10 Agosto 2023
Bakary Sambe é professor-pesquisador da Universidade Gaston Berger de Saint-Louis (Senegal) e diretor regional Timbuktu Institute-African Center for Peace Studies. Nesta entrevista, fala sobre o papel da França e a situação no Níger após o golpe de Estado de 26 de julho, no qual o presidente Mohamed Bazoum foi derrubado por uma junta militar.
A entrevista é de Lucie Sarr, publicada por La Croix Africa, 02-08-2023. A tradução é do Cepat.
Como o Mali e Burkina Faso agora governados por juntas militares, o Níger é atingido por um golpe de Estado. Devemos fazer uma ligação entre o jihadismo e a instalação de regimes militares nestes países do Sahel?
O caso do Níger é específico porque havia muita esperança na estabilização do país. O Níger viveu, de fato, uma experiência de alternância política democrática com o fim do mandato de Mahamadou Issoufou e o início do mandato de Mohamed Bazoum em 2022. Esta eleição de Bazoum foi considerada um passo significativo em termos democráticos.
Os observadores estão surpresos com o fato de a junta governante citar a questão da segurança como a causa do golpe porque o Níger conseguiu estabilizar a situação. O sucesso da estratégia nigerense deveu-se em particular à abordagem mista: militar e comunitária com diálogo dentro das comunidades onde os jihadistas foram recrutados.
Estamos em uma situação regional global onde a instabilidade está crescendo cada vez mais. É particularmente agravada pela tomada do poder pelos militares depois de décadas, quando as pessoas começaram a acreditar que a era dos golpes tinha acabado. Além disso, o golpe atinge um país que era considerado o último bastião da cooperação internacional na luta contra o terrorismo, mas também um país fulcral no seio das realidades geopolíticas.
A instauração desses regimes militares pode ser um baluarte contra o terrorismo ou, pelo contrário, facilita a sua implantação?
Os únicos verdadeiros vencedores da situação de caos e instabilidade são os grupos terroristas que poderão continuar a desenvolver as suas atividades em zonas como a das três fronteiras (Níger, Burkina Faso e Mali) do Liptako Gourma. Mas também diante de regimes militares que, apesar do discurso populista sobre vitórias contra grupos terroristas, lutam para estabilizar a situação. Tomo o exemplo do Mali, onde a situação da segurança não está estabilizada no norte do país. Pior ainda, o centro do Mali continua a ser um epicentro do jihadismo.
Apesar do discurso triunfalista do regime do coronel Assimi Goïta, a frente Katiba Macina, um grupo jihadista, conseguiu atacar o acampamento militar de Kati, que é o coração estratégico do atual regime. A situação não é muito melhor em Burkina Faso, onde os especialistas são unânimes. O golpe de Estado foi perpetrado em nome da luta contra a insegurança, mas o atual poder não consegue controlar nem 40% do território com a explosão de ataques terroristas que já são quase diários.
Uma constante após esses golpes de Estado é que o sentimento antifrancês é muito perceptível. Como você analisa isso?
A grande dificuldade para a França no Sahel é que ela é forçada a administrar simultaneamente a emergência e a história. A emergência da segurança é a cooperação militar que não funcionou, com suas deficiências e que não conseguiu derrotar os grupos terroristas. A Operação Serval foi relativamente bem-sucedida, mas a operação Barkhane foi criticada por causa dos seus repetidos fracassos. Além disso, a França tem uma posição bastante delicada nesta região do Sahel onde tem um passado colonial. Ao mesmo tempo, assistimos ao surgimento de uma nova geração que rejeita, precisamente, qualquer forma de dominação.
Mas é preciso ver a situação de uma forma mais global: há uma tomada de consciência de um momento em que a África se torna um centro nevrálgico que pode mudar a natureza do equilíbrio de poder em escala internacional. Estamos em um mundo onde os alinhamentos são ao mesmo tempo múltiplos e difusos, um mundo onde a distribuição do poder é fragmentada com o efeito de potências clássicas como a França, que está em declínio, e potências emergentes como China, Turquia, Rússia, que buscam se impor.
Estamos também numa região onde, sob o efeito de uma elite mais desinibida e de uma população mais exigente, os Estados procuram um novo tipo de relações internacionais mais igualitárias. Soma-se a isso o fato de que as questões da segurança deixaram de ser prerrogativa dos Estados e as sociedades civis em ascensão com os jovens e as redes sociais se apropriaram delas para torná-las um debate público. Estamos, finalmente, em um contexto de conflito russo-ucraniano onde a Rússia está tentando aumentar sua influência na África.
Como garantir que a instabilidade não contamine todos os países da África Ocidental?
Devemos rever o mundo da cooperação em segurança que, até agora, não deu os resultados esperados. Hoje, se esses regimes militares prosperarem na sub-região, o contágio é inevitável. Também precisamos refletir sobre as incoerências da governança em nossos países. Não deixa de ser um paradoxo constatar que a juventude africana que lutou pela democracia nos anos 1990-2000, aplaude agora os golpes de Estado. Precisamos repensar a democracia na forma como ela é exercida em nossos países. Especialmente porque os modelos concorrentes hoje se opõem à democracia e ao desenvolvimento, promovendo regimes mais autocráticos, mas que estão fazendo progressos econômicos. Também será necessário lidar com uma visível contradição com uma juventude que representa 75% da população, mas que continua excluída do campo das decisões políticas.
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Níger. “A grande dificuldade para a França no Sahel é ter de administrar simultaneamente a emergência e a história”. Entrevista com Bakary Sambe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU