19 Novembro 2024
A Cúpula do Clima entra em sua segunda semana com um bloqueio no principal ponto da agenda —o financiamento climático— e com a notícia da maciça presença de representantes de grupos de pressão da indústria fóssil nas negociações.
A reportagem é de Pablo Rivas, publicada por El Salto, 18-11-2024.
"A primeira semana desta COP29 foi muito lenta e distante do que deveria ser." Com essa frase, Chiara Martinelli, diretora da Climate Action Network (CAN) Europe, resumiu na segunda-feira o trabalho realizado e o clima predominante nos primeiros sete dias da Cúpula do Clima em Baku. Seu diagnóstico sobre o que resta da conferência também não é nada alentador: "Ainda não temos nenhuma indicação de que o resultado será positivo", disse ela, referindo-se ao Novo Objetivo Coletivo Global Quantificado (NCQG), o ponto central desta COP, que deve substituir o Fundo Verde para o Clima e multiplicar os recursos que os países desenvolvidos — principais responsáveis pela crise climática — devem destinar aos países em desenvolvimento para enfrentar a adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
Com o último plenário do sábado ainda fresco na memória, onde as posições dos blocos do Norte Global e do Sul entraram em um choque frontal sem acordo à vista, as perspectivas não são muito promissoras: "Não é aceitável que esta COP termine sem um plano concreto, como aconteceu na tarde de sábado", lamentou a diretora da CAN Europe. "Há um monte de números sobre a mesa, e muitas discussões sobre como mobilizar grandes quantias de dinheiro, mas devemos lembrar que isso não se trata de números, e sim de pessoas. A falta de dinheiro e de ação terá efeitos diretos sobre pessoas e comunidades ao redor do mundo", destacou Mattias Söderberg, da organização humanitária e de direitos humanos dinamarquesa DanChurchAid.
Um ponto crucial para as organizações da sociedade civil que estão participando da cúpula como observadoras — e que ajuda a explicar o motivo das negociações não avançarem — é a influência do lobby dos combustíveis fósseis. Se o fato de a cúpula estar sendo realizada em um país petrolífero pelo segundo ano consecutivo já não fosse um mau presságio, a presença de lobistas em Baku parece ter aumentado de escala, algo que os coletivos preocupados com a inação climática já vinham alertando.
Segundo um relatório recentemente publicado pela coalizão de organizações Kick Big Polluters Out (KBPO, Echemos a los grandes contaminadores), pelo menos 1.773 representantes de diferentes grupos de pressão ligados à indústria de combustíveis fósseis conseguiram acesso à COP29 em Baku. Isso representa uma "presença descomunal ano após ano de poluidores nas negociações cruciais sobre o clima", alerta essa rede de organizações.
Esse número, segundo o relatório, significa mais representantes na Cúpula do que a soma de todos os delegados das dez nações mais vulneráveis à crise climática, que juntas somam 1.033 pessoas. Como destaca Javier Andaluz, coordenador de Clima e Energia da Ecologistas en Acción, "estamos vendo mais uma vez uma cúpula onde a influência dos lobbies dos combustíveis fósseis é altamente significativa".
Entre as comitivas em que se misturam representantes da indústria fóssil destaca a Associação Internacional para o Comércio de Emissões, que, segundo o relatório, enviou 43 pessoas, incluindo funcionários da petrolífera TotalEnergies e da multinacional de matérias-primas Glencore. No caso da Espanha, Andaluz denuncia que a Associação Espanhola do Gás (Sedigas) "conseguiu colocar oito lobistas".
As multinacionais do Norte Global são as que mais esforço têm feito para influenciar as negociações. A pesquisa aponta que oito dos dez grupos de pressão que mais pessoal conseguiram incluir na COP vêm de países desenvolvidos. Além disso, alguns países incluíram membros da indústria em suas próprias delegações, o que envolve pelo menos 181 pessoas nas delegações das nações europeias, “especialmente Grécia, Itália, Reino Unido, Suécia e Bélgica”, denuncia Javier Andaluz.
Esse também é o caso do Japão, com o gigante Sumitomo, ou do Canadá, com as petrolíferas Suncor e Tourmaline. "Chevron, ExxonMobil, BP, Shell e Eni, que juntas somaram 39 lobistas, também estão envolvidas na facilitação do genocídio na Palestina ao 'alimentar a máquina de guerra de Israel'", apontam ainda fontes da KBPO.
Para Nnimmo Bassey, da coalizão Kick Big Polluters Out e da Health of Mother Earth Foundation, "o controle do lobby dos combustíveis fósseis sobre as negociações climáticas é como uma serpente venenosa que se enrosca ao redor do próprio futuro do nosso planeta. Devemos expor seu engano e tomar medidas decisivas para eliminar sua influência, fazendo-os pagar pelas infrações que cometeram contra nosso planeta".
Na mesma linha, Andaluz ressalta que "o vasto poder do setor dos combustíveis fósseis, combinado com a cumplicidade de certos países, é um dos maiores obstáculos deste encontro".
Com apenas cinco dias restantes para o término das negociações e com um novo fracasso à vista, os chamados para que as partes cheguem a um acordo na COP são múltiplos e constantes. Nesse sentido, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, foi um dos últimos líderes a dar um alerta, dizendo nesta segunda-feira estar "muito preocupado com o estado das negociações".
Ainda há quatro dias de trabalho pela frente, e uma possível ampliação das negociações para o final de semana — como já é habitual nas Cúpulas do Clima — para tentar alcançar um acordo sobre financiamento, que não tem avançado de forma significativa. Até mesmo o principal polo de poder relativamente favorável à ação climática, a União Europeia, tem se distanciado do assunto, evitando tomar decisões concretas.
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A sombra do lobby fóssil e seus 1.773 paraquedistas paira sobre o bloqueio da COP29 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU