O presidente do Conselho Nacional de Saúde - CNS defende ações emergenciais, mas diz que não se pode esquecer de medidas de longo prazo para fortalecimento do sistema público de saúde
Há não mais do que seis meses, as discussões em torno da redução do Sistema Único de Saúde - SUS estava na pauta do governo federal. Agora, diante da pandemia de coronavírus, ocorre uma verdadeira força-tarefa para arrecadar recursos financeiros que subsidiem ações do sistema público de saúde. Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde - CNS, organismo que fiscaliza e defende as ações do SUS, Fernando Pigatto, infelizmente o desespero diante da falta de recursos materializa o que a entidade vinha há tempos alertando. “Não à toa presenciamos recentemente nosso ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demandando ao Legislativo recursos para lidarmos com esse momento. Se a EC 95 não existisse, enfrentar esta crise certamente estaria sendo menos dramático. Até 2036, podemos perder mais de R$ 400 bilhões”, acrescenta.
Para Pigatto, a emenda que limita os gastos da saúde, a EC 95, é a principal inimiga, não é a única. “De 2018 para cá, tivemos a perda de mais de R$ 22 bilhões, de acordo com estudo apresentado na nossa Comissão de Orçamento e Financiamento - Cofin”, observa, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. E dispara: “esse episódio revela que, apesar de termos um dos maiores e melhores sistemas públicos de Saúde do mundo, ainda assim temos fragilidades. Devido às forças políticas que operam a nação, muitas vezes a austeridade fiscal, disfarçada de ‘responsabilidade’ ou ‘interesse na melhora da economia’, sobrepõe os aspectos humanitários e agrava as crises”.
É por isso que o presidente do CNS defende a mobilização de toda a população para o fortalecimento do SUS, pois acredita que só assim a relação do poder público com a área da saúde pode se transformar depois da dura experiência da Covid-19. “É um momento em que precisamos ter calma e coragem para seguirmos lutando. Devemos atender às orientações das autoridades de saúde, em especial manter o isolamento social quando possível e evitar aglomerações”, diz. “Precisamos exigir das autoridades respeito aos direitos humanos, proteção social com nenhum direito a menos, cuidado especial às populações vulnerabilizadas e ainda mais responsabilidade na aplicação dos valores que estão sendo liberados emergencialmente. Ao mesmo tempo, vamos manter nossas mobilizações nas redes sociais e articulações políticas em defesa do povo e do SUS”, acrescenta.
Fernando Pigatto (Foto: Imprensa CNS)
Fernando Zasso Pigatto é o atual presidente do Conselho Nacional de Saúde – CNS e vem atuando como conselheiro nacional de saúde desde 2014, e é representante da Confederação Nacional das Associações de Moradores – Conam. Formado em Gestão Ambiental pela Universidade Norte do Paraná – Unopar, iniciou sua atuação social na década de 1980 em grupos de jovens da Pastoral da Juventude e Comunidades Eclesiais de Base - CEBs da Igreja Católica.
IHU On-Line – Como o Conselho Nacional de Saúde – CNS vem participando das discussões sobre as ações para conter a pandemia de coronavírus no Brasil? Qual a importância do CNS em momento de crise como esse?
Fernando Pigatto – O CNS, desde o primeiro momento da crise do novo coronavírus, em janeiro, tem atuado em campanhas de prevenção. Reuniu sua mesa diretora com a representante da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde - Opas/OMS e presidência da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, além de colaborar com o Ministério da Saúde - MS, especialmente a Secretaria de Vigilância em Saúde, trazendo para suas reuniões ordinárias especialistas e técnicos para discutirmos os temas relacionados e os melhores encaminhamentos para a sociedade brasileira.
O CNS neste momento é fundamental, pois por lei somos o órgão que fiscaliza e delibera sobre as ações do Sistema Único de Saúde - SUS. Estamos também mobilizando e difundindo informações junto aos milhares de conselhos de Saúde espalhados pelo país.
IHU On-Line – Diversos conselhos nacionais vêm sofrendo com esvaziamentos e dificuldades de relação com o governo federal. Qual é a realidade do Conselho Nacional de Saúde nesse contexto?
Fernando Pigatto – O decreto que extinguiu centenas de conselhos da esfera federal é extremamente prejudicial para a democracia brasileira. Nós aprovamos recomendação contra este decreto e seguimos em apoio a todos os conselhos e órgãos colegiados que foram atacados. Para nós, a medida é uma afronta à democracia e à participação do povo nas decisões públicas.
O CNS permanece mantido, pois fazemos parte das leis que regem o SUS. Isso nos dá respaldo legal para mantermos nossa estrutura e nossas atividades. No início do mês de março, optamos por adiar nosso calendário previsto para o próximo período, pela compreensão do momento que vivemos, inclusive com a adequação de nossa estrutura funcional, priorizando o cuidado com a saúde da nossa equipe de assessoria e apoio. Estamos realizando muitas ações de forma virtual. O CNS pode ser contatado através do site do Conselho, onde também disponibilizamos acessos para nossas redes sociais e publicamos informações sobre o coronavírus. Ainda há o portal SusConecta, que é uma plataforma gerida pelo CNS.
IHU On-Line – O sistema público de saúde vem sofrendo com cortes e contingenciamento de recursos. Quais são os impactos desses cortes atualmente? O quanto se limitou, por exemplo, a atuação do SUS e o quanto já se perdeu de recursos?
Fernando Pigatto – O impacto das medidas de austeridade fiscal é direto na Saúde e na vida da população. A Emenda Constitucional 95/2016 é extremamente prejudicial para a Saúde pública e outras áreas. De 2018 para cá, tivemos a perda de mais de R$ 22 bilhões, de acordo com estudo apresentado na nossa Comissão de Orçamento e Financiamento - Cofin. Esse dinheiro poderia estar sendo investido inclusive neste momento de crise e combate ao novo coronavírus.
Não à toa presenciamos recentemente nosso ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demandando ao Legislativo recursos para lidarmos com esse momento. Se a EC 95 não existisse, enfrentar esta crise certamente estaria sendo menos dramático. Até 2036, podemos perder mais de R$ 400 bilhões. Quantas vidas vamos deixar de acolher, quantas pessoas vamos deixar morrer nessas duas décadas?
IHU On-Line – O Conselho Nacional de Saúde vem promovendo uma mobilização para que a Emenda Constitucional 95, de 2016, que limita o teto de gastos na saúde, seja revertida. Como essa demanda tem repercutido na sociedade e entre parlamentares e gestores públicos?
Fernando Pigatto – A nossa mobilização é bastante ampla, tanto que apoiamos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal - STF para a revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016. Diversos parlamentares em todo o país já estão conscientes dos danos que essa medida traz para o Brasil. Neste momento, é importante que os ministros do STF e o Congresso Nacional tenham agilidade para tomarem uma atitude, anulando essa emenda.
Tanto o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde - Conasems quanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde - Conass também já se posicionam contra. São espaços compostos por gestores que já perceberam o quanto esta medida é grave para as unidades federativas e municípios. A ministra Rosa Weber, relatora dessa matéria no STF, solicitou no dia 20 de março que em 30 dias o governo federal e o CNS se posicionem sobre os efeitos da EC 95. Nós já temos as respostas aos seus questionamentos e consideramos o prazo muito longo, porque o coronavírus está se alastrando rapidamente e as vidas não podem esperar tanto tempo. Neste link, é possível acessar todas as respostas enviadas pelo CNS ao STF.
IHU On-Line – O Conselho também critica a aprovação do “Plano Mais Brasil”. Por quê? Quais os impactos desse Plano na saúde?
Fernando Pigatto – O Plano Mais Brasil é outra proposta do governo que pode ser considerada uma grave afronta ao povo brasileiro. Se aprovada, as três Propostas de Emendas Constitucionais - PEC, que impõem mudanças fiscais, serão mais uma reforma que prejudica os serviços públicos e nos retira direitos não só na Saúde, mas também na Educação, na Segurança Pública e outras áreas.
Essa proposta desvaloriza os servidores públicos, reduzindo salários e jornadas, além de extinguir Fundos Públicos essenciais para o desenvolvimento de políticas no país. Uma outra grave mudança proposta é a criação do Conselho Fiscal da República, que pode sobrepor a atuação do CNS, órgão que tem a atribuição legal de fiscalizar as contas do Ministério da Saúde. Não podemos permitir que nosso parlamento abra espaço para mais essa medida.
IHU On-Line – O que o episódio da Covid-19 revela ao Brasil?
Fernando Pigatto – Esse episódio revela que, apesar de termos um dos maiores e melhores sistemas públicos de Saúde do mundo, ainda assim temos fragilidades. Devido às forças políticas que operam a nação, muitas vezes a austeridade fiscal, disfarçada de "responsabilidade" ou "interesse na melhora da economia", sobrepõe os aspectos humanitários e agrava as crises. A vida das pessoas é sempre mais importante. Quem está pagando a conta? O povo brasileiro, em especial os mais pobres e populações vulnerabilizadas. Isso precisa mudar.
IHU On-Line – Acredita que, passado esse estresse da pandemia, os investimentos públicos em saúde poderão ser revistos? O SUS deve sair fortalecido desse processo todo?
Fernando Pigatto – Independentemente do coronavírus, o SUS já está em processo constante de desfinanciamento. Não é a primeira vez na história que estamos lutando por mais verbas para Saúde, nem será a última. O processo de resistência é permanente, mas acreditamos, sim, que após a crise do novo coronavírus haverá uma sensibilização coletiva da importância do SUS como um dos maiores patrimônios sociais que já construímos.
IHU On-Line – Como podemos, neste momento de crise extrema, manter a esperança e a mobilização para conter a doença e, ao mesmo tempo, lutar pelos investimentos públicos em saúde?
Fernando Pigatto – É um momento em que precisamos ter calma e coragem para seguirmos lutando. Devemos atender às orientações das autoridades de saúde, em especial manter o isolamento social quando possível e evitar aglomerações. Precisamos exigir das autoridades respeito aos direitos humanos, proteção social com nenhum direito a menos, cuidado especial às populações vulnerabilizadas e ainda mais responsabilidade na aplicação dos valores que estão sendo liberados emergencialmente – os conselhos precisam ajudar no combate à pandemia, mas continuar fiscalizando o investimento correto dos recursos. Ao mesmo tempo, vamos manter nossas mobilizações nas redes sociais e articulações políticas em defesa do povo e do SUS.
Precisamos defender e confiar na ciência, nas evidências técnicas, nas universidades públicas e nos profissionais que estão dedicando suas vidas para nos salvar. Precisamos também pregar a boa informação e combater as fake news. Neste momento, o CNS está com uma campanha #MaisSUSmenosCoronavírus, onde qualquer pessoa pode publicar vídeos em defesa do SUS, em defesa dos profissionais da Saúde, em defesa das pessoas e contra a EC 95, que deve ser revogada urgentemente diante do caos.
Todos os cidadãos e cidadãs precisam se comprometer, com solidariedade e empatia ao próximo, para que sejamos bem-sucedidos diante dessa crise. Nem o coronavírus, nem o cenário de desfinanciamento da Saúde podem ser mais fortes que a nossa inteligência coletiva e nossa solidariedade para enfrentarmos esse mar revolto.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Fernando Pigatto – Que nos unamos cada vez mais, mesmo que de forma virtual, para enfrentarmos este momento difícil e ao final estarmos com mais força para construirmos um mundo melhor para todas e todos. Importante também que assinem e divulguem nosso abaixo-assinado contra a EC 95.