12 Janeiro 2024
"Em breve, terá se passado um século desde que os palestinos sofrem duas injustiças: a não constituição de seu Estado naquele 55% da Palestina histórica que o plano da ONU reconheceu – embora a população palestina fosse superior a 55% –, mas em fronteiras certas e confiáveis. E então a colonização incessante dos territórios ocupados".
O comentário é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 11-01-2024.
Nesta nova página do diário, recordo meus estudos: agosto de 1948, um grande intelectual árabe, cristão ortodoxo, publicava um livro que se tornou histórico; hoje é quase impossível de encontrar, mesmo em inglês. O nome do autor é Kostantine Zurayek.
Para recuperar o que importa hoje dessa obra, quero começar pela coletiva de imprensa realizada há poucas horas pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, em Israel, no momento em que obteve apenas um "não", formal, do governo israelense sobre a solicitação de alguns ministros para facilitar a transferência dos palestinos de Gaza: Blinken não obteve muito, já que o ministro das finanças israelense definiu os palestinos como "dois milhões de nazistas", mas pelo menos conseguiu respirar aliviado.
O importante que o Secretário americano disse é que os palestinos também estão sofrendo, e muito. O fato de os israelenses estarem sofrendo muito – e o que significou para eles, individual e coletivamente, em 7 de outubro – já foi dito desde o início e foi justamente reiterado. Mas ele quis deixar claro também o sofrimento dos palestinos. Isso, para mim, tem valor, porque tende a humanizar a representação do outro – palestino – e, portanto, aponta para uma saída.
Quem decide as estratégias militares – de um lado e do outro – sabe disso? O Hamas parece não se preocupar: aqui está o ponto relevante do livro do qual tenho uma lembrança clara.
Aqueles que afirmam que 7 de outubro trouxe a questão palestina de volta à atenção do mundo não levam em conta o fato de que seus resultados estão até mesmo legitimando a discussão sobre a transferência do povo palestino, não apenas de Israel, mas de toda a Palestina histórica. Isso é uma novidade absoluta. Não estou dizendo que isso acontecerá, embora em Gaza, hoje, as pessoas vivam praticamente como nômades. Mas é um fato: está sendo discutido abertamente.
Se, em alguns, a tentação de expulsar todos os palestinos de Israel existiu, devido aos receios demográficos, é um fato que um primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, estava até disposto a aceitar um Estado palestino em quase todo o território da Cisjordânia, em condições consideradas, então, inaceitáveis por Abu Mazen. Portanto, 7 de outubro está produzindo o efeito oposto aos traumas anteriores: o Estado palestino se afasta. Blinken ainda o propõe, mas não pode dizer que Netanyahu deu algum passo nessa direção.
Os palestinos sofrem e o Hamas agrava o sofrimento deles: tento explicar melhor, recorrendo à obra de Zurayek.
Convido a explorar a história de Gaza. Após a guerra de 1948 – e até a de 1967 – Gaza foi anexada ao Egito. Isso mostra que a guerra de 1948 – para impedir o estabelecimento do Estado de Israel por sete países árabes – visava controlar aquele território, certamente não construir um Estado palestino independente. Os árabes perderam de forma devastadora: aqui está a catástrofe palestina, a Nakba constantemente evocada pelos palestinos e por toda a narrativa árabe. E para os palestinos, foi realmente uma catástrofe, com vilarejos destruídos e famílias expulsas. Muitos "novos historiadores" israelenses contribuíram para documentar a Nakba com suas obras, reconhecendo o sofrimento palestino e conferindo legitimidade moral às negociações de paz.
O homem que cunhou a definição – Nakba, justamente – foi Kostantine Zurayek, ministro e diplomata, cristão ortodoxo sírio. O título do livro ao qual mencionei é "O Significado da Nakba", publicado em Beirute em 1948. O que ele aborda, em primeiro lugar, é a catástrofe militar de sete exércitos árabes, incapazes de prevalecer contra apenas um, porque estavam divididos, desorganizados, ineptos.
Zurayek, um pan-arabista convicto, acreditava que o mundo árabe deveria estar politicamente e economicamente unido. Ele via a oposição aos interesses nacionais como o caminho para a ruína. A tragédia adicional para os palestinos, em sua visão, seria retornar e viver sob os sionistas, mas isso se tornou a condição imposta pelos árabes para assinar o cessar-fogo. O direito de retorno tornou-se, de fato, a pré-condição para negociar com Israel até hoje.
Zurayek se opunha à criação do Estado de Israel, mas ele deixava claro que os árabes deveriam se opor ao sionismo, não aos judeus ou ao judaísmo, mesmo cientes de suas passadas aflições e discriminações no mundo ocidental. Ele propunha que os árabes, após séculos de colonização, introduzissem em seu sistema político uma clara separação entre política e religião: um sistema que confirmaria a fraternidade entre árabes e judeus.
Ele escreveu: "Os árabes continuam a proclamar seu desejo de viver com os judeus sob o teto de uma democracia comum na qual os judeus teriam todos os direitos representativos que seus números elegessem, e teriam os mesmos direitos e deveres dos árabes, como de fato não acontece em outros países do mundo", em "O Significado do Desastre" (Khayat, 1956, p. 73). O Jerusalem Post encontrou outra citação dele – que eu não conhecia – e que considero uma profecia: não fazendo isso, o risco seria cair "vítima de algum movimento destrutivo, que busca consolo na agitação e no tumulto por si só, independentemente do resultado". Hoje, isso parece muito claro!
No entanto, a história seguiu um caminho muito diferente: Estado e religião em muitos países árabes se confundiram, e muitos judeus tiveram que deixar precipitadamente muitos países árabes. Em alguns casos, como na Líbia, foram expulsos. E hoje, o Hamas islamiza a questão palestina.
As ideias de Zurayek, no novo contexto, me levam às ideias contemporâneas de outro grande intelectual árabe, muçulmano, palestino: Sari Nusseibeh, um intelectual envolvido na política e líder da intifada. No auge das negociações entre Israel e a Autoridade Palestina, ele disse a Abu Mazen, com Arafat presente, que o considerava muito: "Mas o que você quer: nosso Estado na Cisjordânia ou o direito de retorno a Israel de todos os refugiados palestinos?" Abu Mazen perguntou qual era o sentido da pergunta, porque ele queria ambas as coisas. E Nusseibeh respondeu: "No entanto, você deveria ter entendido que uma coisa exclui a outra". A abordagem proposta por Nusseibeh é chamada de realismo, mas também de conscientização, pois a opção de Zurayek não existe mais, por muitas razões, e a negociação possível é com o Estado de Israel. Para ele, era necessário reconhecer que o direito de retorno persiste, mas na nova Palestina, um Estado ao qual pertencer e para o qual se pode retornar.
Agora, com a visão do Hamas, com o 7 de outubro, ocorreu o pesadelo de outro êxodo populacional imenso. Enquanto o sionismo messiânico – presente no governo de Netanyahu – cada vez mais inquieta. E ninguém, de um lado e do outro, me parece, sabe bem o que fazer.
Em breve, terá se passado um século desde que os palestinos sofrem duas injustiças: a não constituição de seu Estado naquele 55% da Palestina histórica que o plano da ONU reconheceu – embora a população palestina fosse superior a 55% –, mas em fronteiras certas e confiáveis. E então a colonização incessante dos territórios ocupados.
Os verdadeiros líderes carismáticos – não ouvidos – para mim, aparecem claramente hoje, como Sari Nusseibeh, aqueles capazes de tomar decisões amargas no presente, mas que constroem um futuro melhor: um futuro.
Um dia, enquanto impulsionava as negociações de paz, Sari Nusseibeh disse: "Voltar a Israel será possível, mas como turistas, assim como eles poderão vir como turistas à Cisjordânia: esta é a paz possível."
Reivindicar a justiça impossível teria causado danos a milhões de pessoas, forçadas a viver desde 1948 – com suas descendências – nos campos de refugiados que lotam o mundo árabe, sem um presente decente, nem um futuro. O que a visão de Nusseibeh ainda oferece, também a eles, é um Estado, uma compensação econômica e a paz duradoura.
Ainda há tempo? Não sei, mas acredito que são necessários "novos historiadores" árabes e palestinos capazes de estabelecer ou reestabelecer um discurso novo, reconhecendo também seus próprios erros, como fizeram os "novos historiadores" israelenses.
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Diário de guerra (24). Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU