Por: André | 01 Março 2012
Quando, em 25 de janeiro de 1959, três meses após sua eleição, o “bom Papa” João XXIII anunciou, na Basílica de São Paulo Extramuros, que iria convocar um “Concílio geral para a Igreja universal”, a surpresa foi absoluta. O chefe da Igreja católica, usando de seu poder monárquico, não havia falado sobre isso com ninguém, ou com quase ninguém... Ninguém lhe impôs essa ideia. A essa altura dos acontecimentos, o Papa Roncalli se contentou em evocar apenas objetivos gerais: a renovação interior da Igreja, a intensificação de seu testemunho no mundo e sua vontade de diálogo com as outras confissões cristãs.
A reportagem é de Frédéric Mounier e está publicada no jornal francês La Croix, 24-02-2012. A tradução é do Cepat.
Quase quatro anos mais tarde, no dia 11 de outubro de 1962, gente de todo o mundo acorreu à Basílica de São Pedro, em Roma. Nunca a Igreja católica tinha tantos bispos e nunca tinham sido vistos juntos: 2.251, vindos de 136 países. Certamente, os europeus eram a maioria (835, dos quais 385 eram italianos e 122 franceses). Mas a América Latina veio com força (517, dos quais 171 brasileiros), seguida pela América do Norte (273, 196 dos quais eram dos Estados Unidos), pela Ásia (290), pela África (273) e pela Oceania (63).
Naquele dia, François Mauriac observa no La Croix: “Esses bispos de todas as raças, de todas as cores que acorrem para Roma anunciam que os tempos da conquista e da dominação acabaram e que nós nos tornamos irmãos em todos os lugares onde nos encontramos”. No entanto, faltaram alguns episcopados: os grandes ausentes tiveram que ficar atrás das cortinas de ferro. Os poderes totalitários comunistas, com efeito, multiplicaram os cuidados administrativos. Apenas alguns, como o jovem Karol Wojtyla, bispo auxiliar de Cracóvia, pôde se beneficiar de um “passaporte de serviço no exterior”, documento da Santa Sé assinado pelo substituto da Secretaria de Estado, em 1963, dom Angelo Dell’Acqua.
Um Concílio para perscrutar os “sinais dos tempos”
Mas, sobretudo – e essa é uma grande inovação em relação ao Concílio anterior, o Vaticano I –, 17 Igrejas cristãs não católicas marcam presença na Basílica São Pedro nesse 11 de outubro, como observadores – um estatuto inédito e bem vindo. A última sessão, em 1965, reunirá 29 Igrejas. De fato, como destaca mais tarde Heenan, bispo de Liverpool, “no primeiro dia éramos todos estranhos uns para os outros”.
O latim, única língua oficial do Concílio, não era compreendido por todos da mesma maneira. E, sobretudo, ninguém conhecia o projeto nem a duração do solene evento que começava... Rapidamente, uns e outros vão tomar conhecimento e se apaixonar por aquilo que será o “seu” Concílio.
Em sua alocução de abertura, em 11 de outubro, João XXIII apresenta a chave de leitura do “seu” Concílio: trata-se de propor o “depósito sagrado da fé, sem condenar os novos erros” e perscrutar os “sinais dos tempos”. Em seu conjunto, o Papa recusa os “profetas da desgraça” que só veem “ruínas e prevaricações” no mundo contemporâneo.
Enfrentamento entre “tradicionalistas” e “progressistas”
Os céticos são muitos. Entre eles está o teólogo dominicano francês Yves Congar, que range: “O sistema que Roma pacientemente montou amarra os braços da criança do Concílio que acaba de nascer e que quer viver”. Do mesmo modo, o teólogo jesuíta francês Henri de Lubac, todo assombrado, após as sanções que sofreu, por ser nomeado perito, anota em seu caderno de anotações: “A comissão preparatória de 1961 é um verdadeiro desastre”. Alguns dias mais tarde, o “chefe” dos bispos franceses, o cardeal Achille Liénart, coloca os pontos sobre os “is” ao dar um basta a esta tentação romana.
Desde a primeira sessão, que durou de 11 de outubro a 8 de dezembro de 1962 e que terminaria sem adotar nenhum texto, “tradicionalistas” e “progressistas” se enfrentam sobre a liturgia, especialmente o uso das línguas locais e a participação dos fiéis. As fontes da Revelação (Escritura e Tradição), os meios de comunicação social, a colegialidade episcopal, a aproximação com as Igrejas orientais serão igualmente debatidos, sem ter um eixo forte, mas cada um sentia no ar da Basílica a tensão entre uma certa liberdade e um imobilismo tranquilizador, herdado do Vaticano I.
Como confiou na época ao La Croix (1º de outubro de 1962) o novo acadêmico francês Jean Guitton: “Um Concílio é um começo. É como o amor conjugal; somente no fim se pode dizer se se amou. Porque é preciso fazer durar o começo do amor conjugal durante toda a vida. O mesmo acontece com o Concílio”.
300 sessões de trabalho
Ao longo das 300 “congregações” (sessões de trabalho) que o Vaticano II terá, ritmadas durante quatro anos entre idas e vindas entre suas dioceses (nove meses) e Roma (três meses), os bispos vão sair do seu horizonte pessoal para se confrontarem – retornando às fontes aprofundadas durante as décadas precedentes pelos movimentos litúrgicos, bíblicos, ecumênicos – com os grandes debates: redescoberta da Palavra de Deus, colegialidade, relação com os leigos, guerra e paz, responsabilidade da Igreja universal, liturgia, liberdade religiosa, etc.
No dia 02 de dezembro de 1962, o cardeal Montini, que ainda não sabia que sucederia João XXIII seis meses mais tarde, escreveu à sua diocese de Milão dizendo que se tratava de “uma experiência na maioria das vezes gostosa, outras vezes forte e pungente, às vezes dramática e também pesada e dolorosa em certos momentos”. O que João Paulo II chamará mais tarde de “o evento da graça do século XX”. É preciso destacar o “otimismo” do Vaticano II: a Igreja não é mais compreendida como o segundo termo de uma alternativa que se opõe ao mundo, mas em solidariedade com ele, na História, participando da caminhada comum rumo à salvação.
Joseph Doré, teólogo, arcebispo emérito de Esdrasburgo, viu nele, quase 50 anos mais tarde, “uma mudança fundamental da concepção que a Igreja tinha de si mesma”. À altura das “imensas esperanças provocadas pelo anúncio desse Concílio”, nota o historiador francês Jacques Prévotat, que editou os Cadernos do Concílio do cardeal De Lubac (Éd. du Cerf, 2007), um dos expoentes franceses no Concílio.
Esse feito não se deu sem problemas. Assim, por ocasião da morte de João XXIII, no dia 3 de junho de 1963, ninguém acreditava que o Concílio continuaria. No conclave, seus adversários se debatem. Assim que o cardeal Montini é eleito, no dia 21 de junho, ele anuncia a continuidade do Concílio, cuja segunda sessão se abriria três meses depois.
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O evento do Vaticano II, o Concílio inesperado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU