09 Novembro 2023
No dia 14 de julho de 2023, o Dicastério para a Doutrina da Fé recebeu uma carta de Sua Excelência Dom José Negri, bispo de Santo Amaro, no Brasil, contendo algumas perguntas referentes à possível participação nos sacramentos do batismo e do matrimônio por parte de pessoas transexuais e de pessoas homoafetivas.
Depois de um estudo a esse respeito, em 30-10-2023, o dicastério divulgou suas respostas.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As seguintes respostas repropõem, substancialmente, os conteúdos fundamentais do que já foi afirmado no passado sobre o assunto por este Dicastério [1].
1. Um transexual pode ser batizado?
Um transexual – mesmo que também tenha se submetido a um tratamento hormonal e a uma cirurgia de redesignação sexual – pode receber o batismo, nas mesmas condições dos outros fiéis, se não houver situações em que haja o risco de gerar escândalo público ou desorientação nos fiéis. No caso de crianças ou adolescentes com problemáticas de natureza transexual, se bem preparados e dispostos, podem receber o Batismo.
Ao mesmo tempo, é preciso considerar o que se segue, especialmente quando houver dúvidas sobre a situação moral objetiva em que uma pessoa se encontra ou sobre suas disposições subjetivas em relação à graça.
No caso do Batismo, a Igreja ensina que, quando o sacramento é recebido sem o arrependimento pelos pecados graves, o sujeito não recebe a graça santificante, embora receba o caráter sacramental. O Catecismo afirma: “Esta configuração a Cristo e à Igreja, realizada pelo Espírito, é indelével, fica para sempre no cristão como disposição positiva para a graça, como promessa e garantia da proteção divina e como vocação para o culto divino e para o serviço da Igreja” [2].
São Tomás de Aquino ensinava, de fato, que, quando o impedimento à graça desaparece, em alguém que recebeu o Batismo sem as devidas disposições, o próprio carácter “é uma causa imediata que dispõe a acolher a graça” [3]. Santo Agostinho de Hipona recordava essa situação, dizendo que, mesmo que o homem caia no pecado, Cristo não destrói o caráter por ele recebido no Batismo e busca (quaerit) o pecador, no qual está impresso esse caráter que o identifica como sua propriedade [4].
Assim, podemos compreender por que o Papa Francisco quis ressaltar que o batismo “é a porta que permite a Cristo Senhor habitar a nossa pessoa e, a nós, imergir-nos no seu Mistério” [5]. Isso implica concretamente que “nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a ‘porta’: o Batismo. [...] a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa” [6].
Então, mesmo quando restam dúvidas sobre a situação moral objetiva de uma pessoa ou sobre suas disposições subjetivas em relação à graça, nunca se deve esquecer esse aspecto da fidelidade do amor incondicional de Deus, capaz de gerar também com o pecador uma aliança irrevogável, sempre aberta a um desenvolvimento, igualmente imprevisível. Isso vale até mesmo quando não aparece de modo plenamente manifesto no penitente um propósito de emenda, porque, muitas vezes, a previsibilidade de uma nova queda “não prejudica a autenticidade do propósito” [7]. Em todo o caso, a Igreja sempre deverá recordar que se vivam plenamente todas as implicações do batismo recebido, que deve ser sempre compreendido e desdobrado dentro de todo o caminho da iniciação cristã.
2. Um transexual pode ser padrinho ou madrinha de batismo?
Sob determinadas condições, pode-se admitir à tarefa de padrinho ou madrinha um transexual adulto que também tenha se submetido a um tratamento hormonal e a uma cirurgia de redesignação sexual. Contudo, como essa tarefa não constitui um direito, a prudência pastoral exige que ela não seja permitida se houver perigo de escândalo, de legitimações indevidas ou de uma desorientação no âmbito educativo da comunidade eclesial.
3. Um transexual pode ser testemunha de um matrimônio?
Não há nada na legislação canônica universal vigente que proíba uma pessoa transexual de ser testemunha de um matrimônio.
4. Duas pessoas homoafetivas podem figurar como genitores de uma criança que deve ser batizada, e que foi adotada ou obtida por outros métodos como a barriga de aluguel?
Para que a criança seja batizada, deve haver a fundada esperança de que ela será educada na religião católica (cf. cân. 868 § 1, 2º CIC; cân. 681, § 1, 1º CCEO).
5. Uma pessoa homoafetiva e que coabita pode ser padrinho de um batizado?
De acordo com o cân. 874 § 1, 1º e 3º CIC, pode ser padrinho ou madrinha quem tiver aptidão para isso (cf. 1º) e “leve uma vida consentânea com a fé e o múnus que vai desempenhar” (cf. cân. 685, § 2º CCEO). É diferente o caso em que a convivência de duas pessoas homoafetivas consiste não em uma simples coabitação, mas sim em uma relação more uxorio estável e declarada, bem conhecida pela comunidade.
Em todo o caso, a devida prudência pastoral exige que cada situação seja sabiamente ponderada, para salvaguardar o sacramento do batismo e sobretudo a sua recepção, que é um bem precioso a proteger, por ser necessário para a salvação [8].
Ao mesmo tempo, é preciso considerar o valor real que a comunidade eclesial atribui às tarefas de padrinho e madrinha, o papel que eles desempenham na comunidade e a consideração por eles demonstrada em relação ao ensinamento da Igreja. Por fim, também se deve levar em conta a possibilidade de que haja outra pessoa do círculo familiar que possa garantir a correta transmissão da fé católica ao batizando, sabendo que se pode assistir o batizando durante o rito não apenas como padrinho ou madrinha, mas também como testemunhas do ato batismal.
6. Uma pessoa homoafetiva e que coabita pode ser testemunha de um matrimônio?
Não há nada na legislação canônica universal vigente que proíba uma pessoa homoafetiva e que coabita de ser testemunha de um matrimônio.
1. Cf. Congregação Para A Doutrina Da Fé, Nota reservada sobre algumas questões canônicas inerentes ao transexualismo (21 de dezembro de 2018), Cidade do Vaticano, Sub secreto pontificio.
2. Catecismo da Igreja Católica, n. 1121.
3. São Tomás de Aquino, I Sent IV, 4,3,2,3: “est inmediata causa disponens ad gratiam”; Idem, Summa Theologiae, III, q. 69 a. 9 ad 1: “Et sic omnes induunt Christum per configurationem characteris, non autem per conformitatem gratiae” (“E nesse sentido todos se revestem de Cristo mediante a configuração a ele com o caráter, não com graça”).
4. Cf. Santo Agostinho de Hipona, Sermo ad Caesariensis Ecclesiae Plebem, 2; PL 43, 691-692: “Nunc vero ipse desertor, characterem fixit imperatoris sui. Deus et Dominus noster Jesus Christus quaerit desertorem, delet erroris criminem, sed non exterminat suum characterem”.
5. Francisco, Audiência geral (11 de abril de 2018), disponível online [em português] aqui.
6. Francisco, Exortação apostólica Evangelii gaudium, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24 de novembro de 2013), n. 47.
7. João Paulo II, Carta ao cardeal William W. Baum por ocasião do curso sobre o foro interno organizado pela Penitenciaria Apostólica (22 de março de 1996), 5: Insegnamenti XIX, 1 [1996], 589.
8. Catecismo da Igreja Católica, n. 1277.
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O batismo e as pessoas transexuais e homoafetivas. Respostas do Dicastério para a Doutrina da Fé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU