17 Abril 2018
"É bom lembrar que muitas congregações e ordens religiosas surgiram na Igreja ao longo de sua história com esta finalidade de cuidar dos doentes e em especial dos pacientes em fase final de vida. Fala-se então de "moribundos”. Por exemplo, nós camilianos ao longo de uma história de quase cinco séculos, em muitas lugares ficamos conhecidos como sendo os “padres da boa morte”, lembra Leo Pessini, padre camiliano, pós-doutor em bioética pela Universidade Edinboro, na Pensilvânia (EUA), Instituto de Bioética James Drane, autor de inúmeras obras de bioética e Teologia Moral, entre elas, Bioética em tempos de globalização (Ed. Loyola, São Paulo, 2015) e atualmente Superior Geral dos Camilianos (2014-2020).
Segundo ele, "urge resgatar a dignidade do ser humano, não somente de bem viver, mas também de bem morrer, em paz, no aconchego com seus familiares, com dor aliviada e sofrimentos espirituais cuidados. Chamo a isto de morrer com dignidade e elegância, sem dor ou sofrimentos aviltantes, mas em paz e serenidade".
As questões éticas ligadas ao final da vida humana hoje, são caracterizadas com discussões conflitivas crescentes de não fácil resolução. Além disso estamos diante de um relativismo e liberalismo ético com tendência mundial de pouco a pouco irmos liberando legalmente a pratica da eutanásia e o suicídio medicamente assistido. O que ocorreu com a prática do aborto há alguns anos, lá no início da vida, agora chegou a hora do final da vida.
Muito mais eficaz, do que uma postura ética de simplesmente ser contra ou a favor, nestas questões polêmicas, é ter a criatividade e ousadia de se fazer algo de novo em relação a proteção da vida inocente vulnerada. Também no mundo secular, falar se sentido de vida frente a dor e sofrimento é logo facilmente associado com o cultivo do antigo dolorismo.
E nesta perspectiva que saudamos com alegria esta estratégia de Cuidados Paliativos que a Pontifícia Academia da Vida (PAV) está começando a implementar buscando parceiros em todos os quadrante da humanidade. Não basta gritar contra a eutanásia e/ou suicídios assistido, mas é preciso mostrar, indicar, apoiar e criar caminhos alternativos para enfrentar esta questão de uma forma propositiva e não apenas em atitudes de rejeição e condenação.
Dos cuidados paliativos não são novidade. Sabemos que na história moderna as pioneiras foram as Irmãs irlandesas da caridade, sob a liderança de Ir. Mary Aikenhead (1787-1858), hoje beata a espera de canonização futura, que fundou o primeiro hospice em Dublin, no final do século XIX. Em 1907, em Londres (Hackney) nasce o St. Josepth´s Hospice, onde tive a graça de estagiar com um capelão camiliano. A literatura secular moderna praticamente desconhece esta verdade histórica e cita comumente somente a médica britânica, Cecily Saundersd (191802005), que fundou o seu hospice denominado “St. Cristopher” em Londres em 1967. A Dra. Saunders aprendeu a cuidar dos pacientes em fase final de vida com a Irmãs de caridade no Hospice Saint Joseph, onde trabalhou durante 6 anos.
É bom lembrar que muitas congregações e ordens religiosas surgiram na Igreja ao longo de sua história com esta finalidade de cuidar dos doentes e em especial dos pacientes em fase final de vida. Fala-se então de "moribundos”. Por exemplo, nós camilianos ao longo de uma história de quase cinco séculos, em muitas lugares ficamos conhecidos como sendo os “padres da boa morte”.
Enfim é parte de nosso carisma cuidar dos doentes e em especial dos que estão partindo desta vida. Cuidados paliativos não deixa de ser uma prioridade onde estamos presente nos 41 países em que atuamos.
Vemos a seguir em síntese em que consiste esta auspiciosa novidade no interior da Igreja Católica relacionada com os Cuidados Paliativos.
A Pontifícia Academia para a Vida (PAV), constituiu recentemente (2017) um grupo inter e muldtidisciplinar ad hoc de 13 líderes, especialistas, em cuidados paliativos, de diferentes partes do globo, para dar vida e dinamizar ao projeto denominado “PAL- LIFE Project”, que advoga para que os Cuidados Paliativos (doravante: CP) sejam mais divulgados, conhecidos, desenvolvidos e valorizados no mundo.
Este Projeto da Academia Pontifica tem como objetivo, aumentar o conhecimento e conscientização social e cultural a respeito da existência de CP e promover o diálogo e cooperação entre os vários atores no desenvolvimento e implementação dos CP. Além disso busca-se aprimorar o tratamento global e o cuidado dos pacientes e suas famílias, que estejam enfrentando doenças limitadoras de vida, levando-se em consideração a perspectiva das diferentes religiões.
Estima-se que 40 milhões de pessoas atualmente no mundo necessitam de CP anualmente. Esta necessidade não-comunicáveis, bem como a persistência de ouras crônicas e infeciosas em nível mundial. Esta necessidade de CP tende a crescer devido ao envelhecimento da população, a prevalência de doenças não-comunicáveis, e a persistência de outras crônicas e infeciosas em nível mundial.
Aos poucos, em termos globais, vai sendo sempre mais reconhecida, ainda que muito lentamente a importância e necessidade de existência de serviços de CP no interior dos sistemas de saúde dos países. Nesta perspectiva, é saudável registrar que o Dia Mundial de Saúde de 2018, capitaneado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e sempre celebrado mundialmente no dia 7 de abril, rememorando sua data de início de atividades em 1948, teve como tema: Saúde universal: para todos, em todos os lugares. Este novo conceito de saúde proposto pela OMS, inclui também a existência de CP.
Segundo a visão da OMS, Saúde universal é “garantir que todas as pessoas e comunidades tenham acesso aos serviços de saúde sem qualquer tipo de discriminação e sem sofrerem dificuldades financeiras. Abrange toda a gama de serviços de saúde, incluindo promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos (o destaque é nosso), que devem ser de qualidade, integrais, seguros, eficazes e acessíveis a todos”.
Nesta perspectiva a PAV elaborou (através deste grupo de especialistas em CP) um documento inicial (White Paper – em português: livro branco) onde expõe ao público mundial interessado em CP a sua estratégia global da PAV em CP, o clamor em termos de advocacy para necessidade CP globais, apresentando suas recomendações aos seus principais atores parceiros envolvidos no desenvolvimento de CP em nível mundial.
Eis as principais recomendações da PAV direcionadas aos atores parceiros globais (stakeholders) em CP:
1) Aos responsáveis por elaboração de políticas públicas – Estes devem reconhecer o valor ético e social dos CP e atuar para modificar as estruturas, politicais públicas e mensurações de resultado de saúde, para permitir o acesso universal aos CP para todos os pacientes com doenças crônicas progressivas, antes da morte.
2) Mundo Universitário (a academia) - Todas as Universidades devem engajar-se na formação de profissionais da saúde em CP (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, assistentes sociais, capelães e outros) e devem incluir no nível básico treinamento em CP como um curso obrigatório no processo de formação profissional.
3) Farmacêuticos - Devem trabalhar para prover mecanismos eficientes para composição de formas de dosagens não standard extemporâneos, e devem encontrar maneiras para torna-las acessíveis aos pacientes. Isso deveria ocorrer, especialmente quando no pais, não exigem formulas, mais baratas ou genéricas disponíveis.
4) Associações profissionais e Sociedades. As associações de profissionais e sociedades devem também apoiar o papel de advocacy e mudanças em termos de politicais públicas regionais e globais. Além disso apoiar declarações tais como a resolução sobre CP da Assembleia Mundial de Saúde (OMS) de 2014d; A política de Cobertura universal de Saúde (OMS), Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, agenda 2030 da ONU, e a Declaração a respeito de doenças non-comunicáveis da OMS.
5) Autoridades farmacêuticas (setor de vigilância sanitário no interior dos ministérios da Saúde) – a morfina é a medicação preferida para controle de dor oncológica moderada e severa. Esta deveria estar disponível, especialmente a forma de uso oral. Outros opiniões ajudam, mas não devem substituir a morfina.
6) Os meios de comunicação - Estes devem ser envolvidos em criar uma cultura de compreensão em relação a doenças avançadas e o papel dos CP ao longo da trajetória da doença.
7) Organizações Internacionais - os países membros da OMS devem desenvolver políticas e procedimentos para implementar a resolução 67/19, sobre CP, da Assembleia Mundial da Saúde (OMS). Como uma parte integral de suas estratégias para implementar a Agenda 2030 da ONU do Desenvolvimento Sustentável, prestando atenção especifica as necessidades, principalmente das crianças e idosos.
8) Instituições religiosas, grupos espirituais - Os líderes e organizações religiosos devem advogar para a inclusão de cuidados espirituais em CP em nível local, regional (estadual) e nacional. Eles devem assegurar o desenvolvimento de provedores de cuidados espirituais ou capelães, bem como garantir a sua sustentabilidade em todos as instituições de saúde.
9) Hospitais e Centros de cuidados de saúde - Todo hospital e Centro de cuidados de Saúde deve garantir a possibilidade de acesso a medicação básica em CP, particularmente os opioides, como a morfina, que está na lista dos medicamentos essenciais da OMS.
10) Pacientes e grupos de pacientes - Os pacientes que estejam em CP necessitam de uma campanha de conscientização para integrar os CP em todas as doenças sérias e ameaçadores de vida.
11) Profissionais da saúde - Todos os profissionais da saúde engajados em CP devem ter certificação apropriada para sua atuação especifica e grau de envolvimento em CP. Eles devem participar ativamente de formação continuada para desenvolver competências exigidas para atuar nesta área de CP.
12) Organizações filantrópicas e caritativas - As pessoas envolvidas em CP, e outras, devem se engajar, para educar e advogar para que as organizações filantrópicas e caritativas apoiem o desenvolvimento e implementação de CP. Recomendar áreas específicas de aplicação de fundos e recursos para incluir educação e treinamento em CP e educação e preparação de todos os profissionais da saúde, em revisar políticas de saúde governamentais para incluir CP. Além disso estas instituições devem lutar para tornar disponíveis medicação para alívio da dor, aumentar a consciência pública a respeito da necessidade de CP, e oferecer um modelo de serviço em cuidados paliativos, sejam a domicilio, no hospital (uma unidade) e hospices ( instituição específica de CP).
13) Profissionais e sociedades em geral – Encorajar que organizações de direitos humanos para que levem em consideração as Declarações existentes a espeito de CP e implementar estratégias, cujo objetivo seria o de avançar no desenvolvimento de CP paliativos globais, no contexto de Direitos Humanos.
Concluímos nossa reflexão, enfatizando que sem dúvida alguma estamos diante de uma agenda ambiciosa, alguns talvez dirão idealista demais. Sem sombra de dúvida isto vai exigir muita dedicação, empenho, idealismo e investimento de recursos humanos e materiais por parte de todos os stakeholders envolvidos. Somente assim teremos reais chances de tornar os CP sejam uma realidade de esperança, e não meramente um lance de marketing enganoso, principalmente nas áreas mais pobres do planeta junto aos mais pobres e vulnerados pela pobreza e de cuidados mínimos de saúde. Urge aqui resgatar a dignidade do ser humano, não somente de bem viver, mas também de bem morrer, em paz, no aconchego com seus familiares, com dor aliviada e sofrimentos espirituais cuidados. Chamo a isto de morrer com dignidade e elegância, sem dor ou sofrimentos aviltantes, mas em paz e serenidade. Não seriam ações nesta linha do cuidado do sofrimento que poderiam tornar dispensável e mesmo desnecessária a prática da eutanásia e do suicídio medicamente assistido em franca expansão legal em todas as partes do mundo?
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Igreja Católica assume protagonismo em Cuidados Paliativos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU