18 Agosto 2023
A geopolítica do golpe de Estado no Níger.
A reportagem é de Jonathan Baudoin, publicada por Nueva Sociedad, 08-2023.
O recente golpe de Estado no Níger, somando-se a outros na África francófona, mostra um enfraquecimento da influência francesa e o esforço da Rússia para mobilizar sentimentos contra a antiga metrópole e aproveitar a nova conjuntura.
O golpe de Estado militar no Níger ocorrido em julho passado, apoiado no ressentimento em relação à França que se inscreve na continuidade da história colonial e pós-colonial e em uma crescente influência da Rússia na região, representa uma ameaça de guerra generalizada no oeste da África.
"França fora ou fora da Françafrique [França e África]?" Esta é a pergunta que deveria ser feita a partir de 26 de julho, data do golpe militar no Níger, que depôs o presidente Mohamed Bazoum, eleito em 2021, e seu governo, substituindo-os por um conselho militar, oficialmente denominado Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP). À frente do CNSP está o general Omar Tchiani, até então chefe da guarda presidencial e agora chefe de Estado nigerino. Em 10 de agosto, o CNSP anunciou a formação de um governo com Ali Mahaman Lamine Zeine como primeiro-ministro, que foi ministro das Finanças nos anos 2000.
Esse novo governo permite ao CNSP obter um certo grau de legitimidade e minar a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que condenou energicamente o golpe, excluiu o Níger da organização intergovernamental, aumentou as ameaças de intervenção militar, com um ultimato para restaurar Bazoum como presidente do Níger, e enviou ao mesmo tempo delegações diplomáticas para negociar com as novas autoridades nigerinas. No entanto, as negociações falharam diante da decisão do conselho militar, e os sucessivos ultimatos não levaram a uma intervenção militar, embora essa continue sendo uma opção possível, uma vez que a CEDEAO ordenou a "ativação imediata" de sua força de intervenção no fim de sua cúpula realizada em 10 de agosto em Abuja, capital da Nigéria.
Por que essas ameaças não se concretizam? Uma das razões é a existência de divisões internas na CEDEAO. Por um lado, estão os países membros excluídos dela devido a golpes militares - Níger, Burkina Faso, Mali, Guiné. Estes últimos anunciaram, no início de agosto, que apoiariam o Níger em caso de guerra. Por outro lado, estão os países membros do espaço comunitário que parecem estar dispostos a combater, mas cuja opinião pública interna se opõe a essa solução, ou que têm problemas políticos domésticos mais significativos que poderiam se agravar com uma guerra externa.
Um exemplo claro do primeiro caso é a Nigéria. O país mais populoso da África teria como principal responsabilidade liderar a coalizão contra o Níger em caso de guerra, se esse cenário fosse considerado, com o maior e mais profissional exército da África Ocidental. Mas em 5 de agosto, o Senado da Nigéria expressou suas reservas em relação à ideia de uma intervenção militar, por temor às graves consequências humanas, econômicas e sociais no norte do país, que compartilha uma fronteira com o Níger ao longo de cerca de 1.500 quilômetros. Sua posição contrasta com a do presidente nigeriano Bola Tinubu, defensor de uma intervenção militar.
No segundo caso, pode-se pensar no Senegal. Embora o presidente Macky Sall tenha indicado, através da ministra das Relações Exteriores Aïssata Tall Sall, que o país se uniria à coalizão em caso de intervenção militar, a opinião pública não apoiaria necessariamente essa decisão governamental, uma vez que a política interna senegalesa é marcada por uma forte oposição à repressão governamental, que se dirige especialmente contra o líder opositor Ousmane Sonko, autoproclamado candidato às eleições presidenciais de 2024 e preso preventivamente por "incitação à insurreição e conspiração contra o Estado" desde 31 de julho. E ainda mais quando o partido de Sonko, Patriotas Africanos Senegaleses pelo Trabalho, Ética e Fraternidade (PASTEF), foi dissolvido no mesmo dia, levando milhares de jovens senegaleses às ruas em protesto, com um saldo de várias mortes.
O Níger é o quarto país da África Ocidental a sofrer um golpe militar nos últimos três anos. E o que esses quatro países têm em comum é que fazem parte da África francófona. Isso revela uma evolução crítica nas relações com a França. A intervenção francesa no Mali em 2013, em nome da luta contra o terrorismo, ao longo do tempo tem sido cada vez mais criticada na África de língua francesa, especialmente entre os jovens, que consideram que a antiga potência colonial interveio apenas para manter seus interesses econômicos e geoestratégicos na região. A situação é particularmente adversa no Níger, onde o Exército francês possui uma base militar em Niamey, capital do país, onde atualmente estão estacionados 1.500 soldados, após o recuo das tropas francesas no Mali e Burkina Faso, após os golpes de Estado nesses países.
Mas é principalmente a preservação do uso do urânio nigerino que gera críticas mais contundentes. De fato, o material é essencial para a geração de eletricidade por energia nuclear, que representa cerca de 70% da produção total de eletricidade na França. Mas que porcentagem das importações francesas totais de urânio é representada pelo urânio nigerino? De acordo com a EDF, fornecedora histórica (e estatal) de eletricidade na França, o urânio nigerino representou 17% das importações desse minério no período de 2005 a 2020. No entanto, outros dados sugerem que o urânio do Níger representou 35% das importações em 2020 e 2021. O fato é que existe falta de transparência em relação ao suprimento de urânio para as usinas nucleares francesas.
E a verdade é que o maná do urânio não beneficia o Níger. Beneficia a empresa francesa Orano, controlada em 90% pelo Estado francês, que explora as minas de Arlit, Akouta e Imouraren com destino à França, mas também a outros países da União Europeia, uma vez que, segundo a Euratom, 25% do urânio utilizado para energia nuclear na UE em 2021 veio do Níger.
Como algumas das minas nigerinas são a céu aberto, os resíduos radioativos podem se espalhar ao ar livre. A ponto de, na mina de Arlit, situada em uma área sujeita a fortes ventos, 20 milhões de toneladas de resíduos radioativos terem sido dispersos ao ar livre. Por outro lado, de acordo com o Banco Mundial, apenas 18,6% da população nigerina tinha acesso à eletricidade em 2021, o que aprofunda o ressentimento dos nigerinos em relação à França, já que, de acordo com a historiadora Camille Lefebvre, considera-se que este país ignora as realidades da nação africana.
Da mesma forma, a França está repleta de arrogância e preconceitos em relação ao Níger desde a colonização, o que ilustra o que é comumente chamado de Françafrique, ou seja, uma política neocolonial que leva a uma relação desigual com as antigas colônias, onde em troca de apoio político e militar - frequentemente em um quadro de enorme corrupção - os governos locais cedem o controle de alguns recursos naturais (urânio, petróleo, gás, etc.) ou setores de atividade (portos, agroalimentação, etc.) em benefício de empresas francesas, públicas ou privadas.
É importante destacar que a ausência de soberania, especialmente no campo energético, invocada por intelectuais ou políticos franceses que se declaram soberanistas, é uma retórica usada para encobrir o imperialismo francês que, junto com o de outros países não africanos - como Estados Unidos, Reino Unido, China ou Rússia - contribui para manter os países africanos em uma armadilha de pobreza. Sem esquecer a questão monetária: os países francófonos da África Ocidental têm como moeda comum o franco CFA, uma moeda surgida da colonização e sobre a qual a França mantém certo controle através do depósito de reservas de divisas no Banco da França, instituição que, por sua vez, imprime as cédulas de francos CFA. Tinha-se pensado em acabar com o franco CFA e substituí-lo pelo ECO como moeda comum para toda a África Ocidental a partir de 2020, mas a crise sanitária dificultou esse projeto.
Finalmente, nessa crise regional, outro país aproveita a oportunidade para se beneficiar do ressentimento em relação à França e sua política externa em relação à África francófona: a Rússia de Vladimir Putin. A presença de elementos da milícia Wagner no continente africano, especialmente nos países da África francófona que sofreram golpes militares, permite a Moscou aumentar sua influência no continente através da disseminação de propaganda antifrancesa que brinca com o ressentimento pós-colonial, ou com base em ativistas panafricanos como Kemi Seba ou Nathalie Yamb.
A junta golpista nigerina declarou sua decisão de romper os acordos militares com a França. "Diante da atitude impertinente e da reação da França em relação à situação, o Conselho Nacional para a Proteção da Pátria (CNSP) decidiu denunciar os acordos de cooperação em segurança e defesa com esse Estado", anunciou Amadou Abdramane, porta-voz do conselho, em comunicado após o fracasso da missão de mediação da CEDEAO que se dirigiu a Niamey, a capital do país africano. E a junta nigerina já anunciou sua total colaboração com os regimes militares do Mali e Burkina Faso, que contam com um notável apoio russo.
No contexto da guerra russo-ucraniana, isso permite que a Rússia conte com aliados que não votariam em resoluções das Nações Unidas (ONU) para sancioná-la. No entanto, no fundo, os países africanos não querem ser vítimas colaterais dessa guerra, devido ao risco alimentar, e buscam uma resolução pacífica do conflito entre Moscou e Kiev, implementando de fato uma política de não alinhamento.
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Níger. Fora França, viva Rússia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU