08 Outubro 2020
O confronto entre parte da Igreja italiana e Francisco está aberto há algum tempo. Há meses, a frente anti-Bergoglio reclama da falta de indicações em algumas das sedes italianas mais prestigiosas: Torino, Veneza, Milão e Palermo. Um sinal claro, dizem eles, da vontade papal de enfraquecer a presença italiana dentro do colégio cardinalício. Hoje essa parte da Igreja sofre pelo fato que, com o "caso Becciu", são ainda a Itália e seus representantes eclesiais a serem julgados inadequados. Afinal, no último Conclave, o mandato oferecido pelos cardeais não italianos foi claro: os escândalos, a começar pelo Vatileaks, são causados pelos italianos, é preciso superar isso.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 07-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira frente anti-bergogliana formou-se na antiga liderança do Instituto João Paulo II sobre matrimônio e família. Ali o cardeal Carlo Caffarra, emérito de Bolonha já falecido, junto com a liderança no comando até alguns anos atrás, insinuou a ideia de que o magistério de Francisco trai o de João Paulo II: "Não se renova a casa destruindo-a", disse não por acaso o professor Stanislaw Grygiel, filósofo polonês, amigo de Wojtyla e ex-professor do Instituto. E ainda, em contraposição ao novo pontificado: “A Igreja de hoje precisa de um Moisés que, movido pela ira do Deus misericordioso, coloque a ferro e fogo todos os ‘bezerros de ouro’ em cuja adoração o povo, com a permissão de tantos pastores, está procurando a felicidade”. Francisco quis mudar radicalmente a liderança do Instituto, uma manobra que ainda hoje cria descontentamento e ressentimento nos afastados. Muitos prelados italianos insatisfeitos com o papado não se manifestam publicamente. Eles estão em silêncio, mas operando. Temem retaliações. Assim colocam na frente os eméritos, bispos aposentados que nada mais têm a perder.
Entre estes, mais do que outros, o ex-núncio de Washington Carlo Maria Viganò que não hesitou, no verão de 2018 enquanto Francisco voltava de uma Irlanda ainda abalada por escândalos de pedofilia, em pedir a renúncia do Papa por suposta cobertura da vida dupla do cardeal Theodore Edgar McCarrick. Ontem Camillo Ruini, ex-presidente da 602170, reacendeu o pavio no Corriere della Sera dizendo que "não seria bom para a Igreja italiana estar sub-representada" e, ao mesmo tempo, argumentando "que criticar o Papa não significa ser contra ele". Ruini é o "grande idoso" a quem um tipo de mundo bem específico continua a referir-se. A Igreja italiana, órfã das lutas sobre os princípios, lamenta a irrelevância política e cultural do novo curso inaugurado na CEI pelo fidelíssimo de Francesco, Gualtiero Bassetti. “O risco da irrelevância, espreita na esquina”, argumentou o sociólogo Franco Garelli, relatando uma opinião que também existe em observadores não partidários. Mas outros usam o tema da irrelevância contra o Papa: "Ele quer nos tornar supérfluos", disse um prelado que pretende permanecer anônimo. E ainda: “Com Francisco no trono de Pedro, a Igreja italiana acabou.” Ruini pede diálogo tanto com Matteo Salvini como com Giorgia Meloni.
Grande parte do dissenso ao Papa alimenta-se dessas forças políticas de direita e também ultrapassa as fronteiras italianas. Mas a Igreja local, mesmo aquela amiga de Francisco, não se posiciona, deixando que o dissenso se espalhe. Várias vezes outros bispos eméritos se manifestaram. Entre estes Monsenhor Luigi Negri, ex-arcebispo de Ferrara, que criticou o Papa em especial sobre a concessão da Eucaristia aos divorciados e recasados, como consta em "Amoris Laetitia". Iacopo Scaramuzzi, autor de Dio? In fondo a destra. Perché i populisti sfruttano il cristianesimo (Deus? No fundo à direita, Porque os populistas exploram o cristianismo, em tradução livre, Emi) afirma: "Quando Matteo Salvini veste a camiseta ‘o meu papa é Bento’, quando Giorgia Meloni lança seu grito de batalha ‘Sou mãe, sou italiana, sou cristã’, eles não improvisam. Atrás deles está uma rede, italiana e internacional, que tem na mira o Papa Francisco porque os impede de se apropriar do cristianismo, de transformá-lo em uma ideologia identitária. Lorenzo Fontana, fiel a Salvini, formou-se em Pádua com uma tese sobre os movimentos populistas europeus: ‘Somos antes de mais nada – escreveu ele em 2011 – um povo de raça branca, de cultura grega e latina e de religião cristã’. Anos mais tarde, assinou um livro, ‘La culla vuota dela civiltà’ (O berço vazio da civilização, em tradução livre), em colaboração com Ettore Gotti Tedeschi, banqueiro da Opus dei, ex-presidente do IOR, crítico incansável de Francisco, com prefácio de Salvini. Ele, junto com Giancarlo Giorgetti, se tornou membro da fundação Sciacca, uma entidade conservadora presidida por Raymond Leo Burke, cardeal trumpiano e líder da oposição curial a Bergoglio. Os laços internacionais são fortes”. E continua: “Enquanto Salvini tece relações tanto com os Estados Unidos quanto com o Brasil de Jair Bolsonaro, Giorgia Meloni não fica atrás: a encontramos em Washington no National Prayer Breakfast aberto por Trump, em Verona, no encontro das famílias promovido por uma entidade nascida na Rússia de Putin, em Roma em março passado inaugurando uma conferência sobre o ‘conservadorismo nacional’ com o presidente húngaro Victor Orban".
Um lugar onde a oposição ao papado está destinada a crescer, especialmente na Itália, é a Abadia de Trisulti. A prisão de Steve Bannon por fraude e lavagem de dinheiro parecia ter enfraquecido a ideia de usar a Abadia como uma sede europeia de onde lançar os paladinos da cruzada para a salvação do Ocidente judaico-cristão. Mas hoje a Abadia ainda está ligada ao bannoniano Dignitatis Humanae Institute (Dhi), a associação vencedora do cargo ministerial em 2016 à qual o cardeal Raymond Leo Burke pertencia até poucos meses atrás, que repetidamente se manifestou contra alguns temas centrais do pontificado em curso.
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Fiéis e descontentes: a frente da Igreja que se opõe ao Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU