11 Janeiro 2024
É certamente difícil imaginar uma mudança iminente na Igreja africana no que diz respeito a pessoas homoafetivas ou pessoas com orientações diferentes da heterossexualidade.
A reportagem é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 09-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A igreja católica africana está em revolta. A publicação, no último dia 18 de dezembro, da declaração doutrinária Fiducia Supplicans, nesse caso o capítulo ao qual é feita referência a possibilidade de abençoar casais “irregulares” ou do mesmo sexo, está desencadeando reações descontroladas em muitas conferências episcopais e causando rupturas preocupantes. Não passa um dia sem que haja pronunciamentos de bispos, declarações oficiais de conferências episcopais inteiras ou entrevistas com expoentes em que se expressa absoluta contrariedade, até ameaça de total desobediência.
Já no início de novembro, haviam suscitado muita polêmica as respostas do Dicastério de Doutrina da fé, liderado pelo Cardeal Victor Manuel Fernández, às dubia expressas por Mons. José Negri, bispo de Santo Amaro, Brasil. O importantíssimo órgão do Vaticano, o mesmo que emitiu a Fiducia Supplicans após aval do papa, naquela ocasião expressou (na realidade, reiterou) que até os transexuais podem pedir e receber o batismo, e que transexuais, bem como homossexuais que moram com outra pessoa podem ser padrinhos e testemunhas de casamento na igreja (desde que levem “uma vida em conformidade com a fé”).
Mas as reações africanas à Fiducia Supplicans vão muito além. “A homossexualidade falsifica e corrompe a antropologia humana e banaliza a sexualidade, o casamento e a família, fundamentos da sociedade. Na cultura africana, essa prática não faz parte dos valores familiares e sociais", troveja a conferência episcopal camaronesa, “consequentemente”, conclui, “nós, bispos, proibimos para sempre todas as bênçãos dos casais homossexuais na igreja de Camarões". É um claro ato de insubordinação a um documento oficial do Dicastério para a Doutrina da Fé aprovado pelo Papa. Em uma declaração de 20 de dezembro, a Conferência Episcopal da Nigéria afirma que “não é possível que a Igreja abençoe as uniões e as atividades entre pessoas do mesmo sexo", e acrescenta que permitir tais bênçãos “iria contra a lei de Deus, os ensinamentos da Igreja, as leis da nossa nação e a sensibilidade cultural do nosso povo".
Claras também as posições de vários bispos, como o queniano Paul Kariuki Njiru, da diocese de Wote: “a Fiducia Supplicans deve ser rejeitada na sua totalidade" ou o malawiano Martin Mtumbuka diocese de Karonga, que convidou o povo de Deus a “esquecer e ignorar essa declaração controversa e blasfema", embora consciente de que, "ao fazê-lo, convido-vos a rejeitar publicamente um documento assinado pelo Santo Padre". Como um machado, chega no final de 2023 a tomada de posição do órgão guarda-chuva das Conferências Episcopais Unidas da África Ocidental (Cerao): “Quanto à bênção dos casais homossexuais, a Cerao permanece categórica: não acontecerá na nossa área de competência".
Aparentemente mais matizada, mas igualmente duríssima no conteúdo, a declaração da Conferência dos Bispos Católicos do Quênia. O documento afirma que a igreja trabalha para “recuperar os perdidos e redirecionar todos os pecadores para a fonte da salvação e da vida eterna, mas não aprova comportamentos pecaminosos, como a atividade homossexual. Ao abençoar as pessoas, não abençoamos as ações imorais que podem realizar, mas esperamos que a bênção e o as orações dirigidas sobre elas as provocam à conversão e ao retorno aos caminhos do Senhor”. Os bispos zambianos argumentam que a Fiducia Supplicans “não é e não deve ser entendida como uma aprovação das uniões entre pessoas do mesmo sexo", e comentam que as Escrituras "apresentar os atos homossexuais como atos de grave depravação".
A lista é decididamente mais longa e a revolta é quase geral. A tal ponto que o cardeal Fridolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa, como presidente do Simpósio de Conferências episcopais da África e Madagáscar (Secam, órgão que reúne todas as conferências dos bispos católicos da África), lançou uma consulta continental na véspera de Natal “para propiciar uma clareza inequívoca” sobre a “Fiducia Supplicans” para a população africana, e oferecer uma “orientação definitiva” ao povo de Deus.
Nesse interim, o próprio Dicastério para a Doutrina da Fé corre aos reparos. Pressionado pelas posições duríssimas tomadas por episcopados de meio mundo, não apenas africanos, no último dia 4 de janeiro, publicou um texto de esclarecimento com o objetivo de ressaltar que as bênçãos previstas pela Fiducia Supplicans diferenciam-se daquelas litúrgicas porque são “bênçãos de alguns segundos, sem uso do Ritual de Bênçãos”. É certamente difícil imaginar uma mudança iminente na igreja africana no que diz respeito às pessoas homoafetivas ou às pessoas com orientações diferentes da heterossexualidade.
O africano, de fato, é o continente mais homolesbobitransfóbico do planeta. Com exceção da África do Sul e de Cabo Verde, onde os direitos LGBTQ+ são garantidos, nos outros 53 países continuam sendo limitados. Com variações que vão da tolerância sem reconhecimento de status até penas de prisão, mas sem aplicação, ao encarceramento, até à pena de morte não aplicada, chegando mesmo à pena capital efetiva no estado nigeriano de Bauchi ou nas áreas sob o controlo do Al Shabab na Somália. Selando uma péssima tendência, chega no final de 2023 a notícia da proposta chocante do Presidente do Burundi, Evariste Ndayishimiye, de introduzir o apedrejamento contra os homossexuais. As populações são certamente menos homofóbicas do que os governantes que mantêm ou propõem medidas medievais. Paradoxalmente, a Igreja, com seu enraizamento no continente, pode desencadear uma mudança.
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A revolta da Igreja africana contra os casais homossexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU