Ad tuendam fidem), tornar-se-á oficialmente o magistério “definitivo”.[1]
As perguntas que, portanto, o teólogo (que a meu ver não pode deixar de ser um historiador do dogma) deve se por são:
Cada um tem suas opções (valores centrais), até o teólogo! Esses posicionamentos devem ser reconhecidos, articulados e confrontados, num espírito de colaboração e respeito mútuo. Ao contrário, muitas vezes tenho a impressão de que a teologia católica queira evitar tudo isso, caindo a todo custo numa espécie de leitura "linear". Mas creio que aquele inveterado "et... et" hoje convence cada vez menos não só os estudiosos das ciências histórico-sociais, mas também os próprios atores eclesiais (leigos, padres, bispos) independentemente de suas opções.
[1] Sobre o magistério definitivo, remeto ao meu artigo na SettimanaNews, “Magistério, modernidade e reforma”.
[2] Quanto ao magistério definitivo, veja-se a modificação na versão latina de 1997 (n. 88).
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O teólogo é capaz de abrir divergências? Artigo de Giuseppe Guglielmi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU