Por: Jonas | 04 Abril 2012
Uma das coisas mais surpreendentes, que chama a atenção na recente “Notificação sobre algumas obras de Andrés Torres Queiruga” (30-03-2012), publicada pela Comissão para a Doutrina da Fé, da Conferência Episcopal Espanhola, é que este documento, relativamente curto (não chega a seis páginas, na edição que a Conferência Episcopal publicou na Internet), justifica com 80 notas de rodapé, a doutrina que se expõe no documento. É evidente que os autores da Notificação querem justificar solidamente suas afirmações.
O artigo é de José María Castillo, teólogo espanhol, com vários livros traduzidos para o português, publicado em seu blog Teología sin Censura, 02-04-2012. A tradução é do Cepat.
As referidas 80 notas dividem-se em dois blocos, claramente perceptíveis: o bloco de afirmações, que reproduzem os ensinamentos de Torres Queiruga, por um lado, e o bloco das afirmações dos censores (o bispo Adolfo Montes e o teólogo José Rico Pavés), que questionam ou rebatem os ensinamentos de Queiruga.
Pois bem, o notável é que quando se trata de questionar ou rebater o Torres Queiruga, os censores não aduzem argumentos adotados da Bíblia, dos Padres da Igreja ou dos grandes teólogos (encontrei somente uma citação de S. Tomás de Aquino). Ou seja, para rebater uma teologia solidamente bíblica, patrística e enraizada nos mais sérios ensinamentos dos grandes mestres da teologia cristã, os censores lançam mão dos ensinamentos do recente Magistério Eclesiástico. Eles mesclam indistintamente uma citação do Concílio de Trento, os ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica ou as doutrinas apresentadas, recentemente, pela Congregação para a Doutrina da Fé, pela Conferência Episcopal Espanhola ou pela Comissão Teológica Internacional. E isto é feito sem especificar o valor teológico, vinculante à fé, que cada um desses documentos possui. Isto é preocupante, pois, como terá o mesmo valor doutrinal um ensinamento do Evangelho e um que se encontra no Catecismo?
No fundo, o pensamento dos censores nos vem dizer: o Magistério Eclesiástico afirma que isto é verdade ou isto é mentira, porque o mesmo Magistério disse que é verdade ou é mentira. Mediante semelhante procedimento, a Revelação, que os censores querem defender, na realidade fica deslocada. E é substituída pelo Magistério. Do ponto de vista da história da teologia cristã, isto é grave. Porque, definitivamente, com isso, coloca-se o Magistério acima da Revelação divina.
Porém, não é só isso. Se Torres Queiruga tem buscado algo, é o de “repensar” os grandes temas da teologia cristã. Neste sentido, dentro da ortodoxia teológica, Torres Queiruga tem sido um inovador. Isso exige uma razoável dose de “dissidência”. Se a teologia se dedica a repetir o que já está dito, nunca avançará. E nunca, é claro, dará resposta às novas questões que os crentes se colocam. Isto é o que Torres Queiruga tem desejado superar. Atitude louvável e meritória.
Por isso, quero terminar esta reflexão recordando o que o dominicano Y. Congar escreveu para sua mãe, em setembro de 1956: “O papa atual (Pio XII), sobretudo a partir de 1950, desenvolveu um regime paternalista consistente, em que ele, e somente ele, diz ao mundo, e a cada um, o que pensar e como atuar. Pretende reduzir aos teólogos ao papel de comentaristas de seus discursos, sem que, sobretudo, possam ter a vontade de pensar algo, de ter qualquer iniciativa fora dos limites desse comentário: exceto, repito, numa margem muito estreita, perfeitamente demarcada e vigiada, de problemas sem consequências”.
Isto, dizia aquele eminente teólogo que, ao final de seus dias, foi nomeado cardeal da Igreja pelo papa João Paulo II. Agora, o problema mais sério é que a situação está mais complicada. Porque já não se trata somente de repetir e comentar o que disse o papa, mas, além disso, repetir o que disse qualquer cardeal, qualquer bispo ou, inclusive, o teólogo conselheiro de uma comissão episcopal. E estranhamos que a Igreja tenha cada dia menos credibilidade? E, com estes procedimentos, surpreende-nos que os que mandam na Igreja sejam os primeiros que estão nos dividindo e enfrentando uns com outros?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Se a teologia se dedica a repetir o que já está dito, nunca avançará”, escreve José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU