11 Outubro 2016
"Acredito na santidade da vida. Sei que todos iremos morrer e que a morte faz parte da vida. Pessoas em estado terminal têm o controle sobre suas vidas, então por que deveríamos recusar-lhes o controle sobre a morte delas? Por que tantas pessoas são, pelo contrário, forçadas a suportar dor e um sofrimento terríveis contra o seu próprio desejo? Tenho me preparado para a morte e tenho deixado claro que não desejo ser mantido vivo a todo custo. Espero ser tratado com compaixão e ser permitido passar para a próxima fase desta caminhada na maneira de minha escolha", escreve Desmond Tutu, bispo anglicano e premiado em Nobel da Paz, em artigo publicado por Washington Post, 06-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Em minha vida inteira eu tive a sorte de ter passado o meu tempo trabalhando pela dignidade das pessoas. Participei apaixonadamente de campanhas para que as pessoas em meu país e no mundo tivessem acesso aos direitos dado a elas por Deus.
Tive a sorte de ter empregado grande parte da minha vida trabalhando pela dignidade das pessoas. Desejo ajudar dar às pessoas dignidade na morte. (Dignity in Dying e Compassion & Choices) [1]
Agora, quando completo 85 anos na sexta-feira, com a minha vida mais perto de fim do que do começo, desejo ajudar dar às pessoas dignidade na morte. Da mesma forma como argumentei, com firmeza, pela compaixão e justiça em vida, creio que pessoas com doença em fase terminal deveriam ser tratadas com a mesma compaixão e justiça no que diz respeito à morte. Pessoas nesta condição têm o direto de escolher como e quando desejam deixar a Mãe Terra. Juntamente com o cuidado paliativo maravilhoso que existe, creio que as suas escolhas devem incluir uma morte digna assistida.
Temos visto desenvolvimentos promissores como na Califórnia e no Canadá, onde a legislação agora autoriza a morte assistida para pessoas com doença em fase terminal, mas ainda existem milhares de pessoas ao redor do mundo a quem é negado o direito de morrer com dignidade. Dois anos atrás, em um artigo publicado no jornal The Guardian, anunciei a inversão da posição adotada por mim ao longo da vida em relação à morte assistida. [2] Mas aí fui ambíguo sobre se pessoalmente eu desejava essa opção, escrevendo: “Eu diria que não me importaria”. Hoje, estou ainda mais perto da sala de desembarque do que da sala de chegada, por assim dizer, e os meus pensamentos voltam-se à forma como gostaria de ser tratado quando chegar a hora. Agora, mais do que nunca, sinto-me compelido a emprestar minha voz a essa causa.
Acredito na santidade da vida. Sei que todos iremos morrer e que a morte faz parte da vida. Pessoas em estado terminal têm o controle sobre suas vidas, então por que deveríamos recusar-lhes o controle sobre a morte delas? Por que tantas pessoas são, pelo contrário, forçadas a suportar dor e um sofrimento terríveis contra o seu próprio desejo?
Tenho me preparado para a morte e tenho deixado claro que não desejo ser mantido vivo a todo custo. Espero ser tratado com compaixão e ser permitido passar para a próxima fase desta caminhada na maneira de minha escolha.
Independentemente do que você possa escolher para si próprio, por que deveria negar a outros o direito de fazerem esta escolha? Aos que sofrem de maneira insuportável e que se aproximam do fim da vida, simplesmente saber que uma morte assistida lhes está aberta pode providenciar um conforto imensurável.
Acolho com prazer os que têm a coragem de dizer, enquanto cristão, que deveríamos dar às pessoas em estado terminal o direito de deixar este mundo com dignidade. O meu amigo Lord Carey, ex-arcebispo de Canterbury, vem defendendo apaixonadamente uma legislação favorável à morte assistida na Inglaterra. A sua iniciativa tem a minha bênção e o meu apoio – assim como têm iniciativas parecidas em meu país, a África do Sul, nos EUA e ao redor do mundo.
Ao recusar o direito de morrer com dignidade nestes casos, acabamos não demonstrando a compaixão que jaz no cerne dos valores cristãos. Rezo para que políticos, legisladores e líderes religiosos tenham a coragem de apoiar as escolhas que cidadãos com doenças em fase terminal fazem de partir da Mãe Terra. A hora de agir é agora.
Notas do IHU:
[1] Organizações sem fins lucrativos dedicadas a legalizar a morte assistida na Inglaterra e em outros países.
[2] Confira aqui o artigo em inglês.
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Desmond Tutu: Quando chegar a minha hora, quero a opção de uma morte assistida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU