31 Março 2019
“As classes dominantes e o governo de Netanyahu utilizam instrumentalmente a acusação de antissemitismo com o único propósito de chantagear os países do Ocidente para legitimar a ocupação e a colonização das terras palestinas, e para anexar terras que a legalidade internacional atribui ao povo palestino.”
A artigo é de Moni Ovadia, ator, músico e cantor italiano, cuja obra se destaca pela recuperação e reelaboração do patrimônio artístico-cultural dos judeus da Europa oriental, publicado por Il Fatto Quotidiano, 29-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os velhos tabus de caráter sexual e moral, nas sociedades ocidentais, caíram, e surgiram novos, o mais inviolável dos quais diz respeito à questão israelense-palestina. Apenas o fato de pedir para falar a respeito é visto pela grande mídia como uma provocação, e aqueles que apresentam programas de informação política, diante da proposta de abordá-los, reagem com uma mistura de temor e de consternação diante de um pedido tão ousado, semelhante a como reagiriam, na época da televisão de Bernabei, à ideia de um programa sobre os prazeres da pornografia.
A palavra de ordem é “evitar o assunto”. Não se trata de censura, e sim de evitamento. Quando, depois, em raríssimas ocasiões, por distração, fala-se a respeito, evita-se cuidadosamente que sejam ouvidas as opiniões e as argumentações daqueles que criticam duramente a política do governo israelense e a definem como colonialismo, opressão de um povo inteiro, segregacionismo e racismo. Os opositores de tal política, quando se expressam com franqueza, são imediatamente apostrofados e classificados com o insultante epíteto de antissemita (!). Os autointitulados amigos de Israel acolheram a equação “crítico do governo de Israel = antissionista = antissemita”. Do mesmo modo são definidos aqueles que exigem plena dignidade e direitos para o povo palestino.
Os menos enfurecidos desse grupo eleito de defensores do sionismo e amigos de Israel acusam os defensores das legítimas reivindicações palestinas de difundir o antissemitismo, porque as críticas ao Estado judeu trazem a pandemia antissemita. Falso! O clímax do veneno antissemita se manifestou quando Israel não existia e os judeus viviam na diáspora. Em Israel, no entanto, alguns jornalistas corajosos e de altíssimo perfil se expressam sem qualquer temor apertis verbis et ore rotundo.
Gidon Levy, no Haaretz (jornal israelense publicado em Israel, por uma editora israelense, lido por leitores israelenses), em um artigo de título palmar, “Na mídia dos EUA, Israel é intocável”, escreve: “Você pode atacar os palestinos nos Estados Unidos ininterruptamente, pedir para expulsá-los e negar a sua existência. Apenas não ouse dizer um palavrão sobre Israel, o santo dos santos”. E, sobre a proliferação de sentimentos antissemitas, ele observa: “Os judeus não são tão odiados quanto Israel gostaria: apenas 10% disseram que tinham sentimentos negativos sobre eles”.
A minha opinião, assim como a de renomados expoentes da sociedade israelense, é que as classes dominantes e o governo de Netanyahu utilizam instrumentalmente a acusação de antissemitismo com o único propósito de chantagear os países do Ocidente para legitimar a ocupação e a colonização das terras palestinas, e para anexar terras que a legalidade internacional atribui ao povo palestino.
Assim, a propósito da equiparação entre antissionismo e antissemitismo, escreve o historiador israelense Shlomo Sand: “A tentativa do presidente francês Emmanuel Macron e do seu partido de criminalizar hoje o antissionismo como uma forma de antissemitismo mostra-se como uma manobra cínica e manipuladora. Se o antissionismo se torna um crime, sinto-me no dever de recomendar a Macron que condene retroativamente o bundista [1] Marek Edelman, que foi um dos líderes do gueto de Varsóvia e totalmente antissionista. Também poderiam ser processados os comunistas antissionistas, que, em vez de emigrar para a Palestina, optaram por combater, de armas em punho, contra o nazismo.
Se pretende ser coerente na condenação retroativa de todos os críticos do sionismo, Macron deverá acrescentar a minha professora Madeleine Rebérioux, que presidiu a Liga dos Direitos Humanos; meu outro professor e amigo Pierre Vidal-Naquet; e, naturalmente, também Eric Hobsbawm, Edward Saïd e muitas outras figuras eminentes, hoje falecidas, mas cujos escritos ainda são de autoridade.
Se Macron deseja se ater a uma lei que reprime os antissionistas ainda vivos, a chamada futura lei também deverá ser aplicada aos judeus ortodoxos de Paris e Nova York que rejeitam o sionismo, a Naomi Klein, Judith Butler, Noam Chomsky e muitos outros humanistas universalistas, na França e na Europa, que se autoidentificam como judeus, embora declarando-se antissionistas.
Naturalmente, serão encontrados muitos idiotas antissionistas e judeufóbicos, assim como não faltam pró-sionistas imbecis, também judeufóbicos, que esperam que os judeus deixem a França e emigrem para Israel. Você os incluirá nessa grande canetada judicial? Fique atento, Sr. Presidente, para não se deixar arrastar a esse ciclo infernal, justamente quando a popularidade está em declínio.
Pessoalmente, acredito que retóricas, propagandas, calúnias insensatas e instrumentalizações devem cessar, que não seja mais tolerável se calar sobre a cruel opressão do povo palestino. É hora de os países ocidentais enfrentarem a questão com coragem e honestidade intelectual.
Nota:
[1] Expressão que remete à União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia, chamada em iídiche de Algemeyner Yidisher Arbeter Bund in Lite, Poyln un Rusland, ou simplesmente Bund, movimento político de operários judeus, surgido entre os anos de 1890 e 1930 na Europa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Antissionismo não é antissemitismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU