11 Janeiro 2024
"Que papel caberá no futuro Oriente Médio ao Irã, ou seja, à Pérsia, nação de 90 milhões de habitantes com uma milenar, gloriosa vocação imperial? Realmente a pressão conjunta das petromonarquias do Golfo, de Israel e os EUA pode ajudar a sociedade civil iraniana a libertar-se do jugo obscurantista do khomeinismo? O destino que se prospecta para o Irã é o retorno ao jugo colonial contra o qual se rebelou várias vezes no século passado?", escreve Gad Lerner, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 26-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O prolongamento do conflito no Oriente Médio coloca-nos diante de questionamentos radicais, em alguns aspectos angustiantes.
Primeiro questionamento: Israel tem um futuro? Numa região que em um século viu mais que aumentada em dez vezes a sua população tanto palestina como judaica, dilacerada por um crescente fanatismo etnocêntrico, pode ser suficiente uma clara superioridade militar para garantir a sobrevivência de um “Estado-nação do povo judeu”, como está escrito na lei fundamental aprovada por estreita maioria pelo Knesset em 2018? E a preservação dessa homogeneidade não implicaria o afastamento de milhões de palestinos, não só de Gaza, mas também da Cisjordânia, como perseguidos pelos colonos dos territórios ocupados apoiados pelos ministros da extrema-direita israelense?
Segundo questionamento: que papel caberá no futuro Médio Oriente ao Irã, ou seja, à Pérsia, nação de 90 milhões de habitantes com uma milenar, gloriosa vocação imperial? Realmente a pressão conjunta das petromonarquias do Golfo, de Israel e os EUA pode ajudar a sociedade civil iraniana a libertar-se do jugo obscurantista do Khomeinismo? O destino que se prospecta para o Irã é o retorno ao jugo colonial contra o qual se rebelou várias vezes no século passado?
Cada um à sua maneira, Israel e Irã descobrem que vivem uma condição anacrônica. São duas potências que cresceram no último século e se enfrentam como grandes imprevistos na história. Examiná-las lado a lado, apesar da sua evidente diversidade, pode contribuir para nos orientar na guerra que se alonga.
O texto fundador do sionismo, O Estado Judaico, de Theodor Herzl, publicado em 1896, não contém nenhuma referência à Bíblia ou à terra da Palestina. Tem até ênfases que hoje soariam antissemitas, como quando exorta as nações europeias a libertarem-se do "incômodo" da presença judaica. É um paradoxo, claro. Mas resta o fato de que a grande maioria dos judeus que emigravam da Europa para escapar da perseguição escolheu atravessar o Atlântico, não a aliá na terra ancestral. Isso não significa que o sionismo tenha crescido na onda dos outros movimentos nacionalistas do século XIX, muito antes do Holocausto. Engana-se quem, certo ou errado, trata o Estado de Israel como um legado daquela tragédia. O sionismo na época era, portanto, inteiramente secular, nem messiânico nem religioso. A sua componente de direita já defendia um século atrás que era impossível conviver com os árabes e, portanto, uma pátria devia ser criada na Palestina exclusiva para os judeus; mas os fundadores do Estado tiveram o cuidado de não teorizar isso. É também inegável que durante a guerra da independência planejaram operações violentas de limpeza étnica, dentro e além dos confins indicados pela Sociedade das Nações. Uma ferida que ainda arde, também porque os países árabes se opuseram ao nascimento previsto de um Estado palestino. Mas o contexto histórico era muito diferente daquele atual. Por mais cruel que fosse, até meados do século XX o transplante forçado de inteiras populações continuou a ser um fenômeno difundido: na URSS, na Europa Central, no Médio Oriente. É uma questão de saber se a limpeza étnica ainda pode ser teorizada e, acima de tudo, seja praticável, na época da globalização. Depois disso a vastidão dos fluxos migratórios generalizou, embora com dificuldade, a convivência de diferentes etnias nos mesmos lugares. As direitas nacionalistas continuam a idealizar a homogeneidade cultural, se não mesmo étnica, dos Estados. E por isso assumem Israel como modelo. Mas a sociedade israelense é a primeira, embora ameaçada em sua própria existência pelo nacionalismo religioso do Hamas, que deveria se perguntar: realmente considera plausível preservar a segurança e a democracia, excluindo toda forma de convivência com os palestinos que não seja a sua submissão? A ponto de planejar com a violência novos êxodos, hoje de Gaza e amanhã da Cisjordânia? Acredito, e quero esperar, que não seja esse o caso. Porque o resultado final de um projeto desse tipo recordaria o trágico episódio bíblico ocorrido justamente em Gaza: “Que Sansão morra com todos os filisteus!” O contrário do sonho sionista e do renascimento judaico que dele resultou.
O imenso movimento revolucionário que em 1979 levou à expulsão do Xá Reza Pahlavi, déspota vassalo dos Estados Unidos, reuniu uma pluralidade de sujeitos nas ruas do Irã: intelectuais, comerciantes dos bazares, comunistas, feministas, religiosos progressistas e conservadores, muçulmanos, judeus e cristãos. Os historiadores são unânimes em recordá-lo. Hoje é fácil zombar de Michel Foucault e das esquerdas ocidentais que olharam com admiração para aquele movimento de libertação anti-imperialista. Mas foi apenas nos anos seguintes que o aiatolá Ruhollah Khomeini, não sem oposições reprimidas de forma sangrenta, impôs à sociedade civil iraniana o garrote de um governo religioso absolutista. Transformando a revolução em contrarrevolução com modalidades não muito diferentes do que fizeram os fascistas europeus. Também favorecido pela reação míope e agressiva do campo ocidental. O orgulho imperial persa humilhado primeiro pelo czar russo e depois pelo Reino Unido e pelos EUA, renascia alavancando-se no sentimento anticolonial generalizado, bem como uma interpretação distorcida da doutrina xiita. Foram espezinhados a liberdade das mulheres e o pluralismo de uma sociedade certamente mais evoluída que aquelas árabes. Khomeini desestabilizou toda a região ao dirigir a raiva popular contra o Grande Satanás (EUA) e o Pequeno Satanás (Israel). Com uma hábil operação de hegemonia cultural e de armamento bélico os aiatolás inspiraram novas formações fundamentalistas do Iraque ao Iêmen, do Líbano à Faixa de Gaza, a ponto de representar um grave ameaça às petromonarquias vizinhas (igualmente reacionárias) do Golfo. Assim o Irã se propôs a todo o mundo islâmico como um modelo revolucionário alternativo; e embora Israel esteja distante milhares de quilômetros, a propaganda khomeinista escolheu-o como alvo ideal. Ainda hoje com o cuidado de não travar uma guerra suicida diretamente contra ele, mas tornando a "entidade sionista" o emblema do inimigo a ser destruído. Esse mesmo inimigo ao qual, através dos chamados acordos de Abraão, os monarcas árabes que se tornaram ávidos financistas, venderam a causa palestina. Sobre tudo isso paira o espectro da bomba atômica iraniana, a arma de um futuro no qual a antiga Pérsia voltaria a exercer o seu papel perdido como superpotência.
Pois bem, aquele grande país submetido a um regime detestável está procurando o seu lugar no mundo.
Os recorrentes movimentos de revolta que o abalam internamente são brutalmente reprimidos. São admiráveis, mas não encontram representação política. Pergunto-me então se insistir de fora para dentro na busca de uma mudança de regime não seria a enésima iniciativa de aprendiz de feiticeiro. Biden parece estar ciente disso, pois como vice-presidente de Obama foi o artífice de um frágil acordo com Teerã sobre a bomba nuclear, e que agora tenta refrear as contínuas provocações anti-iranianas do governo de Netanyahu. O Irã não é apenas um Estado vilão. Na verdade, devido à continuidade estatal e das tradições milenares, é comparável à China. Não será uma guerra que o dobrará. Só o reconhecimento do um seu espaço de vida autônomo poderá restituir a confiança no futuro aos iranianos oprimidos e, portanto, a nós também.
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Israel e Irã, o tempo revirado. Artigo de Gad Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU