06 Novembro 2020
Efeito do escândalo do Prédio de Londres. Em três meses a transferência de bens para a Apsa.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada por Huffington Post, 05-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A carta enviada pelo Papa ao Secretário de Estado Pietro Parolin datava de 25 de agosto de 2020, mas dois meses tiveram que se passar, além da renúncia aos direitos de cardinalato pedido por Francisco a monsenhor Angelo Becciu e uma reunião presidida pelo próprio Papa Francisco ontem à noite, 4 de novembro, para que fosse nomeada uma comissão para implementar a transferência de todos os bens móveis e imóveis da Secretaria de Estado para a gestão do patrimônio da Sé Apostólica (Apsa, presidida por Nunzio Galantino) sob controlo direto da Secretaria da Economia.
No início de 2021, portanto, a Secretaria de Estado permanecerá um dicastério sem fundos próprios, segundo o que, desde julho de 2014, havia pedido que acontecesse o então prefeito de economia, cardeal George Pell. Passados mais de seis anos, Pell (que voltou ao Vaticano poucos dias após a renúncia de Becciu) pode agora ver seu projeto de unificação de todos os ativos do Vaticano sob o controle da Secretaria de Economia.
A mudança é verdadeiramente significativa, visto que os fundos da Secretaria de Estado (o chamado fundo Paulo VI, o Óbolo de São Pedro, etc.) eram considerados no Vaticano quase como um terceiro banco (depois da Apsa, que teve que zerar já há algum tempo a seção extraordinária, ou seja, aquela financeira e o IOR), em grande parte depositados na Suíça. Fala-se de uma estimativa de mais de um bilhão de euros. Foi graças a esses fundos dados como garantia para a obtenção de duas grandes hipotecas que foi comprado o edifício londrino da Sloane Ave 60, no centro do último escândalo financeiro do Vaticano.
O fato de o Papa ter que intervir diretamente duas vezes (com a carta de agosto e a reunião de ontem) mostra como a mudança afetará profundamente. O anúncio foi feito no final da manhã em um comunicado do diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, Matteo Bruni.
A reunião de ontem à noite contou com a presença de Parolin, Secretário de Estado; Monsenhor Edgar Peña Parra, Substituto da Secretaria de Estado (nos últimos dias novamente sob acusação por parte do ex-núncio nos EUA, Carlo Maria Viganò), Monsenhor Fernando Vergez, secretário-geral do Governatorado do Estado da Cidade do Vaticano; Nunzio Galantino, Presidente da Administração da Sé Apostólica; Padre Juan Antonio Guerrero Alves, novo Prefeito da Secretaria de Economia desde fevereiro passado. Na mesma reunião, o Papa instituiu, como já referido, a “Comissão de transição e controle”, que entrará efetivamente em funcionamento nos próximos três meses, para implementar o quanto disposto na carta ao Secretário de Estado, da qual o conteúdo foi divulgado. “É minha vontade - escreveu o Papa - que no futuro: a Secretaria de Estado transfira para a APSA a gestão e administração de todos os fundos financeiros e do patrimônio imobiliários, que em todo o caso manterão a sua finalidade atual”.
“Uma atenção particular - ressaltou Francisco - merecem os investimentos feitos em Londres e no fundo Centurion, dos quais é necessário sair o mais rápido possível ou, pelo menos, dispor deles de forma a eliminar todos os riscos à reputação”. “Todos os fundos administrados até agora - prosseguiu o Pontífice na carta a Parolin - pela Secretaria de Estado devem ser incorporados ao balanço consolidado da Santa Sé”. A Secretaria da Economia, acrescentou, "exerce o controlo e a fiscalização em matéria administrativa e financeira sobre todos os Entes da Cúria Romana" e "isso comporta que a Secretaria de Estado (...) em matéria econômica e financeira não terá responsabilidade de supervisão e controle de qualquer Ente da Santa Sé". Por fim, “levando em consideração que a Secretaria de Estado não terá que administrar ou gerir patrimônios, será oportuno que redefina seu próprio Gabinete Administrativo, ou avalie conforme necessidade a sua existência”. Justamente aquele Gabinete administrativo foi o motor do escândalo de Londres.
Em suma, a Secretaria de Estado passará a ser um dicastério sem fundos próprios. E o próprio secretário de Estado não faz mais parte da renovada Comissão cardinalícia de supervisão do IOR.
Reunificar todos os bens da Santa Sé na APSA (também deverão convergir as contas das Congregações vaticanas e dos organismos centrais do IOR) também permitirá uma melhor avaliação do Comitê Moneyval, que deverá apresentar seu relatório na próxima primavera europeia.
Em qualquer caso, a venda do Prédio de Londres deve ocorrer de forma que os protocolos internacionais de combate à lavagem de dinheiro não sejam contornados.
Como antecipado pelo Huffpost e anunciado pelo próprio Papa na recente entrevista com o diretor da AdnKronos, GianMarco Chiocci, a operação de limpeza ainda não acabou e outras mudanças substanciais acontecerão dentro de poucos meses.
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O triunfo de George Pell. O Papa tira os fundos da Secretaria de Estado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU