08 Março 2021
Publicamos o comunicado do Ir. Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, publicado em seu site pessoal, 06-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo Bianchi, “este comunicado foi preparado para ser publicado no dia 9 de fevereiro de 2021, em resposta ao comunicado do mesmo dia do delegado pontifício e àquele que apareceu no site de Bose. No entanto, por obediência e, repito, apenas por obediência, continuei guardando silêncio até hoje”.
Silêncio, sim. Consentimento com a mentira, não!
No decreto do secretário de Estado que nos foi entregue no dia 21 de maio de 2020, era pedido a mim, a dois irmãos e a uma irmã o afastamento de Bose por causa de comportamentos que nunca nos foram indicados e explicados, e que teriam dificultado o exercício do ministério do prior de Bose, Ir. Luciano Manicardi. Embora não endossando as calúnias expressadas no decreto, cientes de que não nos era permitido o exercício do direito fundamental à defesa (como sancionado pela Carta dos Direitos Humanos e pela Convenção Europeia), obedecemos ao decreto.
Imediatamente comecei a procura de uma habitação adequada a mim e à pessoa que me auxilia, para onde também pudesse transferir a vasta biblioteca necessária ao meu trabalho e o amplo arquivo pessoal. Depois de meses de buscas realizadas também por agências especializadas, busca complicada igualmente pela emergência sanitária da Covid-19, não encontrei nada adequado às minhas exigências. Os custos para a compra de uma casa no interior (sempre superiores a 500.000 euros) ou de um aluguel de um alojamento na cidade permaneciam excessivamente elevados em relação às minhas possibilidades econômicas e à escolha de uma vida sóbria que sempre levei.
A essas dificuldades, somam-se a minha idade avançada e as precárias condições de saúde: gravíssimas dificuldades de locomoção causadas por uma grave ciática, uma grave insuficiência renal que não permite nenhuma intervenção cirúrgica decisiva, às quais se soma uma cardiopatia. É na sequência dessa situação, e não por outras razões, que não pude deixar o eremitério no qual vivo há mais de 15 anos e que se encontra atrás da colina da Comunidade de Bose. Com a entrega do decreto, imediatamente interrompi todas as relações com os membros da comunidade, encontrando apenas um irmão encarregado pelo prior para a minha assistência cotidiana. Portanto, eu realizei o afastamento concreto, mas não o suficientemente longe como indicado pelo decreto.
Em outubro de 2020, diretamente do cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, chegou até mim a proposta de me mudar para a Fraternidade de Bose em Cellole, situada em San Gimignano, junto com alguns irmãos e irmãs que teriam se disponibilizado, de modo a implementar plenamente o decreto e encontrar uma solução para a minha residência fora da comunidade.
A essa proposta, o prior de Bose, o ecônomo da comunidade e o delegado pontifício logo impuseram algumas condições, entre as quais a perda de todos os direitos monásticos para os irmãos e as irmãs que se transferissem para Cellole na condição de extra domum. Tive a preocupação de informar ao secretário de Estado que a condição a que esses irmãos e irmãs eram reduzidos estava em aberta contradição com o cân. 665, § 1, do Direito Canônico vigente, corroborado pela interpretação dada pelo documento “Separação do Instituto. Extra domum, exclaustração e secularização”, redigido pelo Grupo de Secretários/as de Roma do dia 12 de novembro de 2013.
No dia 13 de novembro de 2020, o cardeal Parolin, em uma carta a mim dirigida, acolhia as minhas observações, pedindo-me que me transferisse para Cellole com alguns irmãos e irmãs disponíveis, escolhidos por mim em entendimento com o prior de Bose, que viveriam como monges extra domum, mas conservando todos os seus direitos monásticos. Cellole não seria mais uma fraternidade de Bose, mas, mesmo assim, uma fraternidade monástica na qual era possível a presença de um irmão presbítero para a celebração eucarística.
No entanto, no dia 8 de janeiro de 2021, chegava até mim o decreto do delegado pontifício com as disposições para a transferência para Cellole e, anexado, um contrato de comodato de uso gratuito precário, que eu deveria ter assinado imediatamente. O contrato, concebido e redigido pelo ecônomo de Bose, Ir. Guido Dotti, e aprovado pelo prior de Bose, Ir. Luciano Manicardi, e pelo delegado pontifício colocava as seguintes condições:
1. O decreto do delegado pontifício ordena que o Ir. Enzo Bianchi se transfira para Cellole sem saber nem a identidade nem o número dos irmãos e das irmãs que iriam morar com ele.
2. No contrato de comodato, prevê-se que a Associação do Mosteiro de Bose, no seu representante legal, Ir. Guido Dotti, pode expulsar de Cellole, a qualquer momento, mediante simples pedido e sem motivar as razões para isso, o Ir. Enzo Bianchi e aqueles que lá residem com ele.
3. O contrato de comodato de uso concede os edifícios do priorado de Cellole, retirando, porém, intencionalmente, os terrenos anexos ao edifício e necessários para o cultivo, para a horta e para o abastecimento de água durante o verão.
4. Declara-se que os monges e as monjas de Bose que viverão em Cellole estão proibidos não só de fazer referência a Bose, mas também de afirmar que levam uma vida monástica ou cenobítica: poderão simplesmente se definir como aqueles que prestam assistência ao Ir. Enzo Bianchi, reduzidos, portanto, a meros “cuidadores”.
Também ao meu pedido de que em Cellole houvesse um irmão idôneo designado para dirigir a comunidade, o delegado pontifício respondeu que “não há nenhum prior, nem responsável, nem presidente do grupo em Cellole, nem vida monástica, nem vida cenobítica”. Aos monges e às monjas de Bose presentes comigo em Cellole, aos quais eram reconhecidos pelo secretário de Estado todos os direitos monásticos, no entanto, era expressamente vetada a vida monástica.
Com toda a evidência, essa imposição é lesiva à dignidade pessoal e aos direitos monásticos fundamentais desses irmãos e irmãs que vivem em Bose até há 40 anos. Se em Cellole eles são proibidos de levar uma vida monástica, o que eles vivem? Seus direitos monásticos são reconhecidos, mas a substância da vida monástica é expressamente vetada para eles.
Nessas condições, que nunca foram divulgadas à comunidade, eu nunca dei o meu consentimento, porque me parecem desumanas e ofensivas à dignidade dos meus irmãos e das minhas irmãs. O decreto do delegado pontifício coloca, com toda a evidência, a mim e aqueles que vivem comigo em Cellole em uma condição de radical precariedade, obrigando-nos a viver perenemente na angústia de sermos expulsos a qualquer momento e por qualquer razão. Se eu sempre poderia obedecer às indicações do secretário de Estado, eu nunca pude dar o meu consentimento às modalidades de realização ditadas em particular pelo Ir. Guido Dotti.
Por essas razões, pela quarta vez, no dia 2 de fevereiro passado, comuniquei ao delegado pontifício e ao prior, mediante carta entregue em suas mãos, a minha decisão de não me transferir para Cellole nas condições postas por eles. Além disso, por amor à Igreja e em particular à Diocese de Volterra, ao seu bispo, Alberto Silvagni, pai verdadeiro zeloso, a todas as pessoas que há oito anos frequentam a eucaristia dominical e a liturgia das horas cotidiana e que teceram laços eclesiais e espirituais com a fraternidade de Cellole, não posso em consciência aceitar que uma fraternidade de tão grande valor monástico seja fechada com o simples propósito de se tornar uma casa privada destinada a mim e a quem me assistem. Reitero toda a minha dor por um fechamento decidido repentinamente e dessa forma, e certamente não por vontade minha.
O delegado pontifício e o prior de Bose, ignorando essa minha decisão prontamente comunicada por escrito a eles de não me transferir para Cellole, publicaram igualmente os seus respectivos anúncios oficiais no dia 9 de fevereiro de 2021, omitindo gravemente de tornar conhecida a minha decisão, pelo contrário, dizendo que eu havia aceitado me transferir para Cellole, alterando, de tal modo, a verdade dos fatos.
Por isso, desde o início de fevereiro, recomecei a busca de uma habitação onde eu possa viver a vida monástica e praticar a hospitalidade como sempre fiz em toda a minha vida em Bose: à minha vocação, não pretendo renunciar.
Não tenho mais nada a comunicar, pelo menos POR ENQUANTO. JULGUEM VOCÊS!
Do que está escrito aqui, estou disposto a mostrar os documentos que o comprovam.
Ir. Enzo Bianchi – fundador de Bose
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Comunicado do Ir. Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose - Instituto Humanitas Unisinos - IHU