08 Outubro 2020
“Peçamos a Deus para que conserve este Papa para nós, ao menos pelo tempo que é necessário para completar esta limpeza”, escreve Jesús Martínez Gordo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 08-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Ainda que não exclusivamente, o papa Bergoglio foi eleito para limpar e reformar a cúria, isto é, a administração vaticana. À espera da ansiada reforma, assistimos nos últimos dias a um novo capítulo de limpeza, na qual ele segue ocupado, depois de sete anos de pontificado.
Não faz muito que Francisco pediu ao cardeal Angelo Becciu, encarregado das Causas dos Santos, para que renunciasse à prefeitura e a prerrogativas do cardinalato, entre elas, a de ser o eleitor do novo Papa. “Por que me fizestes isso?”, lhe falou o demitido. Não sei se lhe pedindo explicações ou se lamentando pela perda de confiança e, por consequência, o truncamento de uma meteórica carreira eclesial aberta, inclusive, segundo os entendidos, a se sentar na cátedra de Pedro, quando finalizado o tempo de Bergoglio.
Francisco o recriminou por ter desviado fundos do chamado Óbolo de São Pedro (o dinheiro que os católicos dão ao Papa para atender aos pobres) a uma cooperativa, em sua Sardenha natal, da qual o responsável legal é um irmão do já ex-Prefeito. Um caso de nepotismo. Fica no ar, ao menos de momento, sua implicação na compra de um imóvel em Londres – com um preço escandalosamente inflado – e em outros movimentos, igualmente suspeitosos.
Mais além da precisão dos fatos e detalhes indicados, ainda em investigação, o que é inquestionável é que Francisco voltou a “pegar a vassoura” para varrer, neste caso, ninguém mais ninguém menos que uma pessoa que ele mesmo elevou ao cardinalato. Não parece que o Papa atual tenha o mesmo carisma como comunicador que como responsável último na escolha de seus colaboradores, tampouco com a nomeação de alguns bispos.
Porém, o assunto adquire ares novelescos a partir do momento em que o cardeal George Pell (condenado em primeira instância por pedofilia e absolvido em apelação), manifesta que é preciso parabenizar o Papa “pelos acontecimentos recentes”, esperando que “a limpeza dos estábulos” continue “tanto no Vaticano quanto em Victoria (Austrália)”.
Antes destas declarações, podia-se escutar e ler, entre pessoas próximas a este cardeal, que sua via-crúcis jurídica e carcerária obedecia a um obscuro plano consumado “com canhões australianos e munição vaticana”. Confirma a veracidade deste surpreendente comentário a existência, segundo o jornal Corriere della Sera, de, pelo menos, um pagamento que – com dinheiro do Vaticano – foi realizado na Austrália a alguns jornalistas e outras fontes muito possivelmente em conexão com o julgamento de Pell.
E se isso não bastasse, o assunto vira enredo cinematográfico quando ele volta novamente a Roma, como confessou, para ficar no apartamento que deixara depois de sair da Cidade Eterna, há três anos, a pedido da justiça do seu país. A partir disso, as explicações se cruzam e se contradizem: há quem afirme que ele foi chamado pelo Papa com o propósito de ouvir novamente uma informação que – dada antes de sua viagem pelo deserto dos tribunais e prisões australianos – não considerou com a importância que realmente tinha. Mas também há quem afirme que o Papa o receberá com gratidão pelos serviços prestados e pela bebida amarga que bebeu; sem outros objetivos ou considerações.
Ainda que o cardeal australiano se dê a satisfação, mais humana do que divina, de ver passar diante de sua casa (seja esta a que volta ou outra) o cadáver, claro, eclesial, de Angelo Becciu, seu inimigo e, segundo alguns dos “desencantados”, o comandante que teria fornecido a munição para os canhões australianos. Você sabe, a vingança é servida fria. E mais, por estas bandas, onde se assentam a mais antiga administração e diplomacia, pelo menos, da Europa.
Suponho que a imprensa especializada analisará em detalhe as manifestações e movimentos do cardeal George Pell nos próximos meses. É possível que, graças a eles, Pell forneça uma chave ímpar para compreender a limpeza em curso e o que aconteceu nos últimos anos nas margens do Tibre. Não é em vão que estamos nos referindo a um responsável em sua época, antes de ser acusado de pedofilia, de limpar o submundo do Vaticano e colocar ordem em sua economia. Aqueles que – provavelmente com o nariz tapado – tiveram a paciência e a coragem de me ler até aqui, saberão que há muito enredo para um novo filme do Poderoso Chefão, que poderia ser, se não me engano, o quarto, O Poderoso Chefão IV.
E também que é muito melhor ir a Roma para ver a Fontana di Trevi; jogar as moedas para trás; caminhar pelo Coliseu; tomar um sorvete na Piazza Navona e, sem passar pelo Vaticano nem tirar a máscara, volte o mais rápido possível para a terra de onde saiu... E se você é católico, continue pedindo a Deus que conserve este Papa para nós, ao menos pelo tempo que é necessário para completar esta limpeza e, acima de tudo, para efetivar e finalmente lançar a reforma tão esperada. Deus salve Francisco!
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Bombas novelescas entre Pell e Becciu: novamente, limpeza no Vaticano. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU