10 Abril 2024
O físico Carlo Rovelli posicionou-se a favor dos estudantes e dos pesquisadores que pediram às universidades e ao CNR a suspensão das colaborações com Israel nas pesquisas de dupla utilização, com repercussões tanto no campo civil como militar.
O debate sobre o valor social da pesquisa científica é tão antigo como a própria pesquisa. Ciência e poder muitas vezes ajudaram-se mutuamente, pelo menos desde que Arquimedes construiu armas para defender Siracusa dos romanos e desde então o debate não se extiguiu, como mostram as polêmicas em torno das escolhas das universidades de Turim e Pisa em relação a colaborações com o governo israelense. Rovelli está atualmente no Novo México e responde ao Il Manifesto de lá.
A entrevista é de Andrea Capocci, publicada por Il Manifesto, 09-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, é possível uma ciência separada do poder, que não imponha quesitos éticos aos cientistas?
Espero que não. Acho que qualquer atividade leva a perguntas éticas e políticas. A ciência não é diferente do restante.
No entanto, a Ministra Bernini descreveu a pesquisa científica como um diálogo entre diferentes, mesmo entre democracias e ditaduras, que não inclui sanções internacionais. Você o conhece bem: é realmente um mundo tão separado da atualidade que não pode tomar posição?
A ministra é a favor de compartilhar a pesquisa militar italiana com o Irã? O mundo científico que frequento não reconhece fronteiras: entre os meus colaboradores e amigos estão chineses, russos, iranianos e israelenses. Mas isso não impede escolhas políticas e éticas. Entre aqueles que são a favor do boicote também estão israelenses. Estar abertos ao mundo não implica que se tenha que colaborar em todos os massacres.
Além das nossas fronteiras, há uma discussão entre os acadêmicos sobre a oportunidade de colaborar com o governo israelense nas condições atuais ou é uma peculiaridade italiana?
Há a mesma discussão em muitos países. Acho que todo amigo de Israel, e que, como eu, ama profundamente o mundo judaico, deve fazer todo o possível para parar o massacre em curso que, infelizmente, está fazendo com que o mundo inteiro se revolte em indignação e raiva contra Israel.
Isso também comporta acusações de antissemitismo no exterior?
Permita-me dizer algo que considero importante e que gostaria que fosse mais reconhecido. A acusação de antissemitismo é brandida a toda hora pelo governo israelense contra qualquer um que o critique. Isso é profundamente contraproducente para o mundo judaico, porque transforma uma questão política e ética numa questão de suposta raça e religião. Ler o mundo e os seus inevitáveis conflitos, as suas inevitáveis graves divergências de ideias, como conflitos entre raças e religiões: isso é exatamente o racismo. É exatamente disso que se alimenta antissemitismo. Catalogar as pessoas por raça, e não pelo que fazem. A tática de acusar aqueles que criticam o governo israelense de antissemitismo está alimentando o racismo, porque transforma uma questão política em uma questão racial. Entre os bilhões de pessoas que hoje pedem ao governo israelense que pare, há uma parte muito importante do mundo judaico.
Colaborações entre cientistas e militares causam discussão devido às consequências geopolíticas internacional. Mas aquela entre universidades e organismos de pesquisa e a indústria militar italiana raramente é questionada. É uma contradição?
Existe um protesto aceso de muitos estudantes contra a colaboração, infelizmente crescente, entre universidades, instituições de pesquisa e a indústria militar italiana. Mas são duas questões diferentes. O peso da indústria militar em impulsionar a atual frenética corrida armamentista em todo o mundo é um problema sério: para aumentar os seus lucros, a indústria militar está empurrando-nos para o abismo de um conflito global. Mas o massacre em curso em Gaza é uma questão de urgência imediata, que exige um empenho rápido.
Uma matéria jornalística israelense republicada pelo il manifesto revelou o uso da inteligência artificial pelo exército israelense no conflito. Isso lhe causa surpresa?
Não, seria estranho que não a usasse. A inteligência artificial é usada também nas máquinas de lavar.
Mas no debate sobre o significado de pesquisa “dupla utilização”, essa revelação abre um novo problema ético?
A questão urgente, na minha opinião, é não discutir sutis minúcias éticas. Foram massacrados israelenses e 30 mil palestinos, e o massacre de palestinos continua. Cada pequena pressão política é útil. Nas Nações Unidas, a Bélgica, que não é propriamente extremista, votou a favor de uma moção que acusa o governo israelense de possíveis crimes contra a humanidade. Discutir detalhes sobre a “dupla utilização” significa afastar a discussão de uma urgência grave.
Il manifesto convocou uma grande manifestação para o dia 25 de abril em Milão, para que não seja apenas uma comemoração, mas também uma mobilização contra a direita soberanista e extremista que está conquistando espaço na Europa. Existe uma ligação entre a luta contra as direitas e a mobilização pela paz?
Eu gostaria que houvesse. Infelizmente não tem. A maioria da esquerda nos países ocidentais, incluindo a Itália, é mais belicosa que a direita. Penso que essa belicosidade seja mais perigosa para o planeta do que questões de filiação política.
Porém, nos EUA a base do Partido Democrata pede a Biden, em troca do voto, uma orientação diferente sobre o Oriente Médio e a direita italiana (ou europeia) faz do alinhamento internacional ocidental um pilar da sua legitimação. Será que realmente influirá o resultado das eleições europeias ou estadunidenses?
Existe a mesma discussão animada entre aqueles que fomentam a guerra e aqueles que pedem a paz tanto dentro da direita como dentro da esquerda. Não vamos contar a mentira de que hoje a direita é belicosa e a esquerda é pacifista. Não é verdade. Em vez disso, vamos nos empenhar para que se torne verdade. Empurrar a esquerda para se tornar portadora do valor da paz: que não significa exterminar primeiro os inimigos e vencer todas as guerras.
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“Abertos ao mundo, mas sem colaborar com o massacre”. Entrevista com Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU