Magistério, modernidade e reforma

Foto: Tama66 | Igreja

17 Dezembro 2022

É preciso fazer teologia conscientes da carga de história com a qual estamos tecidos e das preocupações do presente em que o Evangelho do Reino pede para ser vivido. Uma tarefa que requer capacidade de argumentação crítica, no reconhecimento – para além das ideias e das orientações diferentes em nível eclesial e teológico – de ter de responder sempre a um presente, sem referências a momentos ideais ou a épocas normativas, a desenvolvimentos lineares e a processos irreversíveis.

O comentário é de Giuseppe Guglielmi, presbítero e professor de Teologia Fundamental na Faculdade de Teologia da Itália Meridional, seção San Luigi (Nápoles), em artigo publicado por Settimana News, 08-12-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Michael Seewald, nascido em 1987, é um jovem teólogo e historiador do dogma da Universidade de Münster, que já tem várias publicações em seu nome, duas das quais foram traduzidas para o italiano [1]. O volume sobre o qual nos detemos brevemente, intitulado “Riforma. Quando la Chiesa si pensa altrimenti” [2], apresenta um interessante exame do magistério eclesiástico e dos dispositivos epistemológicos subjacentes a essa prática discursiva.

Capa do livro "Riforma. Quando la Chiesa si pensa altrimenti" de Michael Seewald. (Foto: divulgação)

O esforço feito por esse teólogo consiste em uma historicização do dogma. Ele considera (e nós com ele) que tal empreendimento é necessário para uma teologia que pretenda ser cada vez mais consciente da necessária pertença tanto do magistério eclesial quanto da tradição cristã a um horizonte cultural.

Por outro lado, é somente por meio dessa leitura que é possível reconhecer que o quadro dogmático estabelecido pelo magistério representa “apenas uma das formas que a fé católica pode assumir; é uma forma determinada historicamente, mas não a única possível” (p. 9) [3].

No entanto, falar de formação histórica do dogma pode permanecer uma afirmação genérica e não isenta de mal-entendidos. Para aquelas pessoas que, por exemplo, pressupõem que a tradição cristã emerge de uma origem nítida e se desenvolve em um progresso histórico sem acidentes, esse estudo causará mais irritação do que interrogações.

Sobre esse ponto é o próprio Seewald quem deixa claro desde o início que a sua abordagem só pode ser reconhecida por “quem está disposto a historicizar a sua própria posição teológica – ou pelo menos tenta fazê-lo, já que nunca será possível fazê-lo por completo, pois cada um faz parte da história que tenta interpretar” (pp. 9-10).

Com efeito, entrar em um regime de historicidade significa tomar consciência da relatividade do próprio ponto de vista e, portanto, assumir uma atitude de revisão permanente. Quanto ao magistério eclesiástico e ao saber teológico, dar conta dessa tarefa implica tematizar algumas questões.

Magistério e modernidade

Seewald convida a não ler a relação entre modernidade e tradição em sentido meramente opositivo e, portanto, a não atribuir à modernidade unicamente a causa de uma ruptura entre a tradição institucional e a bagagem de fé do indivíduo. De fato, tal concepção veicula um modelo simplista e também dicotômico de tradição: por um lado, haveria uma tradição única, contínua e objetiva, tutelada pela autoridade religiosa; por outro, uma tradição parcial e subjetiva, por ser fruto de apropriação e seleção pessoal.

Gostaria de acrescentar que se trata de uma ingenuidade (mas até que ponto?) evidenciada também por teólogos como C. Theobald, P. Gisel e A. Grillo [4]. Por sua vez, Seewald especifica que o magistério não pode ser entendido como uma espécie de recipiente que recolhe e transmite uma tradição já bela e pronta. Ao contrário, o magistério constrói a tradição da qual se faz garantia. Com as suas decisões, de fato, a Igreja seleciona, entre uma pluralidade de doutrinas possíveis, apenas algumas, que, assim, se tornam reais [5].

Em outras palavras, a ortodoxia se constitui como um conjunto de possibilidades realizadas. Em relação àquilo que é excluído, permanece no estado de pura possibilidade. Portanto, professar doutrinas que foram excluídas é entrar na heterodoxia [6]. A tradição, que à primeira vista parece ser simplesmente arrastada por uma instituição, portanto, também deve ser percebida – assim como sua apropriação por parte do indivíduo – como um conjunto de desvios e de retomadas.

Não é possível recordar aqui as etapas principais da constituição moderna do dogma retomadas no texto. Em síntese, dizemos que, na era moderna, o ensino dogmático se apresenta nos termos de uma decisão jurídica, assumindo a forma de uma proposição de autoridade que pretende ser uma interpretação correta da revelação (objeto primário; cf. Dei Filius, in ES 3011). Os dois sujeitos dos ensinamentos dogmáticos (magistério infalível) são a totalidade dos bispos e o papa (cf. LG 25). Tal ensinamento é exercido na forma extraordinária e ordinária dos bispos unidos ao papa e na forma extraordinária do pontífice sozinho (ex cathedra/primacial).

Seewald se detém sobre a estrutura do magistério infalível, evidenciando sua gestação moderna. Tal magistério “tinha o objetivo de apresentar o ensinamento da Igreja sob a forma de doutrina dogmática, isto é, propondo-a em forma decisória e sancionada pela autoridade” (p. 57). Essa forma de magistério já é, portanto, um índice do fato de que a própria Igreja assumiu os modelos sociopolíticos da modernidade. Mas se tratou de uma assunção “estratégica” – afirma Seewald repetidamente – no sentido de que a Igreja concedeu um privilégio àqueles aspectos da modernidade funcionais ao exercício de seu poder, enquanto barrou o caminho para outras pretensões.

E é justamente dentro desse clima estratégico que o teólogo alemão relê o caso limite do magistério ordinário do pontífice romano (por exemplo, as “encíclicas”). Ele “tinha por objetivo dar ao papa aqueles poderes e aquela autoridade de que ele precisava para estar estrategicamente à altura da modernidade e da sua pressão decisória, sem, no entanto, ter de se conformar no nível normativo com o papel central que a Modernidade reconhecia à competência decisória do indivíduo no campo religioso” (p. 58).

O contexto teológico da criação de um magistério ordinário do papa pode ser datado de meados do século XIX (K. Kleutgen e o embate com J. B. Hirscher), e o debate sobre seu caráter vinculante é atestado na Tuas liberter de Pio IX e na Humani generis de Pio XII. O Vaticano I estabeleceu a necessidade de um actus fidei divinae et catholicae não só em relação ao magistério extraordinário, mas também ao ordinário (cf. ES 3011). Sobre este último ponto, porém, acrescenta Seewald, não ficou especificado se tal magistério ordinário se referia unicamente ao dos bispos unidos ao papa ou também ao magistério do pontífice romano sozinho [7].

Isso explica por que a questão do magistério ordinário do papa deu origem a diversos debates. O fato – conclui Seewald – é que “a infalibilidade não está estabelecida na normativa canônica atualmente vigente” (p. 17), embora, arrisca o autor, “os papas não desaprovassem a ideia de poder fazer afirmações definitivas e pôr fim às disputas mesmo sem empregar a forma solene do próprio poder” (p. 18).

Um desequilíbrio no plano jurídico: o caso do magistério definitivo

O Vaticano I, portanto, não estabeleceu se o magistério ordinário do papa tinha o caráter de infalibilidade. Nem mesmo o Vaticano II fez afirmações nesse sentido. Além disso, observa Seewald, os Padres conciliares também rejeitaram a posição contida no esquema De Ecclesia (23 de novembro de 1962), segundo a qual o objeto do magistério infalível também devia ser estendido ao âmbito da natureza humana (o não revelado) e, mais especificamente, da razão. Estamos aqui no âmbito do chamado “objeto secundário” do magistério.

Mas, aparentemente, tal aspiração continuou sendo cultivada, se considerarmos que, como rio cárstico, ressurgiu nas décadas seguintes. De fato, a partir do fim dos anos 1980, assistiu-se à introdução daquilo que hoje se costuma chamar de magistério “definitivo”, ratificado em última instância por João Paulo II com o motu proprio Ad tuendam fidem (1998). Com base na atual configuração jurídica, esse magistério se situa em um segundo nível, porque segue o infalível e precede o autêntico.

Seewald não o qualifica nesses termos, preferindo falar de magistério que se refere ao que não está contido na revelação (objeto secundário) [8]. O teólogo de Münster observa que, com o magistério definitivo, cria-se um novo conceito de dogma, não mais ligado exclusivamente à revelação. “Agora as doutrinas pertencentes ao objeto secundário também podem se tornar dogmas, que não são consideradas pelo próprio magistério como reveladas, mas apenas ligadas ao depósito da revelação” (p. 74).

A implicação desse enrijecimento do magistério eclesiástico foi a configuração da Igreja em sentido mais jurídico (autoridade jurídica) do que testemunhal (autoridade epistêmica). Insistindo no modo apodítico com que tais decisões são apresentadas e, portanto, na observância (de fide tenenda) a ser prestada a elas, o magistério foi se desequilibrando em favor da função de ensinar (docendi) em vez de aprender (discendi). Esse desequilíbrio – observa Seewald – prejudicou sua capacidade de autocompreensão crítica: o magistério tornou-se cada vez mais incapaz de reconhecer os próprios erros, as próprias fragilidades e de admitir a oportunidade de mudar de orientação. Ocultar as descontinuidades tornou-se assim sua preocupação constante.

Sob o véu das continuidades: três tipos de desenvolvimento dogmático

Seewald pretende, então, proceder a uma desconstrução daquela que ele estigmatiza como uma “cosmética da continuidade” (p. 88), destacando algumas mudanças implementadas pelo magistério nos últimos séculos. Em síntese extrema, ele identifica três modelos principais de desenvolvimento dogmático, a cada um dos quais ele dedica um ou dois casos específicos.

O primeiro modelo é o da autocorreção explícita: a Igreja declara abertamente que está revogando aquilo que havia estabelecido anteriormente [9]. Mas a autocorreção (e assim chegamos ao segundo modelo) tem sido o menos praticado entre os processos de desenvolvimento dogmático. Com efeito, ao expor o ensinamento da Igreja à conflitualidade, põe em discussão aquela aura de imutabilidade com que se costuma ornamentá-la.

Por esse motivo, preferiu-se outro tipo de desenvolvimento dogmático, o do esquecimento. Isto é, trata-se de “introduzir correções doutrinais recorrendo conscientemente ao esquecimento” (p. 105), ou seja, na esperança de que ninguém se lembre das posições anteriores da Igreja sobre a mesma matéria [10].

Em relação a esse segundo modelo de desenvolvimento, Seewald não esconde suas críticas. Ao evitar uma autocorreção explícita, a Igreja corre o risco de perder sua pretensão de ser uma instituição de sentido. Esconder os próprios movimentos prejudica uma Igreja que pretende ser credível em nível sociocultural e entrar no debate público (autoridade epistémica).

Por fim, para Seewald há também uma terceira modalidade de desenvolvimento dogmático. Trata-se da ocultação da inovação. Na prática, a Igreja defende fortemente uma posição, mas não diz que pode fazer isso devido ao fato de ter se corrigido recentemente sobre tal questão [11].

Na minha opinião, esses três modelos de desenvolvimento dogmático que só pudemos mencionar, demonstram um dado fundamental: o magistério, assim como qualquer outra forma de comunicação da fé e, mais em geral, de qualquer outra prática discursiva, pode ser comparado a um tecido sobre qual é bordado um desenho. O que se vê prima facie é obviamente o desenho. É preciso virar o tecido para ler os traços de uma costura feita de cesuras, retomadas, adereços. É justamente essa tortuosidade que constitui a linearidade dos efeitos de superfície.

Continuidade da Igreja ou de suas proposições doutrinais?

Para manter proveitosamente em tensão a “continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos deu” (Bento XVI) [12], na descontinuidade vivida ao longo de sua história, é necessário – para Seewald – alavancar a indefectibilidade da Igreja (continuidade material) e não a ideia da indefectibilidade das normas doutrinais. De fato, estas estão historicamente situadas (respondem à sacramentalidade da revelação) e são confiadas à Igreja.

Por isso, quando a Igreja não consegue mais apresentar de modo credível seu ensinamento como Evangelho, deve fazer uma mudança. Mas isso significa, continua Seewald, que “o desenvolvimento dogmático não deve ser pensado como uma adição contínua de novas peças a um edifício ou como um crescimento numérico de decisões dogmáticas, mas inclui o aspecto da correção do conteúdo dogmático” (p. 160) [13].

Como considero essa última observação de Seewald muito importante, tentarei voltar a ela com algumas observações minhas. Ao estudar o desenvolvimento do dogma, é preciso investigar criticamente as regras que regem as formações discursivas, denominar os procedimentos internos aos discursos, assim como identificar os princípios que classificam, ordenam e distribuem. Foi o que fizeram alguns estudiosos contemporâneos, que insistiram na necessidade de trazer à tona procedimentos como o “comentário” (Foucault), o “sistema cumulativo” (Theobald), as “cristalizações” (Gisel).

A meu ver, trata-se de procedimentos que obedecem ao dispositivo geral segundo o qual essentia involvit existsiam, ou seja, aquele dispositivo que estabelece um quadro harmonizador e totalizante dentro do qual devem ser inseridos os eventos. Os acontecimentos da história, assim como peças, receberiam, portanto, seu significado dentro de um mosaico maior já constituído e normalizante. Porém, o que aqui fica fragilizado é justamente a historicidade da própria fé, que nem sempre se contenta em reformular o mesmo conteúdo com outras palavras, mas exige também a abertura a novas compreensões e, em troca, a eventual correção de algumas formulações.

Consciência e discernimento: por uma Igreja sinodal

A leitura desse livro me leva a evidenciar pelo menos dois estímulos que o empreendimento teórico de Seewald oferece ao debate teológico.

O primeiro input é reconhecer (em termos de consciência) a modernidade da Igreja. Seewald considera que uma posição antimoderna é, mesmo assim, um projeto moderno. Slogans como: “A Igreja deve se modernizar” são, nesse caso, ambíguos. Associar reforma e modernização é enganoso, porque a Igreja, escreve Seewald, “já é moderna”! No máximo, é preciso se perguntar “se a modernização da Igreja Católica implementada até agora foi bem-sucedida ou se, pelo contrário, há motivos para situar a fé cristã no tempo presente segundo um perfil diferente daquele implementado até agora. Somente por meio de uma historicização desse tipo é possível superar o contraste desgastado entre um status quo repleto de normas, por um lado, e projetos de reforma que dele se distanciam, apresentando-se como suportas formas de rebelião, por outro. De fato, o status quo magisterial, que na Igreja Católica se cerca de bom grado da aura de ‘sempre foi assim’, observado de modo mais atento, é, na realidade, relativamente novo e remonta, se pensarmos por exemplo no desenvolvimento do conceito de dogma sob João Paulo II, a um passado recente” (p. 77).

Daí a tarefa futura que eu identifico nesse programa: a de fazer teologia conscientes da carga de história com a qual estamos tecidos e das preocupações do presente em que o Evangelho do Reino pede para ser vivido. Uma tarefa que requer capacidade de argumentação crítica, no reconhecimento – para além das ideias e das orientações diferentes em nível eclesial e teológico – de ter de responder sempre a um presente, sem referências a momentos ideais ou a épocas normativas, a desenvolvimentos lineares e a processos irreversíveis.

Por trás dos discursos envoltos em continuidade, como o próprio Seewald mostra nesse estudo, na maioria das vezes há preocupações não declaradas de obter estabilidade no presente e a necessidade de se perpetuar, ao invés de efetivas implicações historiográficas e de fé vivida. A continuidade, longe de significar o fato de estar bloqueado em uma arquitetura doutrinal, deve ser entendida como um fenômeno eclesial. Isso significa que a Igreja deve viver continuamente uma atitude de reforma, no sentido de “dar forma” à sua missão segundo a mensagem do Evangelho.

Só se tivermos em mente essa exigência, é que compreenderemos a necessidade de uma correção também em nível dogmático. Isso não significa, acrescenta Seewald, que a Igreja deva mudar “de qualquer maneira”. Mas que, mesmo quando se considera permanecer firme em algo, uma Igreja que se pensa de outra forma deve fazer isso passando por um debate argumentativo e não “com base no grau da ordem sagrada” (p. 183).

Em última análise, esse ensaio pode nos ajudar a compreender o significado de uma Igreja sinodal, ou seja, de uma Igreja que pretende fazer do discernimento e da consciência seu eixo central. De fato, o risco é que, embora partindo de intenções genuínas, a sinodalidade se torne um slogan da temporada eclesial que estamos vivendo, e não critério e práxis de quem pretende se pôr no seguimento de Jesus Messias.

Notas

1. Pessoalmente, considero que o primeiro escrito (“Il dogma in divenire. Equilibrio dinamico di continuità e discontinuità”, Bréscia: Queriniana, 2020) permanece mais no nível formal do tratado teológico, ou seja, daqueles textos que são didaticamente úteis como orientações para quem quer se aproximar das questões históricas e teológicas, mas não particularmente originais no nível da contribuição científica.

2. M. Seewald, “Riforma. Quando la Chiesa si pensa altrimenti”, Bréscia: Queriniana, 2022.

3. Seewald insiste em reafirmar que a doutrina da Igreja não se resolve em uma de suas formas, como a dogmática. Assim, faz-se uma distinção entre evangelho e dogma. O evangelho é o anúncio do agir salvífico de Deus, em palavras e ações, por meio de Jesus Cristo. Além disso, esse evangelho é confiado à compreensão humana e, portanto, à precariedade e à falibilidade do pensamento. A propósito da relação entre evangelho e dogma, Seewald refere-se a W. Kasper, “Il dogma sotto la Parola di Dio”, Bréscia: Queriniana, 1968, pp. 28s.

4. Cf. C. Theobald, “Spirito di santità. Genesi di una teologia sistematica”, Bolonha: EDB, 2017, pp. 219-249; P. Gisel, “La teologia: identità ecclesiale e pertinenza pubblica”, Bolonha: EDB, 2009, p. 125; Id., “Che cos’è una tradizione? Ciò di cui risponde, il suo uso, la sua pertinenza”, Roma: Inschibboleth, 2019, pp. 21ss; A. Grillo, “Da museo a giardino. La tradizione della Chiesa oltre il ‘dispositivo di blocco’”, Assis: Cittadella, 2019.

5. Essas seleções demonstram que “o magistério não é guardião de um patrimônio que se encontrou já definido entre as próprias mãos, mas é ele mesmo quem lhe dá forma, ao determinar com suas decisões o que faz parte da tradição e o que não faz” (p. 54).

6. É precisamente a partir dessa imagem das possibilidades realizadas e não realizadas, assim como da linha de fronteira que as separa, que Seewald constrói seu discurso sobre a reforma entendida como operação que desloca tal linha “transformando algo que até agora era real em algo que só será possível no futuro ou algo que era possível em algo que doravante será real” (p. 138).

7. A juridicização da fé deslocou, assim, o eixo da discussão sobre as questões doutrinais da competência teológica para a jurídica. Nesse contexto, pergunta-se Seewald, “por que ainda continuar fazendo teologia [...] já que temos o papa que diz o que é certo, e já que temos os canonistas que dão forma jurídica ao que é justo, defendendo-o com sanções penais?” (p. 66).

8. Aqui recordamos brevemente as intervenções das últimas décadas que levaram à formação do magistério definitivo: o documento da Congregação para a Doutrina da Fé “Profissão de fé e juramento de fidelidade” (1988); a Instrução Donum veritatis sobre a vocação eclesial do teólogo (1990) da mesma congregação; a modificação feita na parte final do parágrafo 88 do Catecismo da Igreja Católica, na segunda edição latina de 1997 (a primeira edição é de 1992); o motu proprio Ad tuendam fidem de 1998, com o qual João Paulo II insere o segundo tipo de ensinamento do magistério (definitivo) no Código de Direito Canônico; a Nota doutrinária explicativa da fórmula conclusiva da “Professio fidei” da Congregação para a Doutrina da Fé, que aparece no fim do motu proprio. O Código, reformulado segundo o motu proprio, descreve o magistério definitivo nestes termos: “Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé; opõe-se, portanto, à doutrina da Igreja Católica quem rejeitar tais proposições consideradas definitivas” (cân. 750 § 2).

9. O exemplo relatado por Seewald é o relativo às modificações introduzidas pelo magistério eclesiástico na doutrina teológico-litúrgica do ministério ordenado (cf. pp. 88-105).

10. O exemplo relatado desta vez pelo teólogo de Münster é o relativo à recepção teológica da biologia evolutiva na encíclica Humani generis de Pio XII e à silenciosa correção posterior (cf. pp. 105-116).

11. Nesse caso, um dos exemplos tomados por Seewald é o relativo à reabilitação do valor da liberdade de consciência e de religião (cf. pp. 116-130).

12. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana por ocasião da apresentação dos votos natalícios (22-12-2005), in EV 23/1531 (cf. p. 150).

13. “É possível que uma doutrina simplesmente não seja mais capaz de transmitir aquilo que toda doutrina da Igreja deve comunicar: o evangelho. Se, por exemplo, o ministério ordenado não se apresenta mais como ministerium (LG 10), como serviço à fé da comunidade”. De fato, pode acontecer que, ao longo de eventos históricos contingentes, ele tenha adquirido “a forma de uma ordem monárquica ou corporativa” e tenha se elevado “à esfera de realidade sacrossanta”. Embora considerando que “tal forma de organização social da Igreja fosse adequada no passado [...]; para o presente, ela é – para ser prudente – questionável e, se não há argumentos em seu favor, deve ser modificada” (p. 167).

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