23 Janeiro 2011
A jornalista Lilian Pierre-Paul sabe de cabeça a data em que foi presa pelo governo de Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc: 21 de novembro de 1980. Ronald Reagan tinha acabado de ser eleito presidente dos EUA e indicava que, em nome da luta contra o comunismo nas Américas, relaxaria a pressão que seu antecessor, Jimmy Carter, exercia contra abusos cometidos por ditaduras - o Haiti entre elas.
A reportagem é de Roberto Simon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-01-2011.
Começava o terror do regime Baby Doc. Com a morte do pai, François Duvalier (o Papa Doc), em 1971, Jean-Claude recebeu aos 19 anos o título de "presidente vitalício". Sua primeira promessa foi fazer a "revolução econômica" no país, já que seu pai teria concluído a "revolução política" - o massacre de qualquer tipo de oposição, real ou imaginária, ao poder. Sob Papa Doc, a elite intelectual do Haiti fora obrigada a se exilar em países africanos que saíam do processo de descolonização, como Zaire, Togo e Gabão, além de Canadá e EUA. Inicialmente, o governo de Baby Doc permitiu um tímido processo de distensão, incentivado pela pressão de Carter.
A brecha de liberdade fez Lilian, juntamente com outros jovens jornalistas, organizar a Radio Ayti Inter, primeira emissora haitiana em creole, a língua da população. Antes, toda a imprensa era em francês, embora a grande maioria do Haiti não falasse o idioma do tempo colonial. "Todo o país nos escutava", relembra Lilian, hoje "na casa dos 50" e diretora da emissora Kiskaya. "A Radio Ayti Inter dava notícias somente em creole. Era essa a nossa revolução."
No dia da vitória de Reagan, os Tontons Macoutes - "bicho papão" em creole, a sanguinária milícia dos Duvaliers - saíram às ruas em festa. No dia seguinte, milicianos e o Exército fecharam a rua da emissora e prenderam os jornalistas. Lilian foi enquadrada como "inimiga de alta periculosidade do Estado".
Os repórteres que tinham visto dos EUA foram embarcados à força para Miami. Não foi o caso de Lilian. Da rádio, ela foi levada à prisão Jean-Jacques Dessalines, centro do sistema de repressão política dos Duvaliers que levava o nome de um dos heróis da Revolução Haitiana.
Tiraram-lhe as roupas e a torturaram, ritual repetido diariamente durante três semanas. Invadiram sua casa, prenderam seus dois irmãos (um deles morto anos depois no exílio) e colocaram sua mãe sob vigilância.
Depois das semanas no calabouço, a jornalista foi levada com outros seis presos para o aeroporto de Porto Príncipe, de onde seria expulsa do Haiti. Ao chegar ao terminal, os agentes da repressão encontraram três voos - para Paris, Montreal e Miami -, mas todos os pilotos rejeitaram receber presos políticos. Os agentes, então, pararam na ponta de fuzis um bimotor a caminho da ilha holandesa de Curaçau, no qual os presos foram embarcados. O governo da Holanda protestou contra a ação, qualificando-a de "terrorismo de Estado". Quando o avião chegou, os sete solicitaram asilo político, sob a ameaça de cortar os pulsos caso o pedido fosse recusado.
PONTOS-CHAVE
Corrupção
Autoridades haitianas estimam que mais de US$ 100 milhões tenham sido desviados por Baby Doc para contas na Suíça. A maior parte do dinheiro permanece bloqueada
Direitos humanos
Como o pai, Baby Doc contava com os serviços da milícia conhecida como Tonton Macoute, que controlava o país usando violência e intimidação
Era de terror
Milhares de haitianos foram torturados e mortos. Acusações envolvem ainda prisões arbitrárias, execuções sumárias e estupros
PARA LEMBRAR
O esquadrão da morte oficial
Os Tontons Macoutes ("bichos-papão", em creole) eram o esquadrão da morte da dinastia Duvalier que aterrorizou o Haiti sob o comando de Papa Doc e Baby Doc. Eram uma mistura de guarda oficial e paramilitares formada por homens que usavam ternos e gravatas escuros e grandes óculos escuros redondos. Além de torturar, sequestrar e assassinar milhares de haitianos, os Tontons Macoutes extorquiam dinheiro da população. Desde que iniciaram os trabalhos, em 1959, mataram 30 mil haitianos.
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"Tontons" simbolizaram terror de Estado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU