09 Junho 2020
O monaquismo correlaciona Evangelho e vida na raiz. Faz isso sob o risco de uma forma de vida. Sua vocação também é o seu limite: como ocorre nas famílias domésticas, as famílias monásticas também não podem gerir as crises apenas “diplomaticamente”.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em Come Se Non, 07-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“... em cada hora, ambiente e circunstância, com a mansidão, a mortificação da curiosidade, a redução habitual das coisas que seria espontâneo dizer, a renúncia a falar sobre si, a preferência progressiva pelas palavras e pelos conceitos mais simples, mais serenos e mais pacificadores.”
Pequena regra da Annunziata
Eu não pertenço à “geração Bose”. Antes, pertenço à “geração Camaldoli” ou à “geração Santa Justina”. Isso não depende simplesmente de motivos de idade, mas sim daquelas contingências e circunstâncias que sempre determinam o “ser gerado”, fenômeno corpóreo que nunca é um fato apenas eletivo ou opcional, mas sempre também ocasião propícia e contingência indevida.
No entanto, continua sendo interessante que uma forma de identificação das diversas gerações de cristãos católicos aconteça e se diga em relação a “lugares monásticos”.
Eu nunca estive em Bose. Conheço apenas alguns monges e as suas obras, que aprecio e estimo. Por isso, talvez, eu esteja afetivamente menos envolvido nos dolorosos eventos que, nos últimos dias, atravessaram o corpo pessoal e eclesial de tantos de nós.
Precisamente por isso, gostaria de me deter em alguns aspectos de fundo, que me parecem bastante esquecidos naquilo que é dito sobre o caso recente: ou seja, a heterogeneidade original entre “Igreja apostólica” e “tradição monástica”.
Esse me parece ser o ponto sobre o qual deveríamos refletir, também para recuperar aquela serenidade que, sine ira ac studio, pode nos permitir entender verdadeiramente o que está acontecendo.
Tento fazer algumas considerações preliminares e totalmente provisórias:
O monaquismo é, eclesialmente, forma de vida elementar: que leva ao máximo da evidência dois aspectos opostos, polares, da fé cristã: a vocação à singularidade, o trabalho sobre si mesmo e a estrutura comum, a força agregadora e unificadora de linguagens e gestos compartilhados.
Poderíamos dizer que, no monaquismo, pelo menos como o vivemos depois de Napoleão, ou seja, depois que Napoleão tentou anular a sua presença na Europa, encontramos dois elementos em tensão com o mundo moderno: um poder de autoridade pré-moderno e uma aspiração pós-moderna à hiperliberdade.
Com efeito, não é difícil entrever como uma mediação fundamental, no monaquismo, é constituída pela “regra”. Ela é, ao mesmo tempo, código de comportamento, orientação moral, princípio ascético, espaço místico, regulamento jurídico. Ela vem de um mundo que não existe mais e vai rumo a um mundo que ainda não existe. Em razão de um dom, ela relativiza direitos e deveres. E cria espaços impensáveis de “autoridade total sobre o outro” e de “liberdade radical coram Deo”. Descrevendo uma communitas vitae, ela o faz no detalhe de uma “communitas victus, orationis, cantus, laboris et dormitionis”.
Esse mundo, que é ao mesmo tempo radicalmente fechado e radicalmente aberto, que se hiperestabiliza para não depender de lugar algum, que se hipertemporaliza para atravessar todos os tempos, sempre esteve em uma certa tensão com a “medietas” que a Igreja diocesana e paroquial, curial e vaticana inevitavelmente teve que elaborar. A “sucessão apostólica” e a “vocação monástica” não se entrelaçam espontaneamente. A pertinência ao Evangelho “fundada institucionalmente” e “reconhecida espiritualmente” são vias diferentes, não necessariamente antitéticas, como gostaríamos muitas vezes, mas obviamente também não são harmoniosas. E a história está repleta do seu conflito.
A vida batismal assume formas surpreendentes. E sempre fez isso. Nós tendemos a simplificar demais essa história, com base nos desenvolvimentos mais recentes. Mas, se olharmos ao nosso redor, descobriremos as infinitas variações de uma “experiência de autoridade” que se liga à fé de maneiras que não são eclesialmente unívocas.
Apenas para citar alguns exemplos, quando se estuda a história das cidades de Pádua, de Bolonha, de Bari ou de Conversano, descobrem-se abismos de conflitos e de colaborações, em que tradições diocesanas e tradições monásticas/religiosas disputam o campo: o abade de Santa Justina tinha mais paróquias do que o bispo de Pádua; a Basílica de São Petrônio era (e ainda é) patrimônio municipal e não episcopal; na Igreja de São Nicolau, não era o bispo, mas sim o imperador, depois o rei e depois o Estado italiano que tinham autoridade, por mediação de uma presença monástica; finalmente, a abadessa do Mosteiro de Conversano tinha o direito de veto sobre a eleição do bispo.
São todos exemplos daquela “pluralidade de foros” que a modernidade simplificou, mas que a experiência eclesial nunca pode superar totalmente, sem abrir mão de si mesma.
De modo ainda mais claro e ainda mais esquecido, a diferença entre monaquismo e sucessão apostólica se destaca no plano da penitência. Ao longo dos séculos, convencemo-nos de que só era possível abordar a questão do pecado com o “poder das chaves”. Mas a tradição nos diz, ao mesmo tempo, outra verdade. Que, na relação com o pecado, a autoridade não é simplesmente aquela “formal” garantida pela ordenação, mas também a “substancial” assegurada pela vida santa.
O homem santo, o homem que experimentou sobre si o poder da graça, o homem que descobriu o abismo do próprio pecado é a autoridade eclesial que torna Cristo misericordioso presente. A redução “secular” dessa tradição a “ato jurídico” é um dos fenômenos mais grávidos de consequências na relação com o monaquismo e na autossuficiência da lógica institucional, pelo menos no Ocidente.
Os mosteiros são lugares paradoxais: onde a autoridade e a liberdade são majoradas e onde, portanto, os equilíbrios são muito delicados, finos como um fio de cabelo e altos como as montanhas. Por isso, o excedente de autoridade e de liberdade, que o monaquismo deve experimentar e comunicar, exige formas de autocontrole sobre as quais a “regra” é a garantia mais precisa.
O cuidado com a interioridade e o estilo da “forma exterior”, que estão sempre em tensão, não podem entrar em contradição. Quando isso ocorre, não é raro que o remédio inevitavelmente também venha de fora. Uma profecia regulada, com a sua diferença, anuncia uma Igreja possível e a torna simbolicamente real. Por isso, hoje existem “gerações” de cristãos católicos que obtiveram de “lugares monásticos” a sua identidade mais íntima e talvez também a mais exterior.
O monaquismo correlaciona Evangelho e vida na raiz. Faz isso sob o risco de uma forma de vida. Sua vocação também é o seu limite: como ocorre nas famílias domésticas, as famílias monásticas também não podem gerir as crises apenas “diplomaticamente”. Essa é a diferença em relação à Igreja não monástica: quanto mais decisiva for uma concreta forma de vida, menor será o espaço das formalidades e dos formalismos. Por isso, quanto maior for o impulso profético, menor será o espaço da mediação. Desde sempre é assim. Mas é precisamente essa diferença precária e ferida de que todos precisamos.
Nas passagens mais difíceis, pode valer como orientação de fundo uma indicação da Pequena Regra da Annunziata:
“... em cada hora, ambiente e circunstância, com a mansidão, a mortificação da curiosidade, a redução habitual das coisas que seria espontâneo dizer, a renúncia a falar sobre si, a preferência progressiva pelas palavras e pelos conceitos mais simples, mais serenos e mais pacificadores”.
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Autoridade e liberdade em excesso: geração monástica e o caso Bose. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU