17 Outubro 2020
Pier Luigi Maria Dell’Osso, que, como procurador-geral da Bréscia, na Itália, coordenou as investigações sobre o desaparecimento e a morte da pequena Yara Gambirasio, foi membro da Direção Nacional Antimáfia. E, pelas suas competências no combate à lavagem de dinheiro, é membro do Conselho de Estabilidade da Itália.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada em L’Huffington Post, 16-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Representante da acusação sobre a falência do velho banco Ambrosiano de Roberto Calvi (e nas investigações sobre a sua morte), ele obteve 33 condenações pela quebra do maior banco privado italiano. Agora, leciona em Roma e em Sevilha.
Que impressão você teve sobre o novo escândalo vaticano ligado à compra do edifício da Sloane Ave, em Londres?
Depois de 40 anos, sinto que estou revendo o mesmo filme: incompetentes, fraudados, coniventes.
Mas o IOR não está mais envolvido. Pelo contrário, a denúncia partiu do IOR, que deu início às investigações da magistratura vaticana.
Certamente, essa é a diferença, porque, a partir de 2010, começaram os procedimentos para os controles dos operadores financeiros profissionais dentro do Estado vaticano. O IOR e a APSA estão submetidos ao controle da AIF, a Autoridade de Inteligência Financeira, e à revisão periódica dos avaliadores do Comitê Moneyval.
A segunda visita in loco, após a de 2012, terminou há pouco tempo e dará origem a um relatório de avaliação recíproca na primavera de 2021.
Sim, mas a questão é que, para um setor submetido às regras internacionais, descobrimos agora outro, fora da jurisdição da AIF: o fundo da Secretaria de Estado. E, nesse setor, podem ser verificadas as costumeiras e velhas dinâmicas: uma incompetência generalizada, fraudes e conluios.
Porém, foi justamente graças ao Fundo Paolo VI da Secretaria de Estado que os credores estrangeiros do Banco Ambrosiano foram pagos na hora, chegando a uma transferência de 250 milhões de dólares que encerrou a disputa com eles. Não é assim?
Certamente, mas também naquela época a Santa Sé não reconheceu qualquer responsabilidade pelas famosas cartas de patrocínio que serviram para Calvi criar, no último ano de vida do banco, uma enorme destruição de recursos, atraindo compradores estrangeiros de ações que, de outra forma, ele não poderia ter. Calvi, por sua vez, escreveu uma carta de indenização ou carta-resposta que isentava o IOR, mas criava as condições para uma fraude contra os financiadores estrangeiros. Em suma, uma história opaca onde fraudados e fraudadores dificilmente eram distinguíveis. Ainda que a soma “devida” aos credores estrangeiros era muito, muito maior, mesmo considerando apenas as dívidas do Ambrosiano de Milão (sem falar das subsidiárias estrangeiras), os liquidatários decidiram aceitar esse montante inferior que, no entanto, permitia pelo menos uma recuperação parcial do dano. Também naquela época, porém, o Vaticano afirmou ter sido fraudado por Calvi. Como se vê, são todas histórias um pouco semelhantes. Mesmo 40 anos depois.
Mas você também falava de incompetência?
Certamente, os prelados, aqueles que decidem, muitas vezes, sem culpa, não sabem bem do que estão lidando, porque não é o trabalho deles. Vou dar um exemplo: o próprio Marcinkus, das Bahamas, conhecia o Golf Club, e ia lá para isso, mas era Calvi quem fazia tudo em Nassau. É claro que, nesse quadro, é fácil passar para o passo posterior, ser enganado ou, para alguns, entrar em conluio com sujeitos externos que se aproveitam disso.
Por falar em Marcinkus, você emitiu o famoso mandado de prisão contra ele pela bancarrota do Ambrosiano. Foi uma iniciativa muito chamativa...
Certamente, o mandado de prisão solicitado e obtido por mim também dizia respeito, além de Marcinkus, aos dois diretores-executivos do IOR. O Vaticano, a fim de defender Marcinkus até o fim – apesar de o IOR ser considerado pela Cassação, ao contrário da minha tese, como ente central da Igreja e, portanto, imune à jurisdição italiana com base no antigo Tratado de Latrão – até o nomeou presidente do Governatorado. Porém, sem um barrete cardinalício. Mas ele ficou preso, mesmo que dentro dos Muros Leoninos...
Por que o Papa João Paulo II o defendeu com a espada desembainhada?
Também por causa do financiamento ao Solidarnosc, o sindicato polonês, obra, aliás, benemérita.
Há outra semelhança entre as duas histórias, de ontem e de hoje. O cenário de Londres, onde o prédio do último caso foi comprado e onde Calvi se encontrou com a morte...
Londres é o maior centro financeiro europeu, e, temos que dizer, por causa dos muitos perfis offshore. Mas Calvi, na minha opinião, depois de passar pela Suíça, foi para Londres, também porque estava convencido de que lá estava suficientemente perto dos bens do IOR, dos bens do Vaticano.
Se lhe pedissem um conselho hoje, o que sugeriria ao Vaticano?
Que todo o sistema econômico vaticano não seja reformado, mas refundado do zero, porque senão, por trás de um setor que foi “regularizado”, aparece outro que reproduz depois os problemas do primeiro. Foi o que aconteceu no último caso. Eu entendo que pode haver motivos de sigilo ao sustentar as obras religiosas em países de risco, mas esse fato não pode ser um pretexto para outros negócios.
O escândalo mais recente também se misturou com casos bancários italianos (como o banco Popolare de Bari).
Sim. E também vejo a presença de alguns mediadores que foram protagonistas do caso Ambrosiano: não seus filhos ou netos, mas precisamente eles, os mesmos, depois de 40 anos.
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Escândalos financeiros no Vaticano: “Depois de 40 anos, o roteiro é o mesmo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU