11 Fevereiro 2021
Se Enzo Bianchi considerar que é preciso obedecer ao velho ditado “ad impossibilia nemo tenetur”, a provocação terá sido bem-sucedida: ele será demitido ou renunciará, a doutrina do Pe. Cencini terá vencido, às custas do papa.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado em La Repubblica, 10-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Pe. Amedeo Cencini, delegado pontifício para a Comunidade de Bose, anunciou com um comunicado o prazo dentro do qual Enzo Bianchi deverá se instalar no Mosteiro de Cellole, sob pena de demissão. Um ultimato cujos tons parecem querer minar a saída de uma crise na qual pesou aquela que eu chamaria de “doutrina Cencini”.
Psicólogo da vida religiosa, autor de singulares teorias sobre o “prognóstico” da homossexualidade, Cencini consolidou desde 2016 a sua “doutrina” sobre as novas formas de vida consagrada. Afetadas, em sua opinião, pelo complexo do fundador – que, com a sua forte personalidade, atrai os fracos e exerce um abuso (pelo menos) psicológico sobre eles –, elas devem fazer um caminho terapêutico de “objetivação do carisma”, que pressupõe a liquidação do pai.
Essa doutrina explica a sua missão em Bose, para onde Cencini foi mandado por Roma há 14 meses, após várias denúncias que chegaram do mosteiro contra Enzo Bianchi: a acusação era de que o fundador, embora tendo renunciado como prior, continuara exercendo um poder em prejuízo ao sucessor, vivendo acima da Regra.
Podia-se intervir de mil maneiras. Mas Cencini, tendo ouvido quase todos os monges com dois outros visitadores, sugeriu ao papa uma solução que aplicava a sua “doutrina”: isto é, exilar o fundador, afastar dele os seus íntimos, deixar muitos outros irem embora, trazer à tona os “traumas” dos restantes e tratá-los.
Assim, com efeito, ele dispôs um decreto de maio de 2020, aprovado pelo papa de forma específica e, por isso, inapelável. Para executá-lo – e dar início a uma reforma da comunidade destinada a mudar a sua fisionomia ecumênica – Cencini foi novamente escolhido. Por isso, ele devia demonstrar, após a condenação, que a investigação era justa e o remédio, apropriado. Além disso, ele devia retratar o fundador de Bose como um renitente ao papa e evocar algo sórdido (“estamos apenas no começo”) que não existia, mas ao qual se aludia como se existisse. E, por fim, devia convencer Enzo Bianchi a sair do perímetro comunitário ou demiti-lo com autoridade da comunidade.
Poucos, então, se deram conta de que, se Bianchi estivesse com saúde para obedecer imediatamente, cerca de 20 professos o seguiriam; Bose recomeçaria sem aprovação eclesiástica, como nos seus primórdios; mas Cencini deixaria nas mãos do papa, que tem um ministério de unidade, o pavio da divisão.
Isso não aconteceu. Enzo Bianchi viveu sem a vida que era a sua – nada de ofício, nada de missa, nada de capítulo –, permanecendo quase sempre isolado em um eremitério do outro lado da colina de Bose. Mas, ao mesmo tempo, alguns entenderam que o direito monástico e até o cristianismo sugeriam coisas mais fáceis e mais difíceis ao mesmo tempo. Limadas e buscadas a partir da proposta de uma transferência para Cellole, perto de San Gimignano.
Lá, Enzo Bianchi poderia, portanto, ir morar com alguns que não são os seus cuidadores ou os seus ajudantes, mas sim os seus irmãos. Solução que o delegado pontifício parecia assumir e querer torná-la inadmissível com uma cômica confusão: a tal ponto que se proíbe que os irmãos de Bose e o fundador de Bose usem a palavra Bose, “nos nomes, na publicidade, na sinalização, nos sites da internet etc.” de Cellole.
Se Enzo Bianchi considerar que é preciso obedecer ao velho ditado “ad impossibilia nemo tenetur”, a provocação terá sido bem-sucedida: ele será demitido ou renunciará, a doutrina Cencini terá vencido, às custas do papa.
Se o fundador de Bose considerar que pode aceitar esse exílio, sem que isso implique reconhecer acusações ou procedimentos, prestará um serviço à credibilidade ecumênica do papado e poderá haver um caminho de reconciliação. Para Bose, a partir de Bose.
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Enzo Bianchi, um prior mandado para o exílio. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU