25 Agosto 2022
“Etica Teologica della Vita” (Libreria Editrice Vaticana, 2022, 517 páginas) é o livro publicado pela Pontifícia Academia para a Vida e relata um debate livre, franco e aberto entre teólogos morais – a partir de um texto-base – em que se abordam todos os temas da ética da vida.
A reportagem é de Fabrizio Mastrofini, publicada em Settimana News, 19-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O volume tem sido muito discutido nas últimas semanas, às vezes com um foco em passagens particulares, como o debate sobre a relação entre amor e geração, perdendo de vista o horizonte mais abrangente.
Sobre esses aspectos, um dos redatores do texto-base e um dos participantes do congresso, o Pe. Maurizio Chiodi, professor em Bérgamo, Milão e Roma no Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família, agora responde a algumas perguntas para esclarecer o sentido do trabalho realizado.
Pe. Maurizio, o Papa Francisco disse que não se pode fazer teologia, inclusive teologia moral, com um “não” na frente. É uma mensagem clara sobre a importância da liberdade de discussão e de pesquisa acadêmica em teologia. Essa interpretação está correta? Por que é necessário reiterar isso? Por que, ao longo do tempo, criou-se um “freio” à liberdade acadêmica? É claro que o teólogo está em relação com o magistério na sua pesquisa. Mas qual é o equilíbrio entre a liberdade de pesquisa e o magistério?
A afirmação do papa se insere em um discurso sobre o desenvolvimento do dogma e da moral, a propósito do qual ele se refere ao critério hermenêutico de Vicente de Lérins e, nesse contexto, afirma que não se pode fazer teologia com um “não” na frente. De minha parte, eu diria que a teologia não tem uma liberdade “absoluta”: a sua norma normans é a Revelação, constantemente reinterpretada e atualizada na Tradição. No que se refere à relação entre teologia e magistério, lembro que, após o período patrístico, no qual as figuras do pastor/bispo e do doutor/teólogo coincidiam, a tarefa dos pastores, cum Petro e sub Petro, configurou-se como recíproca, com tarefas diferentes no que diz respeito à teologia. O magistério episcopal e pontifício sempre interveio depois dos debates teológicos, muitas vezes muito acalorados, como nas grandes questões cristológicas e trinitárias dos primeiros séculos.
O magistério eclesial, portanto, pressupõe a teologia, e esta, por sua vez, tem a autonomia que deriva do fato de ela ser inteligência da fé e, nesse sentido, não se reduzir a comentar o magistério, embora não possa ignorá-lo, assim como ambas não podem ignorar o sensus fidei, como diz a Lumen gentium 12. Em última análise, cabe ao magistério eclesiástico declarar a compatibilidade ou não de uma afirmação teológica com a verdade do evangelho, mas isso pressupõe justamente uma discussão livre, pelo menos na medida em que uma doutrina é afirmada pelo magistério ordinário e universal de modo “autêntico”, mas não de forma definidora, definitiva e infalível. Ora, é opinião comum entre os teólogos que o magistério eclesiástico até agora não interveio infalivelmente sobre nenhuma questão moral, embora obviamente isso não exclua que possa fazê-lo.
Existem temas que não podem ser discutidos? Por exemplo, nestes dias lemos que o ensinamento da Humanae vitae é “infalível”. É realmente assim?
Um certo número de teólogos imediatamente defendeu que o ensinamento da Humanae vitae era infalível, enquanto muitos outros, a maioria deles, afirmavam que a nota teológica – isto é, a autoridade do ensinamento – de uma encíclica não pertence ao magistério infalível. A Humanae vitae, assim como toda encíclica, incluindo a Veritatis splendor, é um documento de autoridade, mas sem pretensão de infalibilidade. Acredito que, dentro da afirmação do papa lembrada no início, é possível ler essa convicção.
Na Humanae vitae e na tomada de posição anterior da Casti connubii – ainda mais forte – estamos no campo da doctrina reformabilis. Isso não legitima a substituição precipitada da própria ideia pelo ensinamento do magistério, advogando para si uma infalibilidade negada a este, mas abre a discussão teológica, dentro da Igreja, e até a possibilidade de uma discordância, tanto para o fiel individual quanto para o teólogo. Tal possibilidade, sob as devidas condições, não está excluída nem mesmo pela Veritatis splendor 113. Indo ainda mais longe no mérito da questão, a questão pela qual alguns argumentam a infalibilidade da Humanae vitae são os atos intrinsecamente maus (intrinsece mala).
O que se entende por “atos intrinsecamente maus”?
Nos anos 1970, durante um acirrado debate sobre o modo de “fundamentar” as normas morais, ou seja, sobre o valor e o significado das normas, alguns teólogos – depois condenados como proporcionalistas pela Veritatis splendor – defenderam que não é possível avaliar uma ação proibida por uma norma, senão a partir da proporção dos efeitos que ela produz. Por exemplo, dizia-se, se “dizer a verdade” a um doente o leva ao desespero, é melhor calar ou mentir: o efeito bom – a esperança do doente – torna-se moral e proporcionalmente mais importante do que o efeito malvado que derivaria ao se dizer a verdade. Contra esses teólogos, outros – chamados deontólogos – argumentaram que há atos que, sendo intrinsecamente maus, são condenados semper et pro semper e que nada no mundo, nem mesmo o papa, pode torná-los bons. Ora, a contracepção é considerada um ato intrinsecamente mau, junto com muitos outros, como diz a longa lista da Veritatis splendor 80.
E como devemos avaliar essas discussões?
Parece-me que, no debate, surgiram duas reivindicações que pedem para ser acolhidas, de forma diferente. Os teleólogos – sem cair no extremo de alguns relativistas, condenados pela Veritatis splendor – exigem que se avaliem os efeitos e as circunstâncias, e os segundos defendem a validade incondicional do bem –, mas evitando cair no intelectualismo ou no legalismo de alguns deontólogos. Como compor essas duas reivindicações sem negar nem uma nem outra, mas as pensando juntas? Isso é difícil. De minha parte, acredito que os atos intrinsecamente maus não devem ser negados, mas que, ao mesmo tempo, é preciso pensar na raiz o que é um ato, superando uma interpretação objetivada dele, ou seja, que ignore as circunstâncias, os efeitos e as intenções inscritas nas ações dos sujeitos envolvidos.
É necessária, portanto, uma avaliação mais abrangente, circunstanciada, que não pode ser deduzida simplesmente da afirmação “jurídica” das normas. Além disso, um ato “intrinsecamente mau” como o ato de matar sempre foi – com razão – interpretado dentro dos limites do “não matar o inocente”, introduzindo uma distinção – quem é o inocente? – que apela às circunstâncias e à qualidade das intenções inscritas nas relações humanas marcadas pela violência. Um discurso análogo poderia ser mostrado em relação ao que está subentendido na prática pastoral introduzida pela Amoris laetitia, segundo a qual a relação sexual entre dois divorciados recasados não é necessariamente adúltera.
Às vezes, nas referências aos papas, fala-se de João Paulo II ou de Bento XVI, ou de ambos, como se não houvesse outros ensinamentos, principalmente sobre os temas da bioética. Qual deve ser o trabalho do teólogo para explicar, aprofundar, ensinar? E como o fiel pode se orientar?
A história da Igreja, como sabemos, é muito longa. Não me parece sábio contrapor um papa a outro. O próprio magistério, na história, conhece uma reforma sem rupturas, e até mesmo algumas “descontinuidades”, mas na fundamental continuidade da referência ao Evangelho. Às vezes, em questões éticas individuais, pode haver variações no julgamento, quando se está na doctrina reformabilis. Isso ocorreu recentemente com a pena de morte ou para a “guerra justa” ou, no passado, para o empréstimo com juros e muito mais.
Quanto à bioética, uma disciplina recente nascida devido aos muitos dilemas relacionados à prática médico-tecnológica, a meu ver seria bom que, antes de definir em nível de magistério, se aprofundasse e discutisse em nível teológico, sem juízos de valor precipitados e levando em conta o necessário discernimento das situações por parte da consciência pessoal. Isso exigiria cautela nas intervenções do magistério e atenção crítica na teologia.
Além disso, não devemos esquecer que, sobre os dilemas morais, os chamados “casos de consciência” – situações em que a diferença entre o bem e o mal não é tão clara –, houve muitas opiniões conflitantes e até mesmo contraditórias entre os moralistas de 1500 a 1700. Nesse caso, o magistério interveio apenas em um segundo momento, até mesmo a pedido das universidades de Paris e de Louvain, precisamente para resolver com autoridade as controvérsias teológicas.
“Etica Teologica della Vita” é um livro de 517 páginas que reúne os resultados de um congresso em que vários teólogos discutem um texto-base. Nele, estão todas as temáticas da vida humana. Como se orientar na leitura do livro? Quais são os aspectos mais significativos?
Apresentar esse texto em poucas palavras seria presunçoso. Parece-me que, entre o vigoroso trabalho do texto-base, fruto de um empenho de muitos meses intensos, e os três frutuosos dias do seminário, com as intervenções dos Discussants e dos Respondents, houve um notável exercício teológico – como foi dito – segundo o estilo da quaestio disputata. No volume, portanto, encontramos um sábio equilíbrio entre um texto e a discussão que se seguiu, com uma pluralidade de vozes, também discordantes, mas vivas e dialeticamente fecundas.
Para me deter no texto-base, gostaria de sublinhar o seu projeto global sobre o tema da vida: partindo das solicitações de Francisco, recorre-se ao tesouro das Escrituras, depois se aprofunda a análise do tempo presente no qual vive o destinatário da Revelação e se estuda o passado que nos pertence, com a hermenêutica da tradição teológica e as posições do magistério eclesiástico. No pano de fundo de tal caminho, concentramo-nos em duas questões radicais: a relação circular entre ética e antropologia, e o nexo entre consciência, norma e discernimento. Em tal perspectiva teológico-moral fundamental, desenvolvem-se as grandes questões teológicas relacionadas ao cuidado da vida e da saúde na casa comum.
A conclusão é dedicada a um formidável afresco teológico, que mostra como o cumprimento evangélico se inscreve no drama da história. Somente nessa reflexão sistemática é que se podem compreender alguns pontos nodais que mais têm chamado a atenção e gerado polêmicas, como os temas da geração responsável, do fim da vida, da diferença entre ética e direito, do significado do discernimento.
A vida humana tornou-se terreno de confrontos ideológicos e também eclesiais. É difícil deixar claro que a defesa da vida é a defesa de toda a vida, de todas as fases. Por exemplo, é difícil entender que lutar contra a pena de morte significa defender a vida. Ou deixar claro que denunciar os conflitos armados significa defender a vida. Isso ocorre porque os interesses econômicos e de propaganda se apossaram até mesmo desses temas tão cruciais. Qual é a sua opinião a respeito?
Mais do que falar de “defesa da vida”, porque isso logo nos coloca em uma lógica defensiva, apologética, eu enfatizaria que, acima de tudo, a vida humana pede para ser recebida, acolhida e pensada. Ela não pode ser reduzida a um âmbito “regional”, biológico, psicológico, social ou político, econômico, ecológico e global. As contribuições das ciências humanas são muito importantes e imprescindíveis, mas não devem nos fazer esquecer que a vida levanta uma questão radical. A partir da pergunta “o que é a vida?” nasce o estupor, a maravilha, e isso põe em movimento o pensamento, a ação, as emoções e as relações, em uma unidade inseparável.
A vida é a experiência maravilhosa de descobrir-se dado a si mesmo e de descobrir que assim é também para o outro, e que, por isso, somos convidados a cuidar uns dos outros, dentro da casa comum, que é o mundo em que vivemos. É evidente que, nessa perspectiva, a vida tem um perfil religioso, que remete à Origem e ao seu destino: não somos nós, humanos, que nos damos a vida e, a partir desse dom, somos impelidos a responder... Nós, cristãos, somos chamados a dar testemunho dessa evidência antropológica: a unicidade e a singularidade da vida humana é um dom precioso e mortal, que nos pede para responder com um empenho agradecido, em todos os níveis que você mencionou e sem nunca esquecer ninguém.
Em relação a alguns aspectos da Humanae vitae, alguns escreveram que o papa atual, sozinho, não tem autoridade para mudar a doutrina. No entanto, a partir dos estudos de vários historiadores e da consulta aos arquivos, sabemos que Paulo VI se posicionou contra a contracepção em completo desacordo com a comissão de teólogos chamada em várias ocasiões a estudar o tema e a oferecer um parecer (no fim, a comissão era formada por 73 especialistas!).
Já são bem conhecidas as circunstâncias realmente complexas que levaram à encíclica Humanae vitae. Acredito que, para além da importante investigação histórica, hoje a teologia amadureceu uma profundidade de reflexões, aprofundamentos e conceitos abrangentes que nos permitem dar mais um passo, que não contradiz a Humanae vitae, mas recebe o seu espírito, sem se deter na letra de uma norma: a geração é um ato de responsabilidade, que se inscreve na relação matrimonial entre homem e mulher. Esse dom recíproco está na origem de cada filho. Diante da graça de gerar, os genitores se descobrem receptores e atores, donatários e doadores, passivos e ativos. Essa é a experiência maravilhosa que a Humanae vitae pede para conservar.
Como ela deve se conjugar nas condições atuais e com as possibilidades oferecidas pela ciência – não desprovidas de sugestões e de enganos? É sobre isso que tentamos refletir, tanto no texto-base quanto nas intervenções no seminário. O fruto desse trabalho me parece um ato teológico sinodal de grande responsabilidade eclesial. Como cristãos, somos chamados e solicitados a responder ao dom e à bênção da vida, recebida e novamente doada, tornando-nos testemunhas para todos. A sabedoria prática – a ratio practica de São Tomás – nos ajuda a discernir como responder concretamente ao dom de Deus, que é a vida.
Hoje, com o desenvolvimento das mídias sociais, qualquer pessoa pode defender qualquer tese, até mesmo bizarra e infundada, e encontrar seguidores. Como é possível fazer teologia em tal situação?
A teologia brota da fé: não posso crer sem compreender, assim como a minha compreensão aprofunda a fé de todos. Todo fiel é chamado a isso, em virtude do seu batismo, mesmo que seja evidente que – como em todas as coisas – tal tarefa requer diálogo, competência, paixão e dedicação. O risco das redes sociais digitais é que se acentue uma tendência à “torcida” esportiva, na qual, mais do que à profundidade do pensamento, chega-se imediatamente às conclusões, com o risco de que estas confirmem o preconceito. Junto com isso, o defeito é que tudo possa ser dito em um tuíte, esquecendo o esforço e o rigor de pensar, na busca das formas práticas – sempre renovadas – para testemunhar a fé no Evangelho de Jesus.
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Infalibilidade em questões morais? Entrevista com Maurizio Chiodi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU