Partindo da situação da covid-19 no país, antropólogo mergulha num contexto histórico para compreender o que faz da nação ícone em Direitos Humanos um povo ainda oprimido e marginalizado
Quando o mundo acompanhou a chegada da covid-19 na Itália, França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, ficou claro que o novo coronavírus não se intimida por PIB, poder bélico e tampouco por desenvolvimento político e social ou científico. Mas o drama vivido por essas nações não é nem comparável ao que países periféricos e marcados por muitos conflitos podem passar. É o caso do Haiti. “Antes do novo vírus, o Haiti já estava em quarentena devido à situação sociopolítica e econômica”, observa o antropólogo Handerson Joseph. Segundo ele, “em meio à pandemia, ainda continua a onda de violência que toma conta do país. Vários grupos de civis rivais armados têm entrado em confronto nessas duas últimas semanas, causando mortes e feridos. Várias doenças impactam a vida social haitiana, a covid-19, a violência estrutural, a corrupção e a má gestão governamental”.
Ainda em 2019, Joseph foi contatado pela IHU On-Line para que, numa entrevista, trouxesse ao debate a atual situação do país à luz de movimentos do passado que marcaram o Haiti. Afinal, enquanto a França pregava ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, mas mantendo escravos cativos e subjugando os mais pobres, o Haiti estava em combustão numa revolução bem menos utópica, mas que, na prática, imprimia conceitos concretos de Direitos Humanos. Trata-se da Revolução Haitiana, entre 1791 e 1804. Agora, em maio de 2020, traz o atual cenário do país que, em muito, lembra a vida nas periferias brasileiras. “Estamos em meio a uma pandemia sem precedentes, uma tragédia global que atinge o sistema mundo. Apesar de o país passar também por uma onda de violência, para enfrentar o novo vírus o Haiti precisa de cooperação técnica na área de saúde, materiais, equipamentos e profissionais da área de medicina, e não forças armadas”, observa, na entrevista concedida por e-mail.
No entanto, só é possível minimamente mensurar as ameaças da pandemia no Haiti se levarmos em conta todo o passado de luta que vem sendo silenciado numa geopolítica que ainda bebe do colonialismo. “A ONU e a OEA poderiam aprender com o exemplo do país vizinho, Cuba, que enviou um grupo de médicos para o Haiti, em vez de forças armadas. O Haiti não terá como sair sozinho dessa crise sanitária sem cooperações internacionais; o país não está preparado para uma pandemia, tanto do ponto de vista estrutural quanto de recursos econômicos e humanos”, sugere.
E o pior de tudo é que, sob o argumento da luta contra a covid-19, o Haiti corre o risco de ser silenciado por outros Estados através de novas intervenções que se convertem em opressões e atualizações de expropriações colonialistas. “O Haiti é desigualdade, resistência, luta, liberdade e protagonismo. Foi por meio desses cinco pilares que se tornou o segundo país independente das Américas, depois dos Estados Unidos, e primeira República Negra do mundo”, destaca. Feitos estes que ainda fazem do país palco de uma luta pelo reconhecimento enquanto nação.
Handerson Joseph (Foto: Arquivo pessoal)
Handerson Joseph é antropólogo, haitiano, naturalizado brasileiro, doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, tendo realizado um período de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales e na École Normale Supérieure em Paris. Professor da Universidade Federal do Amapá – Unifap, do Curso de graduação em Ciências Sociais. Também é professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira (PPGEF). Ainda é professor colaborador do Programme de Master 2 en Sociétés et Interculturalités pela Université de Guyane, na Guiana Francesa, e Professor do Mestrado em Antropologia da Université d’État d’Haïti (UEH), fundador e coordenador do Programa de Apoio a Migrantes e Refugiados (PAMER). Atua principalmente nos seguintes temas: Diáspora; Mobilidade e Migrações transnacionais; Estudos fronteiriços, caribenhos e haitianos; Relações Étnicorraciais; Pós-colonialismo.
IHU On-Line – Como o Haiti tem vivido essa pandemia global?
Handerson Joseph – Antes do novo vírus, o Haiti já estava em quarentena devido à situação sociopolítica e econômica. Em meio à pandemia, ainda continua a onda de violência que toma conta do país. Vários grupos de civis rivais armados têm entrado em confronto nessas duas últimas semanas, causando mortes e feridos. Várias doenças impactam a vida social haitiana, a covid-19, a violência estrutural, a corrupção e a má gestão governamental.
Esse cenário só se agrava desde a confirmação dos dois primeiros casos de infectados pela covid-19, em 19 de março. O que deixa boa parte da população no dilema de ficar em casa em condições precárias, por vezes, sem ter o que comer, ou sair para rua, para tentar a vida, o que, também, pode se transformar na destruição da própria vida, por conta da contaminação do novo vírus ou da violência; como se diz no Haiti, chache lavi, detrui lavi.
Boa parte da economia do país gira em torno dos mercados informais, dos pequenos comércios nas ruas e das remessas enviadas pela diáspora haitiana no exterior, notadamente dos Estados Unidos, do Canadá e da França. As remessas enviadas pelos familiares na diáspora representam aproximadamente 31% do Produto Interno Bruto - PIB do país, no entanto os haitianos residentes no exterior também são afetados física, psicológica e economicamente, e a maioria ocupa posições de subordinação nos países de residência, nos Estados Unidos, nos países da América do Sul e da Europa. Assim, estão entre os primeiros afetados economicamente pela pandemia e tal situação não permite que muitos deles ajudem seus familiares que ficaram no Haiti.
Uma semana antes da confirmação dos primeiros casos, algumas medidas governamentais haviam sido tomadas, como a criação de um Centro de Informações Permanentes sobre o Coronavírus - CIPC, uma parceria entre o Ministério da Cultura e da Comunicação - MCC e o Ministério da Saúde Pública e da População - MSPP do Haiti. Por meio do CIPC, diariamente, os novos casos são divulgados. Até o dia 18 de maio, eram 533 casos confirmados, 491 infectados, 21 recuperados e 21 mortos, mas provavelmente os números sejam bem maiores por conta das subnotificações.
O governo também suspendeu os voos internacionais, as fronteiras porosas com a República Dominicana foram fechadas para circulação de pessoas, com exceção das mercadorias. O governo promoveu o isolamento social e tomou outras medidas como a criação da Comissão Multissetorial de Gestão da Pandemia, da Unidade Nacional de Gestão das Urgências Sanitárias, do Centro de Chamadas Telefônicas 2020 para informar e atender as pessoas. Além da ajuda emergencial de 3.000 gdes (equivalente a US$ 27,71) oferecidos a 1.500.000 pessoas, que gerou acusações de corrupção pelo fato de os critérios de escolha dessas pessoas por parte do Governo não serem transparentes.
Como se não bastassem as diferentes pandemias vividas no país, no mês de abril vários migrantes haitianos que viviam em situação indocumentada nas Ilhas das Bahamas e nos Estados Unidos foram deportados. Alguns estavam infectados pelo novo vírus, o que pode gerar consequências graves e crises sanitárias num país que já possui um sistema de saúde fragilizado, com aproximadamente 130 leitos e 64 respiradores para uma população estimada em 11.411.527 habitantes.
IHU On-Line – Em que medida a pandemia pode se converter em mais um argumento para ação de forças (políticas e militares) internacionais no Haiti?
Handerson Joseph – Estamos em meio a uma pandemia sem precedentes, uma tragédia global que atinge o sistema mundo. Apesar de o país passar também por uma onda de violência, para enfrentar o novo vírus o Haiti precisa de cooperação técnica na área de saúde, materiais, equipamentos e profissionais da área de medicina, e não forças armadas. Além da falta de infraestrutura, há mais profissionais haitianos da área da saúde na diáspora haitiana do que no próprio país.
A ONU e a OEA poderiam aprender com o exemplo do país vizinho, Cuba, que enviou um grupo de médicos para o Haiti, em vez de forças armadas. O Haiti não terá como sair sozinho dessa crise sanitária sem cooperações internacionais; o país não está preparado para uma pandemia, tanto do ponto de vista estrutural quanto de recursos econômicos e humanos.
Contudo, o governo haitiano já recebeu recursos internacionais para combater o coronavírus, principalmente do Fundo Monetário Internacional - FMI, do Banco Interamericano e de Desenvolvimento - BID e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento - USAID. A população tem ficado em alerta, visto que o governo já tem sido acusado por corrupção e má gestão dos recursos. Mas sem dúvida, o coronavírus também pode vir a ser mobilizado para fazer política, fazer social e fazer dinheiro com novas atuações da Comunidade Internacional, das ONGs e do governo haitiano.
IHU On-Line – Em termos de saúde pública, o coronavírus é hoje o maior problema do Haiti?
Handerson Joseph – Aproximadamente três milhões de pessoas são ameaçadas pela insegurança alimentar no país. Existe um problema de controle da mortalidade infantil, das doenças crônicas, transmissíveis sexualmente e da tuberculose. Assim, a covid-19 é mais um dos problemas na área de saúde no país.
IHU On-Line – Como compreender o Haiti? E como sua história vem sendo contada a partir de uma matriz ocidental?
Handerson Joseph – O Haiti é desigualdade, resistência, luta, liberdade e protagonismo. Foi por meio desses cinco pilares que se tornou o segundo país independente das Américas, depois dos Estados Unidos, e primeira República Negra do mundo. Aimé Césaire [poeta, dramaturgo, ensaísta e político da negritude] tinha razão, quando disse que “o Haiti é o lugar onde a negritude se ergueu pela primeira vez no mundo”.
No final do século XVIII e início do XIX, o país teve uma das revoluções mais bem sucedidas na historiografia mundial, a primeira e única revolução que se pode dizer Revolução Negra, que assolou uma das maiores tropas do mundo, de Napoleão Bonaparte. Dois motivos, entre outros, tornam peculiar a Revolução Haitiana: o fato de a libertação dos negros escravizados na Ilha ter coincidido com a independência do país, oficialmente em 1º de janeiro de 1804, e também por ter sido o lugar onde se realizaram efetivamente os ideais da Revolução Francesa (1789-1799), Liberté, Égalité, Fraternité.
No mesmo período em que o iluminismo ocupava um lugar central como movimento intelectual e político em prol dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, três indagações eminentemente filosóficas e antropológicas provocavam as lutas árduas dos negros escravizados – Liberdade para quem? Igualdade com quem? Fraternidade como? Percebiam que não tinham liberdade, não havia igualdade entre eles e os colonizadores franceses, e tampouco havia uma vida fraterna em São Domingos. Essa Revolução colocou o país nas mais belas páginas da história da humanidade, tornando o Haiti o lugar onde os Direitos Humanos se ergueram pela primeira vez no mundo. Foi a única revolução em que as pessoas acordaram no dia seguinte como cidadãos plenos.
No entanto, há mais de dois séculos, essa história continua sendo silenciada e execrada pelos neocolonizadores. Há uma incapacidade de relevar a História do Haiti, notadamente a Revolução Haitiana, ao seu devido estatuto, como uma das mais importantes Revoluções do mundo. Diria ser quase impossível falar da História da França sem falar em Haiti. Nas páginas da história haitiana, escrita pelos negros, que estão os primeiros sentidos pragmáticos da Democracia, da Liberdade e dos Direitos Humanos.
IHU On-Line – Depois de ter toda população dizimada pelos colonizadores no século XVI, o Haiti concentra uma grande massa de escravizados que em 1791 dispara um processo de revoltas que leva a sua independência. Como compreender a gênese desse povo que, mesmo sendo trazido de outros lugares e sujeitado à escravidão, consegue se organizar e levar o país a uma nação independente?
Handerson Joseph – Sim, houve um genocídio dos povos autóctones. Foi introduzido o cristianismo, o trabalho forçado nas minas, o assassinato e o estupro. Em meados do século XVII, já não havia mais indígenas no oeste da Ilha Hispaniola, o atual Haiti. Desde a fundação do Haiti como colônia, a migração – mesmo tendo sido forçada – esteve presente com a vinda dos milhares de escravizados africanos através do comércio transatlântico. Os negros africanos iniciavam as lutas contra as condições dramáticas impostas pelo sistema colonial, ainda no trajeto transatlântico. Tais processos de resistência e de luta se intensificaram na Ilha através do marronage, equivalente aos quilombos no Brasil.
Contudo, foi simultaneamente à Revolução Francesa que um grupo de negros escravizados que detinham conhecimentos do universo dos colonizadores, entre eles, Vincent Ogé, Chavannes, Toussaint Louverture, Henri Christophe e Jean-Jacques Dessalines, travaram lutas em diferentes períodos, porém com projeto semelhante, de libertação e de independência. Muitos desses líderes inspiravam terror devido às suas incursões nas fazendas e a força e determinação da resistência organizada por eles contra as tentativas de exterminá-los, pois aprenderam que esforços isolados estavam condenados ao fracasso.
Uma das línguas oficiais atualmente do país, o créole, constituiu-se durante o processo de escravatura. Na época da Revolução, foi determinante para que os negros escravizados pudessem usar uma linguagem comum para planejar estratégias de luta. Hoje, o Haiti é o único país do continente americano que possui uma religião (vodou) e uma língua (créole), ambas de matriz africana, reconhecidas oficialmente pelo Estado. Assim, o créole, como o vodu, ao mesmo tempo são expressões do mundo social haitiano e o seu elemento de resistência frente ao poder colonial e a expressão direta das relações de classe e de poder no país até os dias atuais.
IHU On-Line – O que acontece com o Haiti depois do século XVIII? O que o leva de uma das primeiras nações independentes da América ao retrocesso da extrema dependência de nações estrangeiras?
Handerson Joseph – Depois, o Haiti abriu o ciclo de abolição da escravatura na América Latina, o que durou aproximadamente um século. Jogou um papel central como lugar de liberdade, de democracia e de protagonista mundialmente. Foi o primeiro país a reconhecer o Governo revolucionário da Grécia em 1821, ocupou a República Dominicana de 1822 até 1844, em 1830 acolheu os refugiados judeus vindos da Polônia, do Líbano, da Síria e do Egito. Ainda acolheu os negros norte-americanos que decidiram ir residir no Haiti, por conta do racismo que sofriam nos Estados Unidos, pois o Haiti representava para eles o lugar de liberdade.
Sem falar das diversas viagens de Simon Bolívar para o Haiti, articulando desde o país a Revolução e a liberdade dos países latino-americanos. Em outras palavras, não há como falar em liberdade, hoje, sem falar no Haiti. É importante destacar que o Haiti forneceu apoio em armas, combatentes e dinheiro a Simon Bolívar para a emancipação dos países latino-americanos.
Enumeraria vários fatores que contribuíram para compreender por que o Haiti, de um dos primeiros países independentes, atualmente possui uma relação de dependência estrangeira. Isso exige uma volta ao passado. No período entre 1804 e 1820, o Haiti passou por nova fase econômica, social e política. O sistema colonial desestruturou-se e foi implantada uma economia agrícola de subsistência no espaço do antigo sistema agroexportador. Então, as plantações de cana e os engenhos de açúcar foram queimados e devastados a pedido de Jean-Jacques Dessalines, um dos líderes da revolução que proclamou a independência do país e foi seu primeiro governante. Ele não queria continuar com o sistema agroexportador.
O seu desejo era romper radicalmente com tudo do sistema antigo, tudo o que era francês. Com a volta à economia de subsistência, o Haiti saiu do mercado mundial do açúcar. De colônia mais produtiva das Américas passou a país independente pauperizado e fora de um intercâmbio favorável na economia internacional. Ele pretendia realizar uma total reforma agrária para que todos os haitianos pudessem ter acesso à terra para reconstruir dignamente a vida.
No começo do ano de 1805, os brancos foram massacrados por ordem de Dessalines, que empreendeu uma campanha contra os franceses no país, sendo dele as palavras na língua Créole “koupe tèt boule kay” (corta cabeça e queima casa). Da forma como tudo se passou, o Haiti sofreu terrivelmente com o isolamento resultante.
A luta de classes era (e é) vista sob a ótica da cor; a relação de conflito de cor entre mulatos e negros no país percorreu toda a história da nação até os nossos dias. Há uma disputa histórica e política entre as classes dominantes, das cidades e os camponeses, designados peyizan. Para ter uma ideia, referem-se às cidades do interior como peyi andeyò, como se fosse outro país. O que reforçaria a centralização histórica da vida econômica, política e sociocultural nas grandes cidades do país, notadamente na Capital, Port-au-Prince.
A ocupação do país vizinho, República Dominicana, gerou (e ainda gera) conflitos históricos e consequências políticas e econômicas para o Haiti. As dificuldades do país se devem também pela quarentena que lhe impuseram até as nações latino-americanas recém-emancipadas ainda no século XIX. Em 1826, o Haiti foi excluído dos países convidados à Conferência do Panamá, hoje considerados países latino-americanos. O isolamento internacional acentuou a crise socioeconômica e política, agravando as dificuldades históricas.
Mais recentemente, as políticas comerciais neoliberais dos Estados Unidos em direção ao Haiti causaram efeitos devastadores na economia agrícola do país. No início da década de 1980, houve massacre dos porcos crioulos. Na década de 1990, o ex-presidente Bill Clinton forçou o Haiti a reduzir os impostos sobre as importações do arroz norte-americano no Haiti, e isso praticamente destruiu as indústrias haitianas de arroz. Somado a tudo isso, as longas intervenções militares no país, os sucessivos golpes de Estado, os governos ditatoriais, os constantes conflitos sociais e políticos entre a classe bourgeoise e a massa, e os desastres ambientais (furacões, tempestades e terremotos) contribuíram para a decadência e o empobrecimento do Haiti.
IHU On-Line – Como compreender a construção que a mídia e os meios acadêmicos do mundo todo fazem do país?
Handerson Joseph – É importante lembrar que, logo depois da Revolução Haitiana, houve uma negação por parte da França e dos Estados Unidos de reconhecer oficialmente a independência do país. Sob o Governo de Jean-Pierre Boyer, em 1825, o governo haitiano teve que pagar o equivalente hoje a 21,7 bilhões de dólares por esse reconhecimento, mesmo sendo os próprios negros protagonistas da luta pela própria libertação e pela Independência. Foi o único país das Américas independente a indenizar os colonizadores. Na história econômica mundial, foi a primeira “dívida” externa.
Como se não bastasse essa luta pelo reconhecimento, o país foi (e continua sendo) perseguido ao longo da história, do ponto de vista do Ocidente, pela sua “ousadia”. Então, era (e é) preciso mostrar ao mundo que uma nação negra não poderia dar certo, seriam incapazes de se autogovernar. Isso também foi internalizado, introjetado e reproduzido na história social haitiana.
Esse não reconhecimento não se limita ao campo político, religioso e das disputas territoriais e socioeconômicas. Também se estendeu aos meios de comunicação internacional e ao universo acadêmico que comprou esse discurso neocolonial, silenciando as problemáticas suscitadas pelo mundo cultural e social haitiano e pelos seus intelectuais que iluminam questões globais no campo acadêmico e literário, como o indigenismo, movimento que na virada do século XIX para o XX surgiu como uma tomada de consciência por parte de escritores e artistas haitianos no sentido de incorporar os valores musicais, religiosos (vodu), danças e artes à cultura popular e à cultura nacional.
Também silenciaram a história social das elites haitianas e o pensamento intelectual como o do antropólogo haitiano Anténor Firmin, que em 1885 publicou a obra De l’égalité des races humaines. Anthropologie positive, tendo sido o primeiro a rebater de modo radical e sofisticadamente as teses e ideologias racistas de Joseph Arthur de Gobineau. É inadmissível até hoje não ter uma tradução portuguesa dessa obra.
Esses silenciamentos se mantiveram; em outubro do ano passado, vários países passaram por momentos de resistência e de protesto, porém os meios de comunicação internacional não abordaram as pautas da sociedade haitiana, destacaram o cenário do Equador, da Argentina, da Bolívia, do Chile, da Espanha, da Argélia e do Iraque. As poucas matérias escritas por jornalistas ou por acadêmicos mais uma vez reforçavam estigmas e estereótipos, utilizando expressões como “O Haiti está um caos”, “Rebelião no Haiti”, “a violência mais uma vez toma conta do Haiti”, “A fome e a miséria tomam conta do país”.
Enquanto as pessoas que ocuparam as ruas e algumas que foram feridas e mortas no Chile, no Equador, entre outros países, eram vistas como mártires, pessoas que têm consciência de classe, intelectuais orgânicos que lutam em prol dos direitos sociais e políticos, no caso do Haiti, não tinham suas lutas vistas como forma de garantir direitos, mas sim como aqueles que não são capazes de decidir o seu próprio futuro, de manter a estabilidade política, de ser uma “grande nação”. Sem levar em consideração as causas profundas da situação do país que o próprio neocolonialismo ajudou a manter ao longo da história.
IHU On-Line – O que está por trás das ações de forças armadas estrangeiras no Haiti? Por que essas ações acabam silenciando as lutas dos próprios haitianos, passando a ideia de que a salvação do país tem de vir de fora?
Handerson Joseph – Boa parte das intervenções militares estrangeiras no país é mobilizada pelos sucessivos golpes de estado, instabilidade política, violências generalizadas etc. Para ter uma ideia, da Independência de 1804 a 2020, em 216 anos, o país conheceu apenas dois presidentes que foram eleitos democraticamente e que conseguiram terminar seus mandatos, René Préval (1996-2001, 2006-2011) e Michel Joseph Martelly (2011-2016).
Mas, também, do ponto de vista histórico-político, não há dúvida de que os interesses neocoloniais estão por trás das diversas ocupações estrangeiras no país. Há um projeto histórico e político internacional de silenciamento e de aniquilamento do Haiti. O sucesso político, econômico e industrial do Haiti teria colocado em xeque os pilares da colonização territorial na África e a sua missão civilizatória. Por isso que o Haiti deveria ser um natimorto para assim legitimar a incapacidade genética dos negros.
Esses silêncios históricos, midiáticos, acadêmicos e políticos e as exacerbações da pobreza, da violência, das disputas de poder, da fragilidade do Estado haitiano e a demonização do vodu, são orientados por interesses neocoloniais e por modelos político-econômicos que têm como oxigênio o racismo estrutural, persistindo em evidenciar que uma nação negra não poderia dar certo. Seriam os condenados da terra duplamente, por serem negros e por constituir uma nação negra. Não deixa de ser uma forma de manter a opressão e a alienação psíquica das populações negras do mundo, silenciando e evitando a difusão da liderança e do protagonismo dos negros haitianos, como vimos em vários países que conquistaram suas independências com a contribuição direta do Haiti ou indiretamente por terem sido inspirados na revolta desses negros. A Revolução Negra criou o medo de o Haiti ser o referencial para a luta da libertação dos povos negros no mundo inteiro, pelo seu caráter incompatível com o poder colonial.
Do ponto de vista geográfico, o Haiti também é considerado um espaço territorial estratégico, tanto para os que têm interesses e horizontes voltados para Cuba quanto para os Estados Unidos, visto que ambos os países estão a poucos quilômetros do Haiti. Nas décadas de 1990, durante a ocupação americana (1991-1994), bases militares se instalaram em lugares estratégicos como Môle Saint Nicolas, no noroeste do Haiti, a poucos quilômetros de Cuba. Na época, a população denunciou que havia exploração do solo e de riquezas naturais do Haiti. De certa maneira, o silêncio e a reprodução da visão estigmatizada da pobreza no país também podem contribuir para manter a ordem vigente, pode ser uma estratégia para melhor dominar, explorar, desviando os holofotes e evitando os interesses externos em relação ao país.
Ademais, dar visibilidade e reconhecer a luta histórica e atual dos haitianos, como agentes e protagonistas contra o colonialismo, racismo e necroliberalismo impostos a eles, reconhecer a capacidade de articulação e de organização dos movimentos sociais e políticos no país, reconhecer a consciência política e a luta de classe e de cor no país, a luta em prol da democracia e contra as desigualdades, seria também o reconhecimento das contradições impostas ao país e do fracasso das diversas intervenções internacionais ocorridas no Haiti.
IHU on-Line – Qual a sua leitura sobre a situação política e social do Haiti hoje?
Handerson Joseph – A situação sociopolítica atual do país continua atravessada pela contradição principal e histórica da oposição entre as classes dominantes, a minoria que se vê e pensa como europeus, norte-americanos ou canadenses, e a massa representada pela maioria da população, porém submetida a uma pequena oligarquia orientada ao exterior, e que em boa medida nem vive no Haiti. As primeiras são representadas principalmente por uma elite econômica e racial, mas também intelectual, geralmente em disputa pelo poder econômico e político, sendo responsável por boa parte das decisões sobre o destino do país. Essa oligarquia geralmente age em consonância com os interesses da comunidade internacional. É ela que domina os cargos públicos, os principais serviços sociais, o comércio exterior etc.
A própria distribuição sócio-espacial haitiana diz muito sobre as relações de dominação e as hierarquias no país. A elite vive nas montanhas e a massa nas regiões planas, ela olha a sociedade de cima para baixo, desde as montanhas. Desde as suas janelas, controlam as movimentações políticas, as redes comerciais, são lugares de difícil acesso pela massa.
Algumas das formas de reagir da população contra essas desigualdades e as condições submetidas são por meio de resistência, de violência, de ocupação das ruas através das manifestações, do dechoukaj (invasões, saqueamentos etc.), das queimadas de pneus (pèlebren) e de carros. Tudo isso está articulado nos movimentos ocorridos no Haiti em 2018, 2019 e agora em 2020. Para compreender a crise política atual, é preciso compreender como os fracassos políticos desses últimos anos abrem espaço para as manifestações e como esses fracassos se tornaram possíveis por conta das injustiças estruturais a longo prazo, de um sistema judiciário disfuncional e das políticas econômicas nacionais e estrangeiras que empobreceram a maioria da população.
IHU On-Line – O senhor destaca que, há mais de um ano, o país trava uma série de lutas internas contra corrupção generalizada, crise econômica e política. Em que consistem essas lutas? E por que o senhor considera que são invisibilizadas pela comunidade internacional?
Handerson Joseph – Em julho de 2018, em resposta à deterioração da situação socioeconômica, na qual o déficit orçamental do governo atingiu o recorde de 89,6 milhões de dólares, a má gestão do Governo e as denúncias de corrupção do desvio da estimativa de 3,8 milhões de dólares americanos, envolvendo autoridades políticas no Fundo PetroCaribe (uma aliança em matéria petroleira entre alguns países do Caribe e a Venezuela), surgiram várias manifestações, mobilizadas, inicialmente, pelos partidos de oposição.
O ineditismo desses movimentos de 2018 e 2019 é por ter reunido quase todos os setores e as esferas da vida privada e pública haitiana. Diferentes grupos políticos e sociais (organizações, movimentos), grupos culturais (artistas, pintores), grupos religiosos (Padres católicos, Pastores, Voduistas), grupos musicais (cantores, músicos), grupos de escritores e de intelectuais haitianos se juntaram pela mesma causa, em prol do Haiti. E fizeram marchas, protagonizaram manifestações, confrontaram as forças de repressão do Governo, gritaram palavras de ordem e pediram a renúncia do Presidente atual, Jovenel Moïse (início do mandato em 2017) e de seu governo, por diversos fatores: corrupção, impunidade, PetroCaribe, inflação (aproximadamente 20%), aumento desenfreado do preço da gasolina, dos alimentos, desvalorização da moeda haitiana (gourdes) em relação ao dólar americano, perdendo a metade de seu valor nos últimos cinco anos, desvalorização do salário mínimo, além das mortes (34) e pessoas feridas (102) durante as manifestações, da violência e do uso da força do próprio Governo para manter a hegemonia política e o poder.
Enfim, se antes a vida era difícil no país, ela se agravou, de agosto a novembro de 2019, e essa situação gerou um impacto grave no funcionamento das instituições, dos estabelecimentos, os serviços públicos e privados fecharam: escolas, universidades, bares, restaurantes, postos de combustíveis, bancos, empresas, lojas, comércios, hospitais, alfândegas e aeroportos - para usar a expressão haitiana, Peyi lòk (literalmente o país está bloqueado). O país estava em quarentena e em revolta com o modo pelo qual o governo americano tem conduzido e interferido na vida política haitiana. Em respostas a isso, um grupo de manifestantes queimou a bandeira norte-americana e gritou “Vive Poutine” (Viva Poutine).
Todo esse movimento foi ignorado pela comunidade internacional. Na época, vários chefes de Estado se posicionaram politicamente em relação à situação que ocorria em outros países da América do Sul, da Europa e da Ásia, porém houve um silêncio total em relação ao que acontecia no Haiti. Nos bastidores, o “Core Group”, composto por representantes da Organização das Nações Unidas - ONU, do Brasil, do Canadá, da França, da Alemanha, da Espanha, da União Europeia, dos Estados Unidos e da Organização dos Estados Americanos - OEA, defendeu a permanência do governo haitiano, contribuindo para que se mantivesse no poder. A própria comunidade internacional, que geralmente justifica as intervenções e as ocupações militares no Haiti em nome da democracia representativa que constitui uma condição indispensável da estabilidade e da cultura da paz no país, por sua vez, quando a própria população reivindicou seus direitos, denunciando os atos de corrupção e pedindo a renúncia do presidente, nem sequer foi ouvida por essa mesma comunidade. Pelo contrário, ignoraram o povo e apoiaram o governo que ajudaram a ser eleito, o que caracteriza um racismo humanitário.
IHU On-Line – As missões de paz do Brasil no Haiti são propagadas como ações de grandes sucessos. Mas há uma série de críticas. Como o senhor analisa a presença brasileira no país ao longo de todas essas missões?
Handerson Joseph – A presença brasileira no Haiti não pode ser compreendida de maneira isolada do conjunto da Missão. Os militares brasileiros ocuparam um lugar central, desde a criação da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti - Minustah em 2004, por meio da Resolução 1524. Os comandantes do componente militar da Minustah foram generais brasileiros.
Inicialmente, boa parte da população haitiana tinha mais simpatia pelos militares brasileiros do que os demais, visto que a paixão do povo haitiano pelo Brasil é anterior à Missão, e tem origem na torcida pela seleção brasileira que é histórica, desde os tempos de Pelé. Na época, afirmava-se que a participação do Brasil na Minustah teria por interesse o ingresso como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU, o que não deixa de ser verdade. Porém acrescentaria que também foi uma estratégia diplomática ter sido o Brasil a comandar a Missão, visto que a sua presença no comando poderia contribuir no sentido de limpar a imagem negativa das ocupações estrangeiras no país, principalmente pela paixão histórica do povo haitiano em relação ao Brasil. Assim, a Missão poderia ganhar a confiança da população. Contudo, desde o início, não houve consenso na sociedade haitiana, alguns setores fizeram críticas radicais à intervenção como um projeto neocolonial e necroliberal.
Essa percepção de sucesso do Brasil na Missão pode estar associada ao fato de o país ter sido um dos poucos que não se restringiu a ações militares, mas também desenvolveu projetos socioculturais em bairros periféricos, agrícolas e sistemas de produção através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa e algumas ações da engenharia brasileira em apoio à infraestrutura haitiana. Além da Cooperação Tripartite Brasil-Cuba-Haiti que foi criada com o objetivo de reconstrução e fortalecimento do sistema de saúde do Haiti.
O que está em jogo não é simplesmente dizer se teve sucesso ou não. Mais do que isso, é preciso ouvir a população haitiana para saber o que eles pensam em relação a isso. Uma das missões da Embrapa era desenvolver a agricultura de soja em detrimento da agricultura de subsistência. Isso provocou fortes mobilizações políticas em 2007 por parte das associações de trabalhadores agrícolas haitianas.
A Minustah acabou em 2017 e é preciso avaliar, depois de três anos, pós-Missão, qual é o legado deixado para a sociedade haitiana? Os objetivos iniciais da referida Missão não eram apenas uma intervenção militar, mas também contribuir na garantia da aplicação dos direitos sociais, na manutenção da estabilidade política, na realização de processos eleitorais democráticos e no desenvolvimento institucional e econômico do Haiti. Por meio da Resolução 2350, de abril de 2017, o CSNU pôs fim à Minustah, e ao mesmo tempo criou, em outubro de 2017, a Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti - Minujusth. Em fevereiro de 2018, menos de seis meses depois da retirada das últimas tropas militares no país, começou uma onda de violência, reivindicações e denúncias, de parte da população, envolvendo as autoridades estrangeiras e haitianas. Então, sucesso do ponto de vista de quê? Do ponto de vista de quem?
Vários relatórios elaborados por alguns órgãos haitianos mostram que fracassaram as intervenções internacionais no país, em parte pelas suas próprias implicações nas violações dos direitos no país. Membros do componente da Missão estão envolvidos em várias denúncias sérias de violações de Direitos Humanos no país, por mortes indevidas, abusos sexuais de mulheres, e também por terem introduzido a epidemia de cólera que matou mais de 10.000 pessoas e deixou 800.000 infectadas, além de terem interferido no resultado eleitoral das eleições presidenciais de 2010 e 2011.
Ademais, o ano passado, a população haitiana tem pressionado a Minujusth para contribuir na aplicação dos direitos contra as autoridades políticas e jurídicas envolvidas no desvio do Fundo PetroCaribe, e para conter a onda de sequestros que tomam conta do país desde os meses de janeiro e fevereiro de 2020. Porém, os representantes dessa Missão não tomaram medidas sérias contra alguns abusos de Direitos Humanos.
Então, a crise atual é o resultado dos fracassos institucionais e das políticas governamentais haitianas. Mas a comunidade internacional – incluindo governos poderosos com um compromisso a longo prazo no Haiti, organizações internacionais e instituições financeiras – também é responsável por décadas de compromisso no país que levaram às crises e ao interesse dos atores poderosos no país, antes de investir numa verdadeira democracia e num Estado de direito que respeite os direitos da maioria popular no Haiti.
IHU On-Line – A autora estadunidense Susan Buck-Morss afirma que a história do Haiti é silenciada, por exemplo, pela visão hegeliana de liberdade, que ignora o cenário da Revolução de 1791 e dá enfoque à Revolução Francesa. Que relações podemos estabelecer entre os silêncios de hoje e o silêncio da perspectiva hegeliana de liberdade?
Handerson Joseph – Há um silêncio epistêmico em relação ao Haiti. Na obra Hegel e o Haiti, Buck-Morss indaga, “por que o tema Hegel e Haiti foi ignorado por tanto tempo?”. Ela sustenta que a dialética do senhor e do escravo de Hegel não era uma teoria abstrata da escravidão, mas era baseada nos acontecimentos da Revolução Haitiana, porém Hegel nem sequer fez referência ao Haiti.
O antropólogo haitiano Michel-Rolph Trouillot, na sua obra clássica Silenciando o passado (1995), também havia denunciado os meios acadêmicos, criticando radicalmente o silêncio dos intelectuais que foram incapazes de relevar a História do Haiti, notadamente a Revolução Haitiana, ao seu devido estatuto político e acadêmico. Diferentemente de Hegel, quando fazem referência ao Haiti, geralmente a Revolução Haitiana aparece em notas de rodapé.
Hoje, esses silêncios continuam sob outras formas. As lutas pela democracia e em prol dos direitos no Haiti não ganham destaque nos meios de comunicação internacional como é no caso de outros países. A literatura e os estudos haitianos são centrais para os estudos pós-coloniais, caribenhos e migratórios, como, por exemplo, na década de 1990, quando as experiências migratórias haitianas em Nova York iluminaram um grupo de antropólogos na formulação das primeiras bases teóricas do transnacionalismo, porém isso não é expresso.
Esse silêncio é uma forma de genocídio da história e do pensamento social haitiano, particularmente a produção de conhecimento desde o Haiti. No entanto, com as Tecnologias de Informação e de Comunicação - TICs, as reações em relação aos silêncios são imediatas. Por exemplo, as denúncias contra autoridades governamentais envolvidas em atos de corrupção através dos recursos do PetroCaribe tomaram uma proporção nas redes sociais em agosto de 2018, por meio das hashtags “kot kòb Petwo Karibe a?” (Onde está o dinheiro do PetroCaribe?) e “#PetroCaribeChallenge”, publicados inicialmente por artistas e músicos haitianos no Twitter e reproduzidos por milhares de pessoas.
Com o advento das redes sociais as denúncias ganham maiores proporções, rapidamente são viralizadas em sites e plataformas da internet, e isso intimida os opressores. Hoje, é mais fácil dar visibilidade ao que é silenciado. As mídias alternativas têm jogado um papel importante no processo de des-silenciar o Haiti. E os haitianos têm se apropriado dessas ferramentas para se conectar cada vez mais com o mundo, pois como já falei, por muitas décadas foram mantidas em isolamento, como vidas precárias, passíveis de silenciamentos.
IHU On-Line – Quais os desafios para se desnaturalizar o silêncio histórico e epistêmico da comunidade internacional em relação ao Haiti?
Handerson Joseph – Desnaturalizar esse silêncio histórico e epistêmico em relação ao Haiti e aos haitianos exige um posicionamento radical anticolonial e contra o necroliberalismo, uma autocrítica desde as sociedades hegemônicas, do ponto de vista racial, econômico, político e acadêmico. Talvez, na história da humanidade, nunca usamos tanto as palavras democracia e liberdade, porém é preciso repensar urgentemente esses dois conceitos em termos e práticas dos povos do Sul Global.
É preciso des-essencializar o silêncio em relação à singular tradição intelectual do país. Também, o Estado haitiano deve começar a governar em prol da sociedade e não apenas de uma oligarquia, e participar efetivamente nas grandes discussões globais, retomando o lugar protagonista do Haiti em escala internacional.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Handerson Joseph – O meu sonho é que acabem as diversas violências e sofrimentos a que a população tem sido submetida, além dos múltiplos silêncios em relação ao país.